Rio foi palco de 593 chacinas policiais, entre 2007 e 2021. A última matou 25

 Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Lula, disse que se violência policial letal contribuísse para a segurança pública, o Rio de Janeiro seria um paraíso



O Brasil acompanhou estarrecido mais uma chacina no Rio de Janeiro. Uma ação policial deixou 25 mortos nesta terça-feira (24) na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha. A carnificina só foi menor que a do Jacarezinho em 2021, com 28 mortos na mesma cidade. Os números são assustadores. De acordo com o Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), o estado foi palco de 593 chacinas policiais, entre de 2007 a 2021, tendo como resultados 2.374 mortes.

Gabriele Ferreira da Cunha, de 41 anos, moradora da comunidade da Chatuba, vizinha da Vila Cruzeiro foi morta com um tiro durante o confronto.

Os números revelam um estado ineficiente, sem política de segurança pública e que provoca pânico com suas ações na periferia. No meio de tudo isso, o pior é ver Bolsonaro e seus aliados normalizarem a situação e ainda comemorarem.

Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública no primeiro governo Lula e um dos maiores especialistas em segurança pública do país, reforçou a sua tese de que as execuções só contribuem para degradar a instituição policial e fortalecer o crime organizado.

“O que posso lhe dizer, muito simplesmente, é que se violência policial letal contribuísse para a segurança pública, o Rio de Janeiro seria um paraíso, depois de 19.464 mortes provocadas por ações policiais, de 2003 a 2021. Pelo contrário, esse verdadeiro banho de sangue só tem aprofundado o racismo estrutural e as desigualdades sociais, e intensificado o ciclo vicioso da violência”, disse ele ao Portal Vermelho.

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Por trás dessa violência ao longo dos anos, de acordo com ele, encontra-se o ímpeto racista e de classe, inteiramente dissociado de qualquer avaliação sobre resultado e evidências. “Está em curso, em nome de uma falsidade e hipócrita ‘guerra às drogas’, na sequência dramática de chacinas perpetradas sob responsabilidade do Estado, um genocídio de jovens negros e pobres, nos territórios vulneráveis”, disse.

O cientista político, que também é antropólogo e escritor, reclamou da política da cruzada bolsonarista pelo acesso ao armamento. “Enquanto isso, o tráfico de armas vem sendo estimulado pela flexibilização do acesso legal”, diz.

Questionado sobre o que fazer para superar essa crise, Luiz Soares afirmou haver uma vasta agenda e ainda a proposta de emenda à Constituição (PEC-51), de autoria do ex-senador Lindbergh Faria (PT-RJ) e que ele ajudou a elaborar, sobre a desmilitarização policial.

“Mas o que se impõe, hoje, com urgência, é a legalização das drogas e o fim do encarceramento em massa da juventude negra e pobre. É a concentração de esforços no controle das armas, o oposto da flexibilização, o que não se faz com operações bélicas em favelas, e, sobretudo, uma repactuação nacional democrática que ponha fim ao genocídio, à violência policial racista sempre renovada e sempre impune”, defendeu.


 



STF

Sobre as críticas do comando da operação ao Supremo Tribunal Federal (STF), pelas quais culpam a corte por proibir operações policiais em favelas durante a pandemia, o especialista a considerou um acinte. “Uma declaração absurda e desrespeitosa ao STF. O que a ADPF-635 basicamente determina é o cumprimento da legalidade constitucional, sistematicamente violada no Rio. O argumento parte de duas premissas inteiramente falsas: a de que a ADPF-635 vem sendo cumprida e que, em o sendo, estaria impedindo o trabalho policial”, explicou.

Câmera no uniforme

Uma situação curiosa é que, 11 dias antes da chacina, o governo de Cláudio Castro havia anunciado o início de instalação de câmeras nos uniformes de policiais cariocas, mas a regra acabou não sendo cumprida. Procurado pela reportagem do Portal Vermelho, o ouvidor da Polícia do Estado de São Paulo, o advogado Elizeu Soares, considerou o uso do equipamento fundamental para a proteção da vida das pessoas e do policial.

“Aqui em São Paulo temos usados as câmeras nos uniformes e reduzido a letalidade policial, sobretudo diminuindo reclamações da população em face da ação policial”, disse o ouvidor, para quem o equipamento serve para elucidar controvérsias sobre a ação policial.

No caso da chacina no Rio, Soares considerou a incursão policial uma tragédia que se repete por vários anos. “Na verdade, ela é ineficaz, ineficiente e fere um dos princípios basilares da administração pública que é o princípio da eficiência. Ora, se eles estão atuando com a função de diminuir a criminalidade, enfim cercear a atividade de tráfico de drogas e outras  ilicitudes, isso não tem tido bom efeito”, afirmou.

Isso porque, na opinião do ouvidor, as atividades criminosas nos morros cariocas continuam deixando a população vulnerável entre o fogo cruzado dos bandidos e da polícia. “Nós vamos resolver o problema do Rio de janeiro e de outras comunidades com a presença do estado, possibilitando educação aos jovens e caminhos que não sejam o crime. Mais educação com trabalho, emprego e dignidade e, sobretudo, enfrentando os problemas das desigualdades que existem na sociedade”, defendeu.




Parlamento

Nesta quarta-feira (25), parlamentares avaliaram a situação critica do Rio. A deputada Jandira Feghali (PCdoB), que é do estado, considerou o problema insustentável. “Vocês sabem o que é viver em constante sobressalto? Os moradores das comunidades do RJ sabem. Acordam com tiros. Vão para o trabalho pulando corpos pelo chão. Isso não é vida. Isso é a falência de um estado que não sabe a diferença entre política de segurança pública e chacina”, criticou.

Ela disse que as famílias das vítimas não querem saber de quem é a culpa. “Querem uma política de segurança que as proteja. A cada operação o trágico retrato é o mesmo. Inaceitável, chocante e assustadora a política de atirar primeiro e perguntar depois. Combater o crime, sim. Aterrorizar os moradores das comunidades, não”, afirmou.

O presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minoria da Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), pediu providências ao governador, procurador-geral de Justiça, Ministério Público Federal, ao Conselho Nacional de Justiça e ao Ministro da Justiça e da Segurança Pública sobre a ação policial do Bope (Batalhão de Operações Especiais) em conjunto com a PRF (Polícia Rodoviária Federal) na região da Vila Cruzeiro.

Ele também criticou Bolsonaro por festejar a chacina. “GENOCIDA! Bolsonaro celebrou o extermínio de 24 pessoas na Chacina policial na Vila Cruzeiro. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos, já pedi providências urgentes na investigação à Procuradoria de Justiça do RJ. Quanto a Bolsonaro, vai pagar por seus crimes em Haia!”, escreveu no Twitter.



Lideranças locais

Algumas lideranças do estado também criticaram a violência policial. “Isso não é vida! O Rio de Janeiro precisa de política pública pra favela, não de bala em muro de morador”, protestou a vereadora de Niterói Walkiria Nictheroy (PCdoB).

“A falta de políticas públicas que valorizem a vida da nossa juventude periférica é absurda. Não é dessa forma que a violência e o crime organizado será combatido. Onde estão as movimentações para geração de empregos, para educação popular e formação cidadã daqueles que mais precisam? Chega de genocídio!”, disse Danieli Balbi, militante do PCdoB e professora no estado.

Por meio de nota, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Rio de Janeiro (CTB-RJ) repudiou o governador Claudio Castro e sua necropolítica de segurança pública.

“Dessa vez, o espetáculo da morte promovido pelo governo em comunidades pobres foi no Complexo da Penha, na segunda ação mais letal das forças policiais da história do nosso Estado. Cabe ressaltar, que a ação mais letal também foi ocorrida durante o governo de Castro e tem pouco mais de um ano seu acontecimento, na favela do Jacarezinho”, lembrou.

De acordo com a entidade, a necropolítica faz bem aos ouvidos de uns e serve apenas para consolidar o fascismo na sociedade. “Foi com ela que Wilson Witzel se elegeu para ‘atirar na cabecinha’ e teve ao seu lado, seu herdeiro político, Claudio Castro. Ambos aliados à época de Jair Bolsonaro, que também se elegeu promovendo ideologias fascistas em nossa sociedade.”



 


 





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