Da recessão econômica à depressão psicológica
Por Leonardo Boff [*]
Estamos numa situação generalizada de crises sobrepostas umas às outras e num ambiente de caos.
Os conceitos de crise e de caos podem nos ajudar a entender nossa realidade contraditória. Para esclarecer a crise se usa o diagrama chinês, composto por dois traços: um expressando o risco e o outro, a oportunidade. Efetivamente a crise contem o risco de desmonte de uma ordem até degenerar na barbárie. Mas também pode representar a oportunidade de refundação de uma nova ordem. Eu pessoalmente prefiro a origem filológica sâncrita de crise. Ela se deriva da palavra kir ou kri que em sânscrito significa limpar e purificar. Daí vem a expressão acrisolar: limpar de tudo o que é acidental até vir à tona o cerne. E crisol, o cadinho que purifica o ouro das gangas. Tanto em chinês quanto em sânscrito, as palavras são diferentes mas o significado é o mesmo.
Algo parecido ocorre com o caos consoante a cosmologia contemporânea. Por um lado, ele é destrutivo de uma ordem dada e por outro, é construtor de uma nova ordem diferente. Do caos, nos diz Ilya Prigogine, Nobel de química (1977), nos veio a vida.
Aplicando estes sentidos à nossa situação, podemos dizer que a crise generalizada e o caos dominante podem, se não soubermos manejar sua energia destrutiva, degenerar em barbárie e se aproveitarmos a positiva, numa nova configuração social do Brasil.
Atualmente vigora a oportunidade de fechar o ciclo de um tipo de política que nos vem desde a colônia, fundado na conciliação entre si das classes abastadas e sempre de costas para o povo, hoje atualizada pelo presidencialismo de coalizão. Parece que este modelo de fazer política e de organizar o Estado, controlado por estas classes e que implica grandes negociatas e muita corrupção, não pode ser mais levado avante. É demasiadamente destrutivo A Lava-Jato teve o mérito de desmascarar este mecanismo perverso e anti-social. Oxalé surja a chance de uma nova construção social
No entanto, o golpe parlamentar foi dado por estas classes no interesse de prolongar esta ordem que garantiria seus privilégios, no propósito de desmantelar os avanços sociais das classes populares emergentes e alinhar-se à lógica do Grande Capital em escala mundial, hegemonizado pelos USA. Como observou Márcio Pochamann, um dos melhores analistas das desigualdades sociais e da riqueza e pobreza do País, “a elite brasileira escolheu o lado errado”. Ao invés de aliar-se ao novo, ao arranjo político, econômico e social, à maior iniciativa de desenvolvimento multilateral desde o final da Segunda Guerra Mundial, iniciada na Eurásia que propõe uma globalização inclusiva e que nós pelo BRICS estávamos incluidos, escolheu o alinhamento tardio às forças que detém a hegemonia mundial sob a regência dos USA. O orçamento desta nova iniciativa da Eurásia está estimado em US$ 26 trilhões até o ano de 2030 envolvendo 65 outras nações que responde por quase 2/3 de população mundial. Criam-se oportunidades de desenvolvimento, a começar pelos países mais necessitados. Aqui poderíamos estar e não estamos por causa de nossa inépcia e de nossa subserviência.
Esse projeto aponta para uma nova ordem mundial, uma espécie de keynesianismo global, inovador, com uma possível maior igualdade e justiça social, respeitada a soberania das nações.
O grupo ao redor de Temer optou pelo velho sistema militarista e imperial cuja segurança reside em bases militares distribuidas por todo o mundo. Entre nós estão na Argentina, no Paraguai, no Chile, no Peru, na Colômbia e também no Brasil através da cessão da base de Alcântara no Maranhão.
A venda de terras a estrangeiros, especialmente, lá onde existe grande abundância de água – por aqui passa o futuro da humanidade junto com a biodiversidade – fere profundamente nossa soberania e ofende o povo brasileiro, cioso de seu território.
Uma vez mais estamos perdendo a oportunidade do lado positivo da crise e do caos atuais. Desperdiçamos esta chance única, por falta de um projeto de nação livre e soberana. Deve-se, usando uma expressão de Jessé Souza à “tolice da inteligência brasileira” que está aconselhando Temer.
O efeito se nota por todas as partes: os 14 milhões de desempregados, os 61 milhões de inadimplentes, a desindustrialização, os 33 navios em construção entregues à ferrugem e a neocolonização imposta que nos faz apenas exportadores de commodities.
Assistimos, anestesiados, a este crime contra o futuro do povo brasileiro. Temer, sob vários processos, cuida de si mesmo ao invés de cuidar do povo brasileiro. Uma onda de indignação, de tristeza e de desamparo está se abatendo sobre quase todos nós. Da recessão econômica estamos passando à depressão psicológica. Se não reagirmos e não nos munirmos de coragem e de esperança, a barbárie poderá estar apenas a um passo. Recusamos aceitar este inglório destino.
* Articulista do JB on line e escritor
Estamos numa situação generalizada de crises sobrepostas umas às outras e num ambiente de caos.
Os conceitos de crise e de caos podem nos ajudar a entender nossa realidade contraditória. Para esclarecer a crise se usa o diagrama chinês, composto por dois traços: um expressando o risco e o outro, a oportunidade. Efetivamente a crise contem o risco de desmonte de uma ordem até degenerar na barbárie. Mas também pode representar a oportunidade de refundação de uma nova ordem. Eu pessoalmente prefiro a origem filológica sâncrita de crise. Ela se deriva da palavra kir ou kri que em sânscrito significa limpar e purificar. Daí vem a expressão acrisolar: limpar de tudo o que é acidental até vir à tona o cerne. E crisol, o cadinho que purifica o ouro das gangas. Tanto em chinês quanto em sânscrito, as palavras são diferentes mas o significado é o mesmo.
Algo parecido ocorre com o caos consoante a cosmologia contemporânea. Por um lado, ele é destrutivo de uma ordem dada e por outro, é construtor de uma nova ordem diferente. Do caos, nos diz Ilya Prigogine, Nobel de química (1977), nos veio a vida.
Aplicando estes sentidos à nossa situação, podemos dizer que a crise generalizada e o caos dominante podem, se não soubermos manejar sua energia destrutiva, degenerar em barbárie e se aproveitarmos a positiva, numa nova configuração social do Brasil.
Atualmente vigora a oportunidade de fechar o ciclo de um tipo de política que nos vem desde a colônia, fundado na conciliação entre si das classes abastadas e sempre de costas para o povo, hoje atualizada pelo presidencialismo de coalizão. Parece que este modelo de fazer política e de organizar o Estado, controlado por estas classes e que implica grandes negociatas e muita corrupção, não pode ser mais levado avante. É demasiadamente destrutivo A Lava-Jato teve o mérito de desmascarar este mecanismo perverso e anti-social. Oxalé surja a chance de uma nova construção social
No entanto, o golpe parlamentar foi dado por estas classes no interesse de prolongar esta ordem que garantiria seus privilégios, no propósito de desmantelar os avanços sociais das classes populares emergentes e alinhar-se à lógica do Grande Capital em escala mundial, hegemonizado pelos USA. Como observou Márcio Pochamann, um dos melhores analistas das desigualdades sociais e da riqueza e pobreza do País, “a elite brasileira escolheu o lado errado”. Ao invés de aliar-se ao novo, ao arranjo político, econômico e social, à maior iniciativa de desenvolvimento multilateral desde o final da Segunda Guerra Mundial, iniciada na Eurásia que propõe uma globalização inclusiva e que nós pelo BRICS estávamos incluidos, escolheu o alinhamento tardio às forças que detém a hegemonia mundial sob a regência dos USA. O orçamento desta nova iniciativa da Eurásia está estimado em US$ 26 trilhões até o ano de 2030 envolvendo 65 outras nações que responde por quase 2/3 de população mundial. Criam-se oportunidades de desenvolvimento, a começar pelos países mais necessitados. Aqui poderíamos estar e não estamos por causa de nossa inépcia e de nossa subserviência.
Esse projeto aponta para uma nova ordem mundial, uma espécie de keynesianismo global, inovador, com uma possível maior igualdade e justiça social, respeitada a soberania das nações.
O grupo ao redor de Temer optou pelo velho sistema militarista e imperial cuja segurança reside em bases militares distribuidas por todo o mundo. Entre nós estão na Argentina, no Paraguai, no Chile, no Peru, na Colômbia e também no Brasil através da cessão da base de Alcântara no Maranhão.
A venda de terras a estrangeiros, especialmente, lá onde existe grande abundância de água – por aqui passa o futuro da humanidade junto com a biodiversidade – fere profundamente nossa soberania e ofende o povo brasileiro, cioso de seu território.
Uma vez mais estamos perdendo a oportunidade do lado positivo da crise e do caos atuais. Desperdiçamos esta chance única, por falta de um projeto de nação livre e soberana. Deve-se, usando uma expressão de Jessé Souza à “tolice da inteligência brasileira” que está aconselhando Temer.
O efeito se nota por todas as partes: os 14 milhões de desempregados, os 61 milhões de inadimplentes, a desindustrialização, os 33 navios em construção entregues à ferrugem e a neocolonização imposta que nos faz apenas exportadores de commodities.
Assistimos, anestesiados, a este crime contra o futuro do povo brasileiro. Temer, sob vários processos, cuida de si mesmo ao invés de cuidar do povo brasileiro. Uma onda de indignação, de tristeza e de desamparo está se abatendo sobre quase todos nós. Da recessão econômica estamos passando à depressão psicológica. Se não reagirmos e não nos munirmos de coragem e de esperança, a barbárie poderá estar apenas a um passo. Recusamos aceitar este inglório destino.
* Articulista do JB on line e escritor
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