Aécio e a meritocracia hereditária



Por Cynara Menezes[*]




A “descoberta” pelos brasileiros, graças a grampos telefônicos, sobre como se movia nos subterrâneos o candidato derrotado à presidência Aécio Neves, diz muito sobre as capitanias hereditárias da política brasileira. O tucano “defensor da ética”, desmascarado pedindo dinheiro a um empresário da carne, foi reduzido ao que sempre foi, ao fim e ao cabo: o neto de Tancredo Neves. E pensar que a nossa mídia o queria como presidente da República...

Aécio é talvez o nome mais vistoso de uma prática comum em nosso País. Filhos e parentes de políticos entram na “carreira” como se lhes fosse dado, por direito divino, um lugar garantido sob os holofotes. É a “meritocracia hereditária” que se vê também nos setores empresariais e nos bancos, com jovens assumindo o manche dos empreendimentos familiares como se apenas os laços consanguíneos lhes conferissem o talento e a habilidade necessários, que nem os membros da realeza. Quase metade dos políticos que ocupam a Câmara dos Deputados atualmente foi beneficiada pelos sobrenomes. São Maias, Covas, Cunhas Limas, Farias... Em comum, o fato de terem sido incapazes de desenvolver uma trajetória por conta própria. Muitos deles nem sequer fizeram curso superior. Amparados no nome familiar, surfam na política como predestinados. Em vez de representarem o povo no parlamento, como deveria ser, representam suas próprias dinastias, algumas delas remontando ao período colonial.

O que dizer de Aécio? Neto de Tancredo Neves, o senador mineiro entrou na política após a trágica morte deste às vésperas de tomar posse. Aécio foi indicado pelo presidente José Sarney para a diretoria de loterias da Caixa Econômica Federal, aos 25 anos. Quantos brasileiros tiraram uma sorte grande destas? Em 1986, aos 26 anos, seria catapultado à Câmara dos Deputados, impulsionado pela morte recente do avô. Embora todo mundo saiba que Aécio prefere o Rio, governou seu estado natal duas vezes, graças à onipresente irmã Andrea, apontada pelos mineiros como a governante de fato.

Trajetória similar é a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, filho do ex-prefeito do Rio de Janeiro César Maia. Aos 26 anos, Rodrigo entrou para a política ao ser nomeado secretário de governo da prefeitura carioca por Luiz Paulo Conde, uma criação de seu pai. Em 1998, o sobrenome ilustre o levaria à Câmara dos Deputados, onde está até hoje. O que fez Rodrigo Maia pelo povo do Rio em todos estes mandatos consecutivos? Mistério.

A moleza se repete com Marco Antonio Cabral, herdeiro do político e atual presidiário em Curitiba, Sergio Cabral Filho. Na eleição de 2014, com apenas 23 anos, Marco Antonio foi um dos campeões de arrecadação na eleição para a Câmara Federal: com o apoio dos amigos empreiteiros do papaizinho, Marco Antonio gastou nada menos que R$ 6,8 milhões, mais do que Eduardo Cunha! Foi eleito, claro.

O mais curioso destes filhinhos de papai da política (ou netinhos, no caso de Aécio) é que eles adoram encher a boca para falar em “meritocracia”, uma palavra absolutamente deturpada pela direita. O mesmo ocorre nos Estados Unidos, onde Donald Trump, que herdou o império imobiliário construído pelo pai com polpudos subsídios governamentais, vende a própria imagem como a de um empresário bem-sucedido. Puxa, recebendo tudo de mão beijada, até eu, hein?

Se fosse usado com honestidade, o termo meritocracia deveria ser aplicado exclusivamente a pessoas que saíram do nada e conquistaram uma posição na vida, na carreira. Não a filhos de políticos ou de gente rica quetiveram tudo fácil na vida. Não há nada de errado em estudar nas melhores escolas e ter todo o apoio financeiro para começar um negócio ou entrar na política — sorte de quem teve. Só não dá para falar que “chegou lá” por mérito próprio. Não se herda mérito.

Quem seria Aécio Neves sem o sobrenome que o colocou na política nacional? Além de ser um Neves, Aécio pouco se destaca no Senado. Não é, nem nunca foi um orador brilhante, talento imprescindível em sua “profissão”. Boa pinta e afável no trato, o Aécio que ressai nas gravações não faz jus nem mesmo ao berço de tradicional família mineira. Longe dos microfones e das telas de TV, sobressai um político vulgar, capaz de mendigar apoio financeiro, tentar prejudicar investigações e de dizer palavrões o tempo inteiro.

O que mais me intriga é existirem pessoas capazes de votar em um político atraídas pelo sobrenome dele. Como é que alguém que ralou tanto na vida pode se sentir representado por um playboy como Aécio Neves? Ou por um boboca espertalhão como Rodrigo Maia, que está na presidência da Câmara assumidamente para agradar aos mercados e, assim, ferrar com a vida dos trabalhadores e aposentados? Que tipo de gente vota num pirralho cara-de-pau como Marco Antonio Cabral?

É dar muito pouco valor ao suor da testa e ao dinheiro que paga de impostos: em vez dos papais, somos nós que passamos a sustentá-los! Só sendo ingênuo demais para cair no papo destes caras de que houve alguma meritocracia em sua caminhada rumo ao topo. Tem gente que confunde, propositalmente, meritocracia com “paitrocínio”. E o pior é saber que há quem acredite e vote nelas. Isso só se explica pelo coronelismo que ainda impregna a nossa política. Votam nos filhos do coroné porque o coroné mandou. Porque o coroné prometeu que o pupilo vai trazer vantagens para o eleitor. É o execrável “voto de cabresto” que persiste, com o verniz da boa aparência, das roupas de marca e dos MBAs, para iludir os incautos de que são “gestores” natos. Enquanto ainda houver este tipo de mentalidade, a política brasileira continuará mergulhada na mediocridade, no fisiologismo e no clientelismo.

* Cynara Menezes é jornalista e editora do blog Socialismo Morena (socialistamorena.com.br)

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