Subestimar o fascismo é um erro histórico
Para os partidos de oposição, tudo se passa como se o Brasil não estivesse diante de uma ameaça radical. Muitos afirmam que Bolsonaro não tem “fôlego” e que irá enfraquecer rapidamente. Talvez isso ocorra, mas não me parece que as evidências apontem para esse desfecho.
Marcos Rolim [*]
Em novembro de 2012, publiquei, em Zero Hora, um texto intitulado “A Vertente Fascista” (veja aqui: https://goo.gl/bwt4rd), sustentando que havia um enorme espaço para o crescimento do fascismo no Brasil. Vivíamos uma realidade de quase pleno emprego e os indicadores mostravam a inclusão de largas camadas da população ao mercado de consumo. Dilma estava na primeira metade de seu primeiro mandato, o País seguia esperançoso quanto ao futuro e o MBL só surgiria dois anos depois. No texto, assinalei que:
A estabilidade alcançada é, cada vez mais, o equilíbrio necessário ao vazio, vez que não se vislumbra a necessária agenda de reforma das nossas instituições. O Brasil vai fazendo, assim, ainda que não o deseje, um pacto com seu passado, nos termos de uma invariância básica onde os governos são ilhados pelas corporações, pela burocracia e por uma asfixiante ausência de conceitos. Ocorre que crises econômicas sérias, como a da zona do Euro, poderão também atingir o Brasil, provocando desemprego e recessão. Ao mesmo tempo, situações como a inefetividade na segurança pública – tanto quanto ao crime e à violência, quanto à degradação das instituições policiais – têm dado sucessivos sinais de que crises graves se acumulam no horizonte.
Em dezembro de 2014, no artigo “Diante do Grotesco” (veja aqui: https://goo.gl/gbBG1B), também publicado em Zero Hora, comentei o que me parecia uma ameaça séria representada pelo discurso de Bolsonaro afirmando que:
Quando um parlamentar usa a palavra para humilhar ou ameaçar, o que se destrói é a possibilidade da política. A verborragia do esgoto é só aparentemente a escolha do sujeito. Na verdade, ela é a escolha do esgoto (…) Aquilo que nos separa de Bolsonaro não é a política, é a humanidade.
Em maio de 2016, comentei no Extra Classe (Sinpro/RS), o que havia de perturbador no filme “Ele está de volta”, baseado no livro satírico de Timur Vermes, cujo roteiro apresenta um “retorno” de Hitler na Berlim contemporânea (veja aqui: https://goo.gl/dKf5VH). Nesse texto, afirmei que o fascismo iria crescer no Brasil e que não devíamos subestimar essa possibilidade trágica. Dilma sofreria o impeachment mais de três meses depois, em vergonhosa sessão do Parlamento, oportunidade em que Bolsonaro homenageou a memória do torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Hoje, mesmo os observadores tradicionais se dão conta de que há um problema novo na conjuntura política brasileira, representado pela presença incisiva de um discurso que nega a democracia, defende a ditadura, a prática da tortura e dos fuzilamentos, além de promover abertamente ideias misóginas e homofóbicas e de negar a necessidade de o Brasil reparar minimamente os efeitos da escravidão com políticas afirmativas. Ninguém antes, na história do Brasil, nem mesmo Plínio Salgado, que liderou um movimento fascista em priscas eras, se atreveu a tanto. A contradição é que o discurso fascista se nutre da democracia para negá-la, manobra que, historicamente, também caracterizou a vocação totalitária à esquerda.
Nos partidos de oposição, tudo se passa como se o Brasil não estivesse diante de uma ameaça radical. Muitos afirmam que Bolsonaro não tem “fôlego” e que irá enfraquecer rapidamente. Talvez isso ocorra, mas não me parece que as evidências apontem para esse desfecho. Pelo contrário, penso que estamos, inclusive, diante do risco de que os indicadores de intenção de voto não estejam capturando a inclinação verdadeira a favor de Bolsonaro. Isso porque muitos dos seus eleitores sabem que sua opção não é “politicamente correta” e, por isso, não a anunciam.
Ocorreu assim com Trump e pode ocorre novamente. No mais, mesmo que Bolsonaro não vença as eleições, importa muito a forma como perderá. Ele pode ser desmoralizado na disputa ou sair fortalecido com a alegação de que o resultado é fraudulento pela ausência do voto impresso. Nessa hipótese e a depender de quem seja eleito, Bolsonaro poderá estar muito mais forte nas próximas eleições.
Para o PT, especialmente, é como se Bolsonaro não existisse. O que importa é tentar isolar Ciro Gomes. Por que Ciro? Pelas mesmas razões pelas quais Marina foi vilipendiada na mentirosa campanha que o PT realizou em 2014. Nada que possa se construir como uma alternativa progressista pode crescer no solo onde o PT pisa. Apenas a direita mais escabrosa conheceu a generosidade política do partido, ao preço de conduzir o sonho de uma geração a uma delegacia de polícia.
O ponto é: o que fazer? Primeiro, penso que seja fundamental não tratar Bolsonaro como um ser deplorável, nem agredi-lo, porque esse é o nível onde a figura se move com desenvoltura e ofendê-lo apenas consolidará a opção de seus eleitores. Segundo, devemos disputar a opinião dos indecisos de forma a travar a adesão ao fascismo. Qualquer opção que eles façam será boa, contando que não seja Bolsonaro. O debate e as entrevistas com Bolsonaro devem se
dar no terreno das políticas públicas e dos temas centrais que envolvem um mínimo de conhecimento técnico. Propor a Bolsonaro questões de ordem ideológica e insistir na pauta dele (ditadura, estupro, racismo, homofobia, etc) é um erro primário como se viu claramente no “Roda Viva”. Por óbvio que ele disse barbaridades e seguirá dizendo, o problema é que há um enorme público ávido por barbaridades no Brasil. Quem não entendeu isso não conhece o Brasil ou não está interessado nele.
[*] Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)
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