Sophie Scholl - Uma Mulher Contra Hitler - Legendado - Português
por Carlos Russo Jr.
“Ouvintes alemães!” Sob esta chamada, o escritor alemão exilado, Thomas Mann, transmitia em sua língua pátria, via BBC, discursos diários antinazistas. De sua exortação de 27 de julho de 1943, extraímos esse breve trecho:
“Os anos repletos do mais brutal terror, de martírios e execuções, não foram suficientes para quebrarem a resistência que nasce no seio do povo alemão. Os estrangeiros verdadeiros, contra os quais os bens sagrados da civilização devem ser protegidos, são eles, os nazistas! Apenas uma parte pequena e corrupta da classe superior, uma corja de traidores para quem nada é mais sagrado que o dinheiro e as vantagens, trabalham com e para eles. Os povos se negam a isso, e quanto mais evidente se mostra a vitória dos Aliados, mais cresce a revolta do povo alemão contra o que lhe parece insuportável…”
“Nesse verão o mundo se comoveu profundamente com os acontecimentos na Universidade de Munique, cujas notícias nos chegaram pelos jornais suíços e suecos, primeiro sem muita clareza e, logo, com mais detalhes. Sabemos agora de Hans Scholl, soldado sobrevivente da derrota nazista de Stalingrado e de sua irmã, Sophie Scholl, de Christoph Probst, do professor Huber e de todos os outros… Sabemos de seu martírio, dos panfletos que eles distribuíram… Sim, foi aflitiva aquela predisposição da juventude alemã para a revolução mentirosa, falsa, do nacional-socialismo. Agora os olhos da juventude se abriram e por isso eles põem a cabeça jovem sob o cepo do carrasco. Mas para a glória da Alemanha eles não se calam nem mesmo perante os juízes nazistas: ‘Logo vocês estarão aqui, onde nós estamos agora’”.
22 de fevereiro de 1943, há 75 anos: três estudantes universitários alemães foram condenados e executados em Munique, por liderarem um movimento de resistência contra Adolf Hitler. Mais dois estudantes e um professor de filosofia, da mesma Universidade da Baviera seriam decapitados nos meses seguintes. Em Hamburgo, oitos estudantes igualmente seriam presos, condenados e executados. Dezenas de universitários das duas cidades foram presos, muitos torturados, alguns condenados a prisão perpétua e outros a trabalhos forçados em campos de concentração de onde jamais saíram.
Dias após, segue Thomas Mann no programa da BBC: “Corajosa e magnífica juventude! Vocês não terão morrido em vão, não serão esquecidos. Os nazistas erigiram monumentos para arruaceiros imundos e criminosos comuns. Mas a revolução alemã, a verdadeira, irá derrubá-los e eternizará, em seu lugar, o nome daqueles que, quando a noite ainda cobria a Europa e a Alemanha, anunciaram: Nasce uma nova fé na liberdade e na honra”.
O grupo Rosa Branca aglutinou-se justamente em Munique, o berço do próprio nazismo! Ele era composto principalmente por estudantes e professores universitários, muitos dos quais não se haviam oposto ao nazismo desde o princípio. No entanto, durante a guerra, eles assumiram posturas plenamente conscientes do risco de vida que ela representava. Tinham entre 12 e 15 anos quando o Partido Nacional-Socialista tomou o poder político, em 1933, e, posteriormente, alguns deles haviam pertencido à juventude do Partido, empolgados pelos propalados amor à Pátria e à terra, pelo companheirismo da “Comunidade do Povo”, pela propaganda que fazia de Hitler um MITO, um salvador da pátria.
Na verdade, o movimento surgiu menos de uma ideologia política e mais da indignação e da revolta com a forma como os alemães aceitavam o nazismo, seus valores torpes e brutais e a guerra feita em seu nome. Sua rebelião teve como alvo a mortandade da guerra e a perseguição e extermínio dos judeus; iniciam, corajosamente, suas atividades antinazistas em 1942.
A partir de junho deste ano, panfletos começaram a ser encontrados nas caixas de correio de professores e intelectuais dos grandes centros na Baviera e na Áustria. Seus endereços eram escolhidos aleatoriamente, nas próprias listas telefônicas.
Os primeiros já revelavam o alto nível cultural de seus redatores, e centravam suas referências em diversos valores religiosos, principalmente em citações do “Eclesiastes” e do “Apocalipse”. Foram quatro os panfletos nessa fase e a tática era redigir os textos em máquinas de escrever, copiá-los e enviá-los por correio a partir de cidades diferentes. Conclamavam à resistência passiva contra a guerra e denunciavam a opressão intelectual praticada pelo nazismo; desejavam abalar a confiança dos alemães no Führer, despertarem ao menos um mínimo de dúvidas sobre a veracidade da propaganda feita pelo regime e alimentar eventuais células de resistência no próprio povo alemão.
O grupo de Munique consegue expandir-se para Hamburgo. Os dois últimos folhetos, distribuídos em 1943, já tinham um estilo completamente diferente, reflexo da primeira grande derrota que chocou a população alemã. A morte de 300 mil alemães na batalha de Stalingrado, que representou uma reviravolta na Segunda Guerra Mundial! Denunciavam que os soviéticos haviam apresentado a Hitler um plano razoável de rendição e que este optara pelo sacrifício de seus soldados, enquanto o comandante em chefe von Paulus, do Exército invasor e agora cercado, fugia covardemente do teatro da guerra para a Alemanha ( O Marechal nazista von Paulus foi feito prisioneiro pelas tropas do Exército Soviético).
Também pela primeira vez, em linguagem direta, os panfletos apresentavam planos concretos para a Alemanha do pós-guerra, dirigindo-se a todas as camadas da população, não apenas aos intelectuais, visando uma reconstrução humanística e democrática.
Numa manhã, a população de Munique chocou-se: a Universidade e os prédios próximos a ela surgiram totalmente pichados com a frase “Abaixo Hitler e Viva a Liberdade”.
Willi Graf, Alexander Schmorell e Hans Scholl, os três estudantes de medicina, haviam passado toda uma noite disseminando a frase tão temida pelos poderosos.
No dia 18 de fevereiro os irmãos Hans e Sophie Scholl, estudante de biologia, planejaram sua ação mais ousada: distribuir os panfletos contra Hitler na Universidade de Munique. Os dois deixaram pilhas de panfletos em volta da escadaria central. Sophie ainda tinha alguns nos braços e os atirou de cima de um balcão para que eles caíssem em cima dos estudantes.
Ela foi vista por um funcionário da universidade, que chamou a Gestapo. Hans Scholl ainda tinha o rascunho do próximo panfleto em seu bolso, que tentou engolir quando foi preso.
Os irmãos foram presos, julgados, considerados culpados e condenados à decapitação, junto com o amigo e colaborador Christoph Probst, também estudante de medicina, no dia 22 de fevereiro de 1943. Nos interrogatórios demonstraram enorme coragem, que ficou conhecida em toda a Alemanha ainda no decorrer da guerra. A primeira pessoa a ser chamada para a execução foi Sophie. Caminhou resoluta para a lâmina do carrasco, recusou a venda e antes que o machado abaixasse, em todo o presídio ouviu-se o grito da moça de 22 anos: “Viva a Liberdade!” Seu eco jamais se extinguirá por todos os tempos!
A vida de Sophie foi transportada para o cinema no filme de Marc Rothemund em 2005. “Sophie Scholl – Uma Mulher Contra Hitler”, disponível legendado em português em:
Seu irmão foi executado a seguir e suas últimas palavras de foram: “Longa vida à liberdade!”.
Ainda seriam executados em Munique o estudante Willi Graf, e o conservador professor de filosofia Kurt Huber. Ambos, nem mesmo sob a mais cruel tortura, revelaram nenhuma das conexões com o grupo de Hamburgo. O conservador professor termina sua defesa perante o “Tribunal do Povo”, dizendo que “nasce uma fé na liberdade e na honra” e cita um verso de Fichte:
“E deves agir como se
Só de ti e de tua ação dependesse
O destino das coisas alemãs,
E só tua fosse a responsabilidade.”
Durante o segundo semestre de 1943, entretanto, a Gestapo descobriu em Hamburgo o grupo de resistência que divulgava os panfletos do movimento de Munique. Oito universitários foram condenados à morte: Hans Konrad Leipelt Greta Rothe, Reinhold Meyer, Frederick Gaussenheimer, Käte Leipelt, Elisabeth Lange, Curt Ledien e Margarete Mrosek.
Uma cópia do último panfleto do grupo Rosa Branca, o mesmo cujo “stencil” Hans tentara engolir, foi levado clandestinamente para fora da Alemanha e entregue aos Exércitos Aliados. No outono de 1943 milhões de cópias deste panfleto foram jogadas sobre a Alemanha pelas aeronaves das tropas Aliadas.
Em 1948, a Guerra Fria está chegando e os vencedores da Segunda Guerra Mundial desejam “esquecer o passado”. A pressão política é enorme, pois as potências mundiais não desejam outros julgamentos de agentes do Estado Nazista. No entanto, não havia como se esquivar ao de quatro juízes presos e que haviam usado suas togas para permitir e legalizar as atrocidades do Estado Nazi fascista. Um deles havia condenado à morte o grupo de Munique, Emil Hahn; outro dos réus era Ernst Janning, ex- Presidente da Suprema Corte na Alemanha nazista para o qual a defesa dos jovens havia apelado em vão.
Como Juiz, o Governo Norte-Americano nomeou o Sr.Dan Haywood, um homem idoso, já aposentado, americano do centro-oeste, conhecido por suas posições conservadoras e admirador de diversas teses ligadas “à pureza racial” defendidas no passado pelo jurista Ernst Janning. O acaso também levou à corte um promotor de Justiça dedicado, honesto e corajoso, o coronel Tad Lawson. Ele aportou ao Tribunal um conjunto testemunhal e probatório importante.
Já o advogado de defesa, Has Rolfe, esgrimiu a tese de que a condenação dos juízes seria uma injustiça, pois os mesmos somente cumpriam o que a lei determinava, e traidor seria aquele que naquele momento, fugisse às suas obrigações para com o povo alemão.
Na parte final do julgamento, o Dr. Ernst Janning dá o seu depoimento, negando a tese do próprio advogado de defesa de que os magistrados não tinham conhecimento de muitas das atrocidades cometidas pela Gestapo e pelas tropas de choque e extermínio nazistas. “Nós sabíamos e as achávamos necessárias para a recuperação do país”.
Para surpresa e inconveniência dos Estados Unidos e países aliados, o Juiz Dan Haywood, resistiu a todas as pressões, seguiu sua própria consciência e condenou os quatro magistrados à prisão perpétua.
Cinco anos antes, Sophie Scholl ao ser condenada à morte predissera: “Hoje vocês me condenam, amanhã vocês serão condenados!”
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