Juarez Tavares[*]: diz que não se pode prender no Brasil. Falta responsabilidade do Estado e de seus magistrados



O Professor Juarez Tavares, personalidade reconhecida internacionalmente, disponibilizou ao Empório do Direito parecer pelo qual, respondendo ao Professor Daniel Sarmento, apresentou conclusões sobre o Sistema Penal Brasileiro, valendo destacar:



“O sistema carcerário nacional, além de não possuir as condições mínimas para a concretização do projeto corretivo previsto nas normas nacionais e internacionais, apresenta uma eficácia invertida, isto é, atua de forma deformadora e estigmatizante sobre o condenado.

Podem ser distinguidos dois conceitos de pena: a pena ficta, isto é, um valor numérico que representa, primariamente, a criminalização abstrata decorrente da avaliação discricionária do Poder Legislativo e, secundariamente, a medida de individualização da conduta realizada; e a pena real, qual seja, uma assimilação realista das (precárias) condições locais de cumprimento da privação de liberdade.” (…) 

É possível e necessário considerar a vivência concreta no cárcere como dado empírico deslegitimante do poder punitivo, isto é, como redimensionamento, pelo Poder Judiciário, da pena a ser aplicada na sentença condenatória.

Enquanto o valor nominal da pena não se altera com as mudanças ocorridas no ambiente carcerário local, o mesmo não se verifica com a pena real. Deve-se considerar, então, além da cominação abstrata da pena e do limite máximo de sua individualização, relacionado aos conceitos de autonomia do sujeito e extensão da lesão ao bem jurídico, o valor dinâmico que a pena assume com o passar do tempo e com a mudança nas condições do ambiente carcerário. Nessa esteira, entendo ser necessário, em primeiro lugar, levar em conta, na análise do art. 59 do Código Penal, essa circunstância objetiva das condições insalubres e degradantes da prisão a que se destina o condenado para diminuir-lhe ou mesmo suspender-lhe a pena. Em segundo lugar, já na fase de execução, em revisão criminal ou por meio do remédio do habeas corpus, comutar-lhe ou diminuir-lhe a pena, em face de aplicação analógica do art. 66 do Código Penal, quando essas mesmas condições se verificarem no estabelecimento em que a esteja cumprindo. Em terceiro lugar, em vista das precárias condições do sistema prisional brasileiro, tornar factível a relativização dos requisitos objetivos para a progressão de regime, livramento condicional, indulto ou comutação de penas, saídas temporárias ou ainda da punição proveniente do cometimento de uma falta grave, bem como de outros incidentes da execução penal.

Por fim, uma vez verificado o funcionamento do sistema carcerário – e atendendo à dicotomia pena real/pena ficta –, entendo possível a não imposição das medidas cautelares privativas de liberdade (ou sua redução significativa) em vista da necessidade de expurgá-las do teor penal latente que lhe emprestam as agências punitivas.“

O parecer engrandece a luta pelo respeito aos Direitos Fundamentais e quem não ler, todo, perde muito. Parabenizamos a figura exemplar do Professor Juarez Tavares, cuja trajetória merece nossos elogios. Agora precisamos ver se a magistratura terá coragem.

PARECER*

Consulta-me o ilustre Professor Doutor Daniel Sarmento, Coordenador da Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doravante identificado como consulente, acerca da relação entre as condições concretas de funcionamento do sistema prisional brasileiro e o alcance dos objetivos manifestos da pena, bem como sobre a viabilidade de o Poder Judiciário levar em conta tais condições nos momentos da fixação e execução das penas privativas de liberdade e medidas cautelares de prisão.

O consulente apresenta, de forma objetiva, as seguintes indagações:

O atual cenário do sistema prisional brasileiro compromete a realização dos objetivos normalmente atribuídos à pena de prisão?

Quais são os efeitos do cumprimento da pena, nessas condições, sobre a segurança pública?

Pode-se dizer que a pena cumprida nessas condições se afigura, na prática, mais gravosa ao apenado do que aquela prevista em lei e imposta pelo Poder Judiciário?

Neste caso, deve o Poder Judiciário levar em consideração esta natureza mais gravosa da sanção, ao fixar a pena e ao decidir os incidentes da execução penal?

Estas condições degradantes devem ser levadas em consideração também na imposição de medidas cautelares penais?

No presente parecer, busca-se esclarecer algumas questões controvertidas acerca do funcionamento do sistema carcerário, de forma também a propor instrumentos político-dogmáticos de contenção de tendências autoritárias do poder de punir. A resposta aos quesitos seguirá, em síntese, o seguinte roteiro argumentativo: (i) inicialmente, discorrer-se-á brevemente acerca das funções manifestas da pena e da sua atual relevância para uma discussão sobre eficácia; (ii) na sequência, levando em conta especialmente as teorias da prevenção especial positiva e negativa, confrontar-se-ão tais elaborações discursivas com dados concretos de funcionamento do sistema carcerário nacional; (iii) por fim, na penúltima seção deste parecer, desenvolver-se-ão os conceitos de pena real, pena ficta e também o princípio da flexibilidade da pena, bem como a relação entre culpabilidade e individualização da pena, de forma a – no contexto da produção de sentenças, imposição de medidas cautelares e incidentes da execução penal – propor estratégias de contenção da sistemática violação aos direitos fundamentais de centenas de milhares de pessoas submetidas ao sistema carcerário brasileiro.


I – As funções manifestas da pena em vista do contexto carcerário nacional

Acerca da primeira indagação realizada pelo consulente, devem ser traçados, para fins metodológicos, alguns questionamentos acessórios:

(i) Quais são os objetivos normalmente atribuídos à pena de prisão? No contexto de tais objetivos (ou funções manifestas) da pena, quais possuem relevância teórica para a discussão ora apresentada?

(ii) Qual é a atual situação do sistema carcerário nacional?

(iii) Qual relação pode ser estabelecida entre os questionamentos (i) e (ii)?

Em um primeiro momento, é necessário que se esclareçam os possíveis sentidos de que se pode valer a atuação punitiva. Embora consciente da pluralidade de adesões teóricas que o tema vem adquirindo, ao longo dos anos, reserva-se este parecer a apresentar uma breve digressão histórica do discurso jurídico-penal de legitimação da pena.

No decorrer da evolução do sistema punitivo, encontram-se, de um lado, as chamadas teorias absolutas, cuja expressão se consubstancia nos conceitos de expiação ou compensação da culpabilidade;[1] de outro, identificam-se as teorias relativas – ou preventivas –, estas destrincháveis nas correntes da prevenção geral (positiva ou negativa) e da prevenção especial (também positiva ou negativa).

As teorias absolutas, independente da dificuldade em resumi-las em uma única formulação, estão sempre, de algum modo, vinculadas a um mero juízo formal[2] ou a certos pressupostos normalmente enunciados pela doutrina corrente, tais como o prévio cometimento do crime[3] ou o problemático ideário abstrato de justiça.[4] Pode-se dizer, assim, que as concepções absolutas – historicamente dispersas – não pretendem afirmar, em princípio, qualquer tipo de argumento utilitário da pena.[5] Para todos os efeitos, não parece lógico que se recorra a dados objetivos de criminalização a fim de se aferir a eficácia concreta (ou as condições para tanto) da sanção orientada retributivamente, uma vez que o seu objetivo reside, de maneira tautológica, na própria repressão.[6] Depois da Segunda Guerra Mundial, especialmente com a edificação de Estados regidos por uma Constituição, cuja guarda foi cometida às Cortes Constitucionais, as quais passaram a enfatizar a subordinação do poder de punir à demonstração de sua efetiva utilidade para a pessoa humana e a sociedade (princípio da idoneidade), a doutrina penal vem demonstrando certo desprezo pelas teorias absolutas ou retributivas. Assim, ROXIN enumera os seguintes argumentos contra sua adoção: a) a teoria não explica quando se tenha que punir, senão afirma sempre a necessidade da punição; b) fracassa diante de traçar um limite ao poder de punir; c) não impede que se inclua no Código Penal qualquer conduta e, dá, assim, um cheque em branco ao legislador para criminalizar tudo o que quiser; d) é insustentável a tese de compensação de culpabilidade, pois se baseia num atributo indemonstrável, que é a liberdade de vontade; e) mesmo se admitindo a possibilidade de uma retribuição, essa ideia só pode ser considerada plausível mediante um ato de fé, porque não será racional pretender excluir um mal por meio de outro mal, que é sofrer a pena. Relativamente ao último argumento, assim se pronuncia ROXIN: [7]

Certamente, está claro que tal procedimento corresponde ao arraigado impulso de vingança humana, do qual surgiu historicamente a pena; mas que a assunção de retribuição pelo Estado seja algo qualitativamente diverso da vingança, que a retribuição elimine a culpa de sangue do povo, expie o delinquente, etc., tudo só concebido por um ato de fé, que, conforme nossa Constituição, não pode ser imposto a ninguém, nem é válido para a fundamentação, vinculante a todos, da pena estatal. 

Esses argumentos são encampados pela doutrina penal contemporânea, que não se vê autorizada a descartar que ao Estado democrático cumpre o papel de evitar a vingança e buscar todos os recursos a tornar exequível a convivência. A crítica de ROXIN é pertinente, mas, ao contrário do que enuncia, não corresponde a uma suposta natureza humana a subsistência de um impulso de vingança. Mais correta, nesse ponto, é a consideração de FROMM, em oposição à chamada etologia de LORENZ, no sentido de que o ser humano não está cunhado naturalmente por um instinto agressivo, o qual nada mais é do que a expressão das contradições sociais que se desenvolvem em seu contexto.[8] Essa assertiva, ainda que sob outros enfoques, vem sendo corroborada, com estudos de psicologia experimental, efetuados, principalmente, pela Escola de Psicologia de Yale, que descartaram a origem instintiva da agressão e consequentemente do chamado impulso de vingança.[9]

Apesar das deficiências das teorias absolutas, centradas na retribuição, há um movimento moderno de recuperá-las, no sentido de uma teoria de retribuição negativa, limitadora, que serviria ao postulado de redução do poder punitivo sob a égide de uma textura ética. Para tanto, é indispensável valer-se, inicialmente, da teoria do bem jurídico e só admitir a punição de uma conduta quando se tratar de lesão ou de perigo a bens essenciais à pessoa humana; também, ao se contrapor à tendência das teorias relativas ou preventivas, que pretendem excluir o conceito de culpabilidade e substituí-lo pela periculosidade, o que implicaria uma ampliação desmedida do leque das punições; finalmente, deve-se sedimentar a ideia de que uma teoria retributiva só terá validade na medida em que esteja vinculada a um conceito substancial de fato punível, restringido àquelas hipóteses de uma efetiva lesão de bens jurídicos essenciais. Assim, diz NAUCKE:[10]

A proposição de que a pena deve ser retribuição justa não é uma forma simples com a qual o âmbito de punição, a partir do Direito positivo, ou mesmo a pena possam ser justificados. Essa proposição tem um significado bastante preciso, exigindo ela um conceito determinado de delito. Não pode ser uma teoria absoluta da pena sem um conceito estrito de delito.

Mas NAUCKE, por seu turno, admite que o direito penal atual se orienta por finalidades, daí concebendo que, ao lado de um direito penal retributivista, subsista um direito penal utilitário.[11] Este parece ser, assim, o ponto principal a ser enfrentado: como superar as teorias retributivistas e como manejar a teoria preventiva, no sentido utilitário, sob o lema da proteção do sujeito.

A análise das teorias relativas ou preventivas – aquelas cuja pena criminal se justifica em virtude dos conceitos de segurança social e prevenção do crime [12]– conduz, como consequência, à investigação mais pormenorizada acerca do funcionamento das agências punitivas, especialmente do sistema carcerário. Com isso será possível identificar as condições efetivas da execução, bem como da eficácia da pena sobre a vida futura do condenado e sobre o próprio processo criminalizador.

As teorias preventivas têm como característica se estenderem a toda a coletividade (prevenção geral negativa ou positiva), mediante um ato de coação decorrente da ameaça de pena, e também aos autores dos fatos puníveis (prevenção especial negativa ou positiva), com sua execução. Convém observar, todavia, que não existe uma teoria preventiva exclusiva. Todas estão mescladas com asserções retributivas ou relativas. As teorias da prevenção geral negativa (ou dissuasão) foram constituídas, sobretudo, pelas contribuições de FEUERBACH, ROMAGNOSI e BENTHAM.[13] Conforme indicam ZAFFARONI e NILO BATISTA,[14] as teorias da prevenção geral negativa ora se acossam de conteúdo retributivo,[15] ora assumem teor relativo[16] mais evidente. Em ambas as situações, “a medida da pena é uma moderação da exemplarização”. [17]

Indagações acerca da eficácia de tal efeito dissuasório, no entanto, encontram-se fora da análise das condições concretas do sistema prisional[18] e devem ser perquiridas mediante um estudo conjunto da extensão da programação criminal, da gravidade em abstrato das cominações e da população carcerária em termos numéricos. A avaliação acerca da eficácia desse efeito pedagógico geral da pena, de cuja legitimidade se deve seriamente duvidar,[19] não faz parte do objetivo do presente parecer.[20]

Na seara da prevenção especial, a variante negativa visa, fundamentalmente, à “neutralização (ou inocuização) do condenado, consistente na incapacitação para praticar novos crime durante a execução da pena” [21] , o que corresponde a um dos enunciados do Programa de Marburg, apresentado por VON LISZT.[22] Uma corrente mais radical postula ainda a eliminação (orgânica) do sentenciado.[23] Aqui, cabe atentar para dois pontos fundamentais: (i) o primeiro consiste na inviabilidade constitucional, em vista dos princípios de proteção à pessoa,[24] de sustentação do paradigma organicista de eliminação do sentenciado, tal como se encontra em GAROFALO;[25] (ii) o segundo, à parte de qualquer indagação acerca da legitimidade legal ou teórica de tal corrente preventiva, corresponde à aferição concreta da ocorrência de crimes durante o cumprimento de pena.[26] Relativamente ao Programa de Marburg, ressalta BAURMANN que, independentemente de seu sentido preventivo, que aparentemente implicaria um direito penal substancialmente orientado para a proteção de bem jurídico, padece de, pelo menos, dois defeitos: a preferência pelos interesses da sociedade e do Estado, em desconsideração dos direitos e interesses do condenado e do efetivo benefício que esse poderia obter com a execução da medida, portanto, no sentido puramente epistemológico e intelectualista, e a vinculação da pena a um sistema de valores, que expressam sentimentos de pura moralidade.[27]

No setor das teorias relativas associadas ao sujeito, autor da infração, desde a influência exercida nos países ibero-americanos pelo correcionalismo, vêm se destacando, cada vez mais, as teorias da prevenção geral positiva, as quais, ora “reforçam simbolicamente internalizações valorativas do sujeito não delinquente para conservar e fortalecer os valores ético-sociais elementares em fase de ações que lesionam bens jurídicos e se encaminham contra esses valores”,[28] ora “pretendem reforçar simbolicamente a confiança do público no sistema social (criar consenso), a fim de que este possa superar a desnormalização provocada pelo conflito ao qual deve responder a pena, na medida necessária para obter o reequilíbrio do sistema”.[29] Essas duas variantes correspondem a modelos teóricos diferenciados. Enquanto a primeira está vinculada à obra de WELZEL,[30] a segunda decorre das proposições funcionalistas, desde DURKHEIM[31] até JAKOBS.[32] Em qualquer dos casos, a eficácia almejada, seja simbólica, seja preventivo-integralmente, não pode ser aferida a partir de uma análise exclusiva da população carcerária (e de suas condições de vida), senão mediante uma ampla aferição sociológica.

Os problemas das teorias da prevenção especial positiva residem em dois pontos: na incapacidade empírica de se obter do condenado um compromisso com a ordem jurídica, de não mais delinquir, de aceitar, portanto, as regras de comportamento social impostas pelo direito, por um lado, e na impossibilidade jurídica de se exigir dele que ajuste sua personalidade e sua concepção do mundo àquelas que lhe são ofertadas na prisão. Se o Estado democrático se funda na proteção da dignidade humana e na liberdade, a qual engloba não apenas a de ir e vir, senão também a de crença, de conhecimento, de concepções políticas e outras, não será possível exigir-se de ninguém, nem mesmo do condenado, que acolha a ideologia dominante do sistema. A chamada ressocialização do condenado e sua reinserção social devem ser delimitadas por atos que o possam orientar para a convivência e a tolerância. Tão só. Os demais são acessórios que podem lhe ser ofertados como complementos aos procedimentos de reinserção. As teorias da prevenção especial positiva não podem servir à “função de reparar a inferioridade perigosa da pessoa para os mesmos fins, diante dos mesmos conflitos”,[33] como se a pessoa do condenado fosse um objeto desprovido de individualidade e personalidade. Isso corresponderia à ideologia de um estado autoritário bem próximo ao fascismo. O que o sistema pode e deve fazer é empreender esforços para que o condenado possa conviver, em primeiro lugar, com os demais, sem violar seus direitos subjetivos, depois, mostrando-lhe as regras vigentes para que não se aventure a novamente infringir a lei penal. Observe-se que, independentemente de qualquer regime ou de qualquer efeito supostamente benéfico que essa tarefa possa produzir no comportamento do condenado, a pena constitui sempre uma humilhação, que não desaparece nunca de sua vida futura. Como informa FABRICIUS, a humilhação já decorre da própria publicidade de sua imposição. Por sua vez, a humilhação gera o sentimento de vergonha, que se manifesta diante de todos e o qual jamais poderá representar um papel juridicamente positivo, porque sempre associado a um juízo de reprovação, o qual fortalece cada vez mais os traumas internos e impede o procedimento de reinserção.[34] O grande passo, portanto, da prevenção positiva é evitar que as regras e tarefas ressocializadoras se transformem em mais um puro e simples elemento de repressão.

Desde a primeira versão do Código Penal de 1940, advinda da comissão composta por NELSON HUNGRIA, ROBERTO LIRA e NARCELIO DE QUEIROS, o Brasil demonstra a preferência por uma teoria mista da pena, ora calcada no classicismo italiano de viés retribucionista, ora nos preceitos preventivistas, enunciados pelo positivismo. A primitiva redação do art. 42, da antiga Parte Geral, expressava bem essa postura. O legislador de 1984, que procedeu à alteração da atual Parte Geral, também estava, à primeira vista, orientado por essa concepção, ao dispor no art. 59 que a pena deve ser individualizada “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do delito”. Convém observar, todavia, que, apesar dessa terminologia sustentar essa antiga tendência, uma visão integral da nova da Parte Geral e da ordem jurídica pode indicar que aqui se adota uma teoria dialético-unificadora da pena: no momento da cominação (ameaça), prepondera um caráter preventivo geral; no momento da aplicação (individualização), desponta o caráter preventivo especial positivo e negativo; no momento da execução da pena, sobreleva a função preventiva especial positiva. Essa conclusão pode ser bem justificada pela análise do diploma inspirador do código. A regra fixada no art. 59 do Código Penal tem seus antecedentes no Projeto Alternativo alemão, de 1966, em cujo § 2 (1) estava consignado que a pena deveria ser aplicada de modo a servir para a proteção de bem jurídico e para a reinserção do autor na comunidade jurídica. A referência a essas finalidades descartava, portanto, a adoção de uma teoria retributiva da pena. A pena deveria ter uma finalidade utilitária, de ser apta à proteção do bem jurídico e de conduzir o condenado a uma condição que pudesse conviver na comunidade jurídica. Essa consigna, no entanto, pelos termos do próprio projeto, que foi elaborado por uma plêiade de catedráticos renomados, estava associada a um pressuposto indeclinável imposto pela ordem jurídica, de que a pena não poderia, em qualquer caso, superar os limites da culpabilidade. Isso significa que, no controle do crime e em sua prevenção, geral ou especial, o Estado não poderá atuar desmedidamente, nem quanto à definição das condutas e à cominação das sanções, nem relativamente aos projetos de ressocialização. Há, portanto, um limite para a chamada ressocialização. Esse limite é imposto, desde logo, pela escala da culpabilidade.

Ainda que a culpabilidade constitua um limite da pena, isso não é suficiente para estabelecer as condições que deverão afetar o sujeito, uma vez condenado e submetido à sua execução. O Projeto Alternativo vinculou essas condições a um processo de reinserção social do autor, quer dizer, àqueles procedimentos a convencê-lo de poder conviver com os demais, uma vez livre da sanção.

Está claro que o art. 59 do Código Penal não instituiu uma fórmula tão incisiva como seu antecedente alemão, mas pode comportar uma interpretação conforme a Constituição. Ao afirmar, inicialmente, em termos de gradação, que a pena deve ser aplicada tendo em vista a culpabilidade do agente, já indicou o caminho para sua própria limitação: a pena não pode ultrapassar os limites da culpabilidade. Nem teria sentido outra conclusão, porque, então, de nada valeria a definição e a própria configuração da culpabilidade, que, em lugar de constituir um elemento funcional da ordem jurídica, passaria a ser um simples pressuposto formal da condenação.

Observada unicamente a expressão contida no art. 59 do Código Penal, de que a pena deverá ser aplicada de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime, poder-se-ia entender, à primeira vista, que aqui se adotou também uma teoria retributiva da pena. Ocorre, porém, que a Constituição estabeleceu como objetivo da República a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de descriminação” (art. 3º, IV). Isso significa que esse objetivo alcança não apenas as pessoas não condenadas, mas também aquelas que estejam respondendo a processos, que tiverem sido condenadas e estiverem cumprindo pena. Nesse aspecto, a perda ou a restrição de liberdade do sujeito não pode implicar sua eliminação como pessoa, a qual deve merecer do Estado todos os benefícios destinados aos demais. A adoção de uma teoria retributiva, que pudesse decorrer da expressão “repressão”, não pode se contrapor aos objetivos traçados pela Constituição, ou seja, o Estado não pode simplesmente reprovar o sujeito e nem subordiná-lo a um procedimento preventivo exclusivo, sem atentar para seu próprio bem. A fim de compatibilizar os termos do art. 59 do Código Penal com a Constituição, deve-se entender que a expressão “repressão” está a indicar a exigência de que a medida da pena se oriente em função de critérios de proporcionalidade e não de uma retribuição moral. Daí ser importante reconstruir o próprio conteúdo da culpabilidade e de sua relação com a medida da pena.

Na moderna concepção da teoria do delito, a culpabilidade não pode estar desvinculada do fato injusto. Essa vinculação é uma consequência do princípio da legalidade. O juiz, ao aplicar a pena, ao dosá-la, não pode criar por si próprio as condições e o conteúdo da culpabilidade. A culpabilidade, como elemento último da configuração da conduta como ação criminosa, extrai seu conteúdo do que a lei expressamente estabeleça. Norteia-se, assim, inicialmente, pela exclusão da imputabilidade (art. 26, CP) ou do conhecimento do ilícito (arts. 20, § 1º, e 21, CP), pelos motivos de exculpação legalmente previstos (coação irresistível e obediência hierárquica) ou decorrentes da ordem jurídica (excesso escusável de legítima defesa, estado de necessidade exculpante, colisão exculpante de deveres e inexigibilidade de outra conduta) e se delimita pelo conteúdo do injusto. Não terá sentido afirmar-se a culpabilidade do fato doloso, por exemplo, sem levar em conta a diferenciação, feita no injusto, entre dolo direto e dolo eventual. O juiz não pode criar parâmetros de medida da culpabilidade sem atender ao conteúdo do injusto, que, por sua vez, está amparado na respectiva definição do delito e seus elementos.

Por seu turno, se a culpabilidade constitui o limite máximo da pena, os demais elementos referidos no art. 59 do Código Penal não podem implicar um aumento além desse limite, salvo nos casos expressos em lei, como ocorre com as qualificadoras e as causas de especial aumento, que estão legalmente previstas, ou das agravantes, respeitado o limite da cominação. Nesse ponto, os propósitos preventivos não podem levar em conta, por exemplo, a conduta social do réu para aumentar a pena. Em primeiro lugar, esse aumento extrapola os limites do injusto, impostos pelo princípio da legalidade. Em segundo lugar, viola os termos do art. 3º, IV, da Constituição, porque irá avaliar contra o réu suas condições de existência, o que representa uma nítida discriminação. A discriminação, aqui, ademais de impor reprimenda ao condenado além do que a própria lei estabelece, tem também outros efeitos maléficos, os quais se refletem em todo o processo de sua readaptação social.

Essas assertivas correspondem à proteção dos direitos das pessoas privadas de liberdade, tutelados fundamentalmente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a qual entrou em vigor em julho de 1978 e que atualmente é vinculante para os Estados membros da Organização dos Estados Americanos – OEA –, da qual o Brasil faz parte.[35] No item 5.6 da referida Convenção, ressalta-se que a reforma e a readaptação dos condenados, como finalidade essencial das penas privativas de liberdade, são garantias da segurança cidadã e direitos das pessoas privadas de liberdade.[36] Assim: 




Artigo 5. Direito à integridade pessoal

[…]

As penas privativas de liberdade terão como finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

Dessa forma, ao menos normativamente,[37] parece-me que a prevenção especial positiva – tal como descrita no dispositivo supracitado e amplamente prevista na legislação,[38] na jurisprudência[39] e na doutrina nacionais – deve ser o ponto de partida norteador da avaliação do sistema carcerário nacional.[40] Frise-se, em acréscimo, que o Subcomitê para a Prevenção da Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações Unidas, em informe de 2013, afirmou que é objetivo da execução penal propiciar as condições (sejam elas educativas, religiosas, materiais, sociais) mínimas para que os condenados se reintegrem harmoniosamente à sociedade, de forma a se evitar a reiteração da prática criminosa.[41]

Seguindo, ainda, as recomendações propostas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, é notório que o cárcere está inserido no grupo das chamadas instituições totais, isto é, estabelecimentos onde se detêm controle sobre a maior parte da vida das pessoas que lá se encontram.[42] Tal domínio cronológico, físico e epistemológico – na locução de Foucault[43] – representa, em vista dos princípios constitucionais de proteção à pessoa e das mencionadas diretrizes internacionais de reforma e ressocialização dos apenados, a obrigação de o Estado zelar pela integridade física, moral e psíquica dos internos, bem como de seus visitantes.[44] Isso significa, finalmente, o reconhecimento de que as pessoas encarceradas se encontram em posição de vulnerabilidade e, portanto, devem ser objeto da atenção estatal, de forma a confrontar a norma incriminadora com os preceitos de garantia individual – centro de convergência de toda a ordem jurídica.[45]

El Estado, al privar de libertad a una persona, se coloca en una especial posición de garante de su vida e integridad física. Al momento de detener a un individuo, el Estado lo introduce en una “institución total”, como es la prisión, en la cual dos diversos aspectos de su vida se somete a una regulación fija, y se produce un alejamiento de su entorno natural y social, un control absoluto, una pérdida de intimidad, una limitación del espacio vital y, sobre todo, una radical disminución de las posibilidades de autoprotección. Todo ello hace que el acto de reclusión implique un compromiso específico y material de proteger la dignidad humana del recluso mientras esté bajo su custodia, lo que incluye su protección frente a las posibles circunstancias que puedan poner en peligro su vida, salud e integridad personal, entre otros derechos.[46]

Também a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que “as medidas privativas de liberdade se acompanham inevitavelmente de sofrimento e de humilhação. Se se trata de um estado de fato indeclinável que, de per se, não se traduz em uma violação do artigo 3, que impõe, não obstante, ao Estado garantir que todo prisioneiro seja detido em condições compatíveis com o respeito à dignidade humana, que a modalidade de execução da pena não insira o interessado em uma situação de desconforto ou a um grau de intensidade tal que exceda o nível inevitável de sofrimento inerente à detenção e que, em consideração das exigências práticas da reclusão, a saúde e o bem-estar do detido sejam garantidos de maneira adequada; de outro modo, as medidas tomadas no âmbito da detenção devem ser necessárias ao cumprimento dos fins legítimos perseguidos”[47].

Levando em conta, portanto, os direitos sociais da educação, da saúde, da alimentação, do trabalho, da moradia, do lazer (art. 6o, CF); os direitos individuais e coletivos – tais como a proteção aos locais de culto (art. 5o, VI, CF), à intimidade e à honra (art. 5o, X, CF); o atendimento inexorável à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF) e as recomendações propostas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pelo Subcomitê para a Prevenção da Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, é necessário concluir que um pressuposto necessário para a efetivação das metas ressocializadoras da pena reside precisamente na configuração de um ambiente carcerário que não viole os direitos fundamentais dos apenados. Ademais, é imperioso que se verifique o trabalho continuado dos mencionados “empresários morais”, isto é, acompanhamento psicológico e social de qualidade. É sobre essa perspectiva, portanto, que deverá se orientar, para os fins específicos do presente trabalho, a análise das condições concretas do funcionamento do sistema carcerário brasileiro.[48] Não faz parte do objetivo deste parecer, como se depreende dos termos da consulta, o exame da crise de legitimidade do discurso penal. O problema, tal como identificado para os presentes fins, situa o confronto entre a defesa da pessoa humana, por um lado, e os interesses punitivos, de outro, como uma questão de superestrutura mal resolvida. Embora essa não seja a perspectiva que adotamos,[49] nada impede a análise da questão exclusivamente sob esse ponto de vista, com o objetivo imediato exclusivo de garantir o respeito aos direitos fundamentais dos presos, o que, no contexto brasileiro, certamente impõe a adoção de um programa de deflação penitenciária.

Para tanto, utilizar-se-ão os seguintes critérios inferidos dos dispositivos constitucionais supracitados e das mencionadas recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e do referido Subcomitê das Nações Unidas: (a) vida e integridade física, (b) educação, (c) saúde, (d) alimentação, (e) trabalho, (f) moradia, (g) lazer, (h) liberdade de culto, (i) intimidade e honra e, por fim, (j) acompanhamento psicológico e social.

Neste parecer serão utilizados os dados concernentes ao sistema de inspeções prisionais realizado pelo Ministério Público em março de 2013,[50] bem como as informações acerca dos números da população carcerária apresentados em 2014 pelo Conselho Nacional de Justiça,[51] o “Informe sobre los derechos humanos de las personas privadas de libertad en las Américas”,[52] de autoria da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, proveniente da Organização das Nações Unidas, os relatórios de inspeção em 2014 no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros IV e no Centro de Detenção Provisória de Santo André, ambos de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, e, por fim, o relatório de auditoria governamental do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (processo TCE/RJ nº 116.234-9/13).



Vida e Integridade Física

Dos 1.598 (mil quinhentos e noventa e oito) estabelecimentos penitenciários respondentes às inspeções realizadas pelo Ministério Público em 2013,[53] foi registrado um total de 83 (oitenta e três) suicídios, 110 (cento e dez) homicídios, 3.443 (três mil, quatrocentos e quarenta e três) presos com ferimentos e 2.772 (duas mil, setecentas e setenta e duas) lesões corporais. Agregam-se a esses números, ademais, as considerações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais indicam que as principais situações de risco para a vida de pessoas encarceradas consistem na violência entre internos,[54] de que são exemplos os mais de 70 (setenta) motins ocorridos em 2006 na cidade de São Paulo, assim como os eventos sucedidos na Casa de Detenção José Mário Alves da Silva, o “Urso Branco”, em Porto Velho; no Centro de Detenção Provisória Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus;[55] no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís;[56] e, ainda, no Presídio Professor Aníbal Bruno, em Recife (este último caracterizado, sobretudo, pela presença de pessoal paralelo de segurança e organização, os denominados “chaveiros”). [57]

O Subcomitê para a Prevenção da Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU registrou, ainda, a ocorrência de inúmeros casos de maus-tratos, humilhações, insultos, sanções arbitrárias, espancamentos e privação de comida e água nos estabelecimentos penitenciários pesquisados, sobretudo como forma de castigo ou punição.[58] Além disso, o mesmo Subcomitê ressaltou a complacência da magistratura brasileira em relação ao grave quadro de sistemática prática de tortura e maus-tratos em estabelecimentos prisionais.[59] Daí porque recomendou encarecidamente aos juízes brasileiros que rechacem as confissões quando haja motivos razoáveis para acreditar que tenham sido obtidas mediante tortura ou maus-tratos, ao tempo em que recomendou, ainda, que os juízes passem a notificar de imediato o Ministério Público para que possa abrir investigações sobre os casos de tortura nos mais diversos estabelecimentos prisionais. A magistratura brasileira não é simples coadjuvante no processo de sistemática violação aos direitos fundamentais dos presos, senão seu elemento propulsor à medida que contribui ativamente para um projeto de ampla encarcerização – acionando voluntariamente a ordem jurídica vigente para estender, por via interpretativa, a aplicação de penas privativas de liberdade e de prisões cautelares –, ao mesmo tempo em que consente, ainda que por omissão, a ofensa, por parte do Estado, aos direitos mais básicos dos presos. Cabe ao órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, o Supremo Tribunal Federal, exigir da magistratura o cumprimento das recomendações do Subcomitê da ONU, de modo a eliminar a constante violação dos direitos fundamentais da população carcerária, aí incluídos também os presos provisórios.

Apenas para que se tenha uma ideia concreta da contribuição decisiva do Poder Judiciário na consolidação de um estado de autorizado menoscabo dos direitos básicos dos presos brasileiros, vale mencionar, a título de exemplo, a postura adotada pela cúpula do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a propósito da matéria. Em 7 de março de 2014, o Presidente desse importante Tribunal suspendeu decisão proferida por magistrado de primeira instância que determinara, a pedido da defensoria pública, a implantação, em 45 dias, de duas equipes mínimas de saúde na Penitenciária Masculina de Ribeirão Preto e o fornecimento dos medicamentos necessários ao tratamento dos presos.[60] Invocou-se, para tanto, o argumento de que a providência estatal determinada pelo juiz exporia a risco grave a ordem pública, por comprometer a “regular implementação da política pública em curso no Estado de São Paulo” e servir “de paradigma para situações relacionadas com outros estabelecimentos prisionais”. Em 2 de dezembro de 2013, o Presidente antecessor do mesmo Tribunal de Justiça paulista suspendeu decisão de primeira instância que determinara ao Estado, também a pedido da defensoria pública, a disponibilização em todas as suas unidades prisionais, no prazo de seis meses, de equipamentos para banho dos presos em temperatura adequada.[61] Argumentou-se, para suspender os efeitos dessa decisão, que “os prédios antigos e aqueles adaptados para servir como estabelecimento penal” não possuíam “rede elétrica planejável e compatível com as exigências específicas de consumo de água necessárias para suportar chuveiros nas celas” e que “a instalação dos cogitados equipamentos exigiria intervenção no estabelecimento prisional que não se faria sem o deslocamento dos detentos nele custodiados, o que não se apresenta plausível, tendo-se em vista o déficit de vagas no sistema penitenciário paulista”.

Educação

Do total mencionado de estabelecimentos penitenciários respondentes às inspeções realizadas pelo Ministério Público,[62] 60% registraram a ausência de bibliotecas para os internos.[63] O já indicado Subcomitê da ONU, em acréscimo, destacou que, no complexo de Viana, no Espírito Santo, a maior parte dos internos não tinha acesso a programas de atividade e lazer, sendo que, quando ofertados, os livros não poderiam ser escolhidos segundo suas preferências pessoais.[64] A indisponibilidade de tais atividades foi verificada, segundo o Subcomitê, em diversos outros estabelecimentos.

Já no que se refere especificamente ao Centro de Detenção Provisória de Pinheiros IV, em São Paulo, a Defensoria Pública destacou a inexistência, por completo, de atividades educacionais na unidade.

Saúde

Destaca-se que, do total supramencionado de estabelecimentos penitenciários respondentes às inspeções realizadas pelo Ministério Público:[65]

Aproximadamente 55% indicaram a inexistência de farmácias;[66]

Aproximadamente 56% não apresentaram enfermarias; [67]

Aproximadamente 76% afirmaram não haver procedimentos específicos para troca de roupas de cama e banho e uniforme em face de patologias de presos/as; [68]

Aproximadamente 66% assumiram não serem prestados atendimentos pré-natais às internas gestantes.[69]

Da alimentação

A avaliação presencial do Parquet[70] indicou ainda que, em 29% dos estabelecimentos penitenciários, a alimentação foi considerada regular[71] ou ruim.[72] Vale chamar atenção, em acréscimo, para o elevado número de avaliações subjetivas chanceladas sob a rubrica “não se aplica”, equivalente a 20% do total. Conjectura-se, a esse ponto, se tal dado guarda relação com a informação apresentada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos de que parte dos insumos destinados à alimentação dos reclusos são comercializados ilegalmente pelas autoridades penitenciárias, não chegando definitivamente aos internos.[73]

No que tange ao Centro de Detenção Provisória de Santo André, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo verificou que “os alimentos oferecidos são sempre os mesmos, bem como […] é comum que a comida chegue até [os internos] azeda, estragada ou mal cozida”. O mesmo quadro foi descrito no relatório de inspeção concernente à unidade de Pinheiros IV.

Trabalho

A partir dos dados apresentados pelo órgão ministerial, pode-se inferir a ausência generalizada de oficinas de trabalho nos cárceres respondentes, uma vez que, quando da avaliação pessoal, 68% dos estabelecimentos penitenciários apresentaram a avaliação subjetiva “não se aplica” [74]. A situação, que já é grave, vem se tornando cada dia mais grave. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo o Relatório de Auditoria Governamental do respectivo Tribunal de Contas (TCE/RJ nº 116.234-9/13), a porcentagem dos detentos que laboram diminui de 80,85%, em 2009, para 32,11%, em 2013.

Moradia

A pena de prisão, por evidente, implica a lesão de certos direitos imediatamente correlatos à privação de liberdade. Isso, entretanto, não pode acarretar a negação da potencialidade de desenvolvimento pessoal – pilar constitucional que é –, mediante a inobservância de condições mínimas de sobrevivência digna (art. 1o, III, CF) e honrosa (art. 5o, X, CF), tais como higiene, ventilação, iluminação e temperatura adequada.

Quanto à higiene, a avaliação presencial do Ministério Público[75] indicou que, em 58% dos estabelecimentos penitenciários, as instalações sanitárias foram consideradas regulares[76] ou ruins.[77] A ONU, na mesma esteira, afirmou serem as condições sanitárias dos cárceres inspecionados profundamente deficientes.[78]

Quanto à ventilação,[79] 57% dos estabelecimentos apresentaram instalações igualmente regulares[80] ou ruins.[81]

No que se refere à iluminação,[82] 56% dos estabelecimentos trouxeram, da mesma forma, avaliações regulares ou ruins.[83]

Por fim, no que se refere à temperatura,[84] 59% das avaliações mostraram resultados regulares[85] ou ruins.[86]

No que tange em específico aos Centros de Detenção Provisória de Santo André e Pinheiros IV, as inspeções realizadas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo indicaram sérios problemas estruturais, dentre os quais: deficiências no sistema de aeração e iluminação, racionamento desmedido de água, existência de percevejos e insetos nos colchões e péssimo odor nas celas.

Lazer

A partir das informações apresentadas pelo Ministério Público,[87] ressalto que, em 957 (novecentos e cinquenta e sete) estabelecimentos penitenciários – o equivalente a aproximadamente 60% dos 1.598 (mil quinhentos e noventa e oito) cárceres respondentes à pesquisa realizada –, não estavam sendo desenvolvidas atividades culturais e de lazer à época das inspeções.

Os informes apresentados pelo Subcomitê para a Prevenção de Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU foi menos otimista, ao afirmar que nem todos os presídios inspecionados dispunham da hora diária reservada ao “banho de sol” exigida pelas normas nacionais e internacionais. Segundo o Subcomitê, os internos do centro Ary Franco no Rio de Janeiro costumavam passar até três semanas encerrados em celas pouco iluminadas, sujas e mal ventiladas, sem a necessária hora diária no pátio para atividades físicas.[88]



Liberdade de culto

Em conformidade com os dados apresentados pelo Ministério Público,[89] constatou-se, ainda, que 54%[90] dos estabelecimentos penitenciários não possuíam local apropriado à realização de cultos religiosos.

Intimidade e Honra

Quanto à intimidade e à honra, é imperioso denunciar alguns dos mais característicos problemas do sistema prisional brasileiro: a superlotação e as (quase sempre inexistentes) separações entre as diversas clientelas carcerárias.

Nesse sentido, ressalta-se que, das 563.526[91] (quinhentas e sessenta e três mil, quinhentas e vinte e duas) pessoas encarceradas em 2014, apenas 357.219 (trezentas e cinquenta e sete mil, duzentas e dezenove) se encontravam dentro da capacidade máxima do sistema, restando, pois, um déficit total de 206.307 (duzentas e seis mil, trezentas e sete) vagas.[92],[93] No mesmo sentido, ressaltam as Nações Unidas que deve ser respeitada uma metragem por metro quadrado mínima para cada detento,[94] o que, segundo o Subcomitê, não foi observado em inúmeros estabelecimentos pesquisados. Assim:[95]

El Subcomité considera que el hecho de someter a los detenidos a condiciones de hacinamiento extremas constituye una forma grave de malos tratos. El Estado parte debe adoptar medidas inmediatas para prevenir los niveles extremos de hacinamiento descritos. En todas las dependencias policiales del país debe respetarse estrictamente una superficie mínima por detenido, de conformidad con las normas internacionales.

A título ilustrativo, é de se destacar que – segundo informações da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – os Centros de Detenção Provisória de Santo André e Pinheiros IV apresentaram, quando das inspeções realizadas, uma superlotação de – respectivamente – 338% e 345% de suas capacidades.

Ressalta a ONU, em acréscimo, que o problema da superlotação – com especial ênfase para os cárceres Nelson Hungria, em Belo Horizonte, e Ary Franco, no Rio de Janeiro – está amplamente associado à falta de privacidade dos internos, ao realizarem tarefas básicas de higiene, e às putrefatas condições de salubridade das celas, muitas habitadas também por baratas e outros insetos.[96]

Levando em conta, ainda, a pesquisa realizada pelo Ministério Público em 2013,[97] 79%[98] dos estabelecimentos penitenciários não apresentavam separação entre os presos provisórios e os presos em cumprimento definitivo de pena. A mesma informação constou do informe produzido pelo referido Subcomitê das Nações Unidas.[99]

Acompanhamento psicológico e social

Frise-se que, do total mencionado de estabelecimentos respondentes à pesquisa realizada pelo Ministério Público,[100] aproximadamente 67%[101] afirmaram inexistir uma equipe de assistentes sociais que acompanhasse os internos, bem como 60%[102] não apresentaram recintos adequados para a atividade de assistência social. Não foram obtidos dados acerca de eventual acompanhamento psicológico.

(iii) Considerado esse lamentável quadro fático, faz-se necessário retomar a primeira questão apresentada na consulta: o atual cenário do sistema prisional brasileiro compromete a realização dos objetivos normalmente atribuídos à pena de prisão?

Por evidente, a indagação se situa em nível de verificação da eficácia das funções manifestas da pena, as quais, oportunamente, devem ser agrupadas em duas vertentes: as teorias da prevenção especial negativa e positiva.

Quanto à primeira forma – a variante negativa –, a presente investigação deve-se centrar – conforme já mencionado linhas atrás – na aferição da prática de delitos durante o período de encarceramento.

Se, por um lado, os já mencionados números de homicídios e lesões corporais registrados pelo Ministério Público em 2013 indicam uma certa relativização do objetivo supostamente neutralizador da pena de prisão, por outro, Juarez Cirino dos Santos[103] atenta corretamente para o fato de que “a incapacitação seletiva de indivíduos considerados perigosos constitui efeito evidente da execução da pena porque impede a prática de crimes fora dos limites da prisão”.[104]

Dessa forma, extraem-se, acerca da variante negativa da prevenção especial, duas conclusões: em relação ao ambiente intramuros, a pena de prisão tem sua eficácia neutralizadora relativizada, uma vez que a reiterada ocorrência de delitos violentos demonstra o déficit empírico de eficácia do projeto preventivo especial, isto para não mencionar a notória e ramificada estrutura de corrupção e as mais distintas formas de negociações ilegais que existem em qualquer cadeia; quanto ao ambiente extramuros, sem desconsiderar o acerto da lição de Juarez Cirino dos Santos, convém observar que os efeitos do confinamento não podem ser tomados em conta apenas no que toca à estrita conduta do indivíduo encarcerado. O encarceramento produz outros efeitos no âmbito social, os quais podem corresponder à prática de outros delitos por parte do próprio encarcerado e de pessoas a ele vinculadas, ainda que fora do estabelecimento prisional. O problema do tráfico de drogas, para suprir a demanda de consumo interno dos presos, por exemplo, acaba tornando ineficaz a finalidade preventiva atribuída à pena, na medida em que companheiras e familiares daqueles são diuturnamente utilizados como mecanismo para introduzir drogas e outros objetos ilícitos nas prisões. Nesse sentido o aumento vertiginoso de mulheres condenadas por tráfico de drogas no Brasil está diretamente relacionado a esse mecanismo de alimentação do consumo por parte daqueles que já estão presos. Ademais, as tarefas de prevenção de delito mediante pura e simples segregação não podem descurar-se da proteção dos direitos fundamentais do encarcerado, que não pode ser tratado como uma coisa inservível nas prateleiras bolorentas dos almoxarifados ou de um arquivo morto. Deve-se observar, todavia, que mesmo o encarceramento mais rigoroso, ainda que vedado o uso de telefones, ou controladas as correspondências, jamais impediu a comunicação com o mundo externo. Há, nesse aspecto, inclusive, uma antinomia entre a pena de prisão e a própria condição do sujeito. Ainda que o condenado esteja privado ou suspenso de alguns direitos, entre os quais o direito de liberdade, está ele inserido num mundo, onde a comunicação constitui o elemento formador da própria sociedade. Uma sociedade sem comunicação não é sociedade, é apenas um amontoado quantitativo de corpos animados. Daí ser impossível, empiricamente, a restrição a outras formas de comunicação, as quais são inerentes à condição social.

Já no que se refere às teorias da prevenção especial positiva, foco principal da discussão, impõe-se concluir – tendo em vista os dados apresentados anteriormente – que o sistema prisional brasileiro não apresenta as condições mínimas para a realização do projeto técnico-corretivo de ressocialização, reeducação ou reinserção social do sentenciado. Como ressaltado pela Corte constitucional italiana, “um tratamento penal inspirado em critérios de humanidade é pressuposto necessário para uma ação reeducativa do condenado” (sentenças 12/1996, 376/1997 e 279/2013).[105] Nessa esteira, ainda, ressalte-se a relevante consideração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos acerca dos dados colhidos no referido “Informe sobre los derechos humanos de las personas privadas de libertad en las Américas”:[106]

La naturaleza de los problemas identificados en el presente informe revela la existencia de serias deficiencias estructurales que afectan gravemente derechos humanos inderogables, como ele derecho a la vida y la integridad personal de los reclusos, e impiden que en la práctica de las penas privativas de la libertad cumplan con la finalidad esencial que establece la Convención Americana: la reforma y la readaptación social de los condenados.

Conclusão semelhante foi alcançada pelo Subcomitê para a Prevenção da Tortura e Outros Tratos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU.[107]

Preocupa particularmente al Subcomité […] Que las garantías establecidas a nivel jurídico y normativo no se vean reflejadas, respetadas ni aplicadas en los centros de detención del Brasil. […] El Subcomité subrayó en su informe sobre la visita al Brasil que el ordenamiento jurídico del país es ampliamente adecuado para prevenir los casos de tortura (párrafo 22 del informe). El Subcomité desea reiterar y enfatizar que, con mucha frecuencia, la protección y las salvaguardias que contempla la ley no se cumplen en la práctica. […] La principal preocupación del Subcomité reside en que la aplicación de las leyes y salvaguardias pertinentes es, en este momento, insatisfactoria.

Sem desprezar o déficit de racionalidade da proposta segundo o qual a pena de prisão tem como finalidade a readaptação social dos condenados – considerada a evidente falta de comprovação empírica da realização desse objetivo –, há certo entendimento, reforçado pela compreensão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de que a pena detentiva, quando respeitosa de um standard mínimo de humanidade e civilidade, pode, eventualmente, ser capaz de fornecer ao condenado uma informação de como deve comportar-se na sociedade e conviver com as demais pessoas. O Tribunal de Apelação de Veneza, na Itália, decidiu que a pena executada em condição inumana não pode mais realizar plenamente a sua finalidade reeducativa, porque a restrição em espaços mínimos produz invalidação de toda a pessoa.[108] À medida que aumenta no espaço público a consciência de que a ideia de reeducação ou de tratamento dos condenados por meio da pena de prisão possui um caráter ilusório, senão mesmo fraudulento, pode-se valer da norma convencional que estabelece como função da pena a reforma e readaptação social do condenado como uma ideia capaz de opor um freio – certamente insuficiente, mas útil – à situação de total incivilidade jurídica do sistema carcerário brasileiro.[109] Isso porque, a despeito da finalidade de readaptação social atribuída à pena de prisão, esta deve ter uma natureza humanitária, que a nossa Constituição exige por meio da vedação de tratamentos desumanos ou degradantes (art. 5º, III). Essa é uma cláusula de salvaguarda que opera em todos os momentos de manifestação do monopólio da força pelo Estado: em sede cautelar e em sede de execução penal. Ainda que não se comprove, empiricamente, a relação de causalidade entre pena condizente com o senso de humanidade e o cumprimento da sua finalidade de reinserção social do detento, é evidente que o respeito da dignidade do condenado implica per se a exigência de respeito às condições básicas de privacidade, higiene, integridade física e segurança.[110]



II – A eficácia invertida do projeto ressocializador da prisão e os seus impactos na segurança pública brasileira

Apresenta o consulente, ainda, interessante questão acerca do impacto do cumprimento da pena, nas precárias condições antes mencionadas, sobre a segurança pública. Surge aqui, não obstante, um problema metodológico sobre o que se deve entender por segurança pública. Por óbvio, dos fins acadêmico-processuais da presente consulta resulta a adoção de um conceito de “criminalidade”, o qual – em vista da fundamental expressão do princípio da legalidade, bem como da inviabilidade de o Estado “melhorar pessoas segundo critérios morais próprios”[111] – deve ser compreendido restritivamente, isto é, como consequência de um processo de criminalização. Não existe, na verdade, uma criminalidade, como entidade ontológica, como resultado quantitativo e qualitativo de infrações penais cometidas em uma determinada sociedade. A criminalidade é dado fictício, extraído pelas agências seletivas e punitivas para justificar a imposição de medidas privativas de liberdade. Dessa forma, atribui-se à expressão “segurança pública”, para os fins deste estudo, diversamente do sentido comum de prevenção de cometimento de crimes, o conjunto de elementos que dão base ao processo criminalizador. Com isso, quer-se dizer que a segurança pública não depende da atribuição de responsabilidade às pessoas individuais, mas, sim, da atuação do Estado, primeiramente, na seleção das condutas criminosas; depois, na tarefa de ter que enfrentar o aumento desmedido de encarceramento por força da ampliação do processo criminalizador. À medida que o Estado aumenta o número de atos que devem estar submetidos à pena criminal, quer mediante a configuração de novos crimes, quer pela sistemática de condenações, mais debilita a segurança pública, por não ser capaz de conter as infrações, nem fazer com que seus autores se ajustem às proibições ou comandos. Portanto, em face desse enfoque, não será possível afirmar que, empiricamente, a prisão possa implicar o fortalecimento da segurança pública. Com o crescente encarceramento, a prisão será sempre um depósito de presos, sem qualquer perspectiva de reintegração social.

Nessa esteira, pode-se reformular a questão nos seguintes termos: quais são os efeitos do cumprimento da pena, nas condições em que se encontra o sistema prisional brasileiro, sobre a ocorrência de crimes? Ressalte-se, ademais, que a adoção generalizada de uma concepção preventiva especial positiva implica que tal questionamento deva se direcionar unicamente para a clientela carcerária e não para o conjunto da população. Dessa forma, pode-se concluir que a atual controvérsia situa-se, precipuamente, no âmbito da discussão acerca da reincidência.

Embora a inexistência de um estudo nacional sistematizado que apresente dados razoavelmente confiáveis acerca do assunto conduza a drásticos problemas metodológicos, podem ser realizadas algumas conjecturas mais ou menos seguras e extensíveis ao conjunto do sistema prisional. Para tanto, utilizar-se-ão três conjuntos de dados.

O primeiro está relacionado à taxa de reincidência em processos concernentes a adolescentes submetidos a medidas socioeducativas de internação. Dados apresentados em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça[112] indicaram um elevado valor de 56% nos processos analisados.

O segundo, relativo à dosimetria das penas, indica “que a reincidência é a circunstância agravante mais frequente, incidente em 97,37% dos casos”. [113]

Por fim, o terceiro conjunto de dados, concernente especificamente ao município do Rio de Janeiro, apresenta uma elevada taxa de internos anteriormente condenados, qual seja, 39,13% entre os detentos do regime semiaberto e 48,67% entre os sentenciados em cumprimento de pena no regime fechado.[114]

Fazendo, pois, uma análise congruente dos dados apresentados, pode-se conjecturar que o sistema carcerário, além de não apresentar as condições mínimas para a concretização do projeto de reinserção previsto nas normas nacionais e internacionais, é ineficaz quanto a tal objetivo manifesto e, frise-se, apresenta uma atuação deformadora[115] e estigmatizante[116] sobre o condenado. Tal suposição conta também com o reconhecimento explícito do caráter criminógeno do cárcere pela Exposição de Motivos da nova Parte Geral do Código Penal,[117] bem como com a recente manifestação do Ministro Gilmar Mendes, ao afirmar que a reincidência no Brasil situa-se na faixa dos 70%.[118]



Nesse sentido, ainda, a Comissão Internacional de Direitos Humanos.[119]

[…] cuando las cárceles no reciben la atención o los recursos necesarios, su función se distorsiona, en vez de proporcionar protección, se convierten en escuelas de delincuencia y comportamiento antisocial, que propician la reincidencia en vez de la rehabilitación.

Na mesma toada:

La condena importa siempre un malestar psicológico duradero, como resultado de la humillación contenida en el juicio condenatorio, la cual no puede ser superada por el retorno a su trabajo, por la obtención de una ocupación lícita o por la propia declaración del afectado que se siente resocializado[120].

Ademais, a ONU acerca das facções criminais existentes dentro dos cárceres brasileiros[121]:

En casi todas las cárceles visitadas, el Subcomité observó la presencia de bandas criminales. Los reclusos estaban alojados en distintos recintos o pabellones en función de la banda a la que supuestamente pertenecían. A este respecto, el Subcomité constató que en los expedientes de los reclusos de Ary Franco figuraba una declaración firmada por la que aceptaban ser asignados a un pabellón controlado por una facción determinada y se hacían responsables de su propia seguridad al respecto. El Estado parte debe velar por la separación efectiva entre los presos preventivos y los presos condenados, de conformidad con sus obligaciones derivadas del derecho internacional de los derechos humanos. El Subcomité reitera la preocupación y la recomendación que ya expresó el Relator Especial sobre las ejecuciones extrajudiciales, sumarias o arbitrarias en el sentido de que las cárceles deben estar a cargo de los guardias y no de los reclusos. La práctica de obligar a los presos recién llegados que nunca pertenecieron a una banda a elegir una es cruel y engrosa las filas de las bandas. La asignación de una celda o un pabellón debe basarse en criterios objetivos.

Isso posto, quanto à segunda indagação feita pelo consulente, concluo que o encarceramento no Brasil, levando em conta a sua atual configuração, contribui – ao contrário do que se apregoa manifestamente – para o aumento da prática delitiva e, por sua vez, impacta negativamente na segurança pública.

III – Estratégias jurisdicionais de superação do estado de sistemática violação dos direitos fundamentais dos presos no contexto brasileiro

Diante de um contexto de grave superpopulação carcerária – situação que, por si só, representa uma violação do direito dos presos a um tratamento digno –, não é possível cogitar de uma solução interna do próprio sistema penitenciário, saturado e incapaz de reestabelecer a legalidade do encarceramento. De fato, a situação generalizada de manutenção de pessoas presas além da capacidade do sistema impõe a adoção, de um lado, de remédios compensativos, mediante os quais o detento possa obter uma reparação pela violação de seus direitos fundamentais decorrente da execução penal realizada contra legem; de outro lado, um remédio de caráter preventivo, pois, como afirmado pela Corte Europeia de Direitos Humanos no julgamento do caso Torreggiani e altri versus Itália, a melhor forma de reparação possível é a cessação rápida da violação do direito a não ser submetido a tratamento inumano ou degradante.[122] O contexto brasileiro não é carente de identificação de critérios objetivos de avaliação da legalidade da pena. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, por meio da Resolução nº 09/2011, já fixou as “Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal”, nas quais estão definidos os parâmetros físicos de um estabelecimento penal que garanta as condições mínimas para uma existência digna do preso, com respeito aos direitos à saúde e ao trabalho. Há, portanto, um contexto normativo, já em vigor no Brasil, suficientemente robusto para replicar por aqui a mesma jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos,[123] com vistas à superação do quadro de sistemática violação dos direitos dos presos.

Feita essa primeira observação, nesta última seção, discorrer-se-á sobre os três últimos questionamentos apresentados pelo consulente. Em suma, indaga-se acerca da relação entre a pena cominada abstratamente – ou aplicada no caso concreto – e as condições reais de seu cumprimento, bem como acerca da viabilidade de o Poder Judiciário, ao proferir sentenças, decidir incidentes da execução penal e impor medidas cautelares penais, considerar o valor aflitivo real da pena e, eventualmente, redimensionar a sanção.

A primeira observação, a propósito do tema, é de que o problema discutido neste parecer não constitui mero evento circunstancial, mas um verdadeiro problema constitucional. O fenômeno da superpopulação carcerária é um fato notório, uma situação de grave deficiência estrutural e sistemática do sistema carcerário que não pode mais persistir.[124] Recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,[125] conduzida pelo substancioso voto do Desembargador Marcelo Semer, demonstra com percuciência as razões pelas quais se impõe a imediata intervenção judicial para fazer cessar o grave estado de sistemática violação aos direitos fundamentais dos presos brasileiros:

As Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros estabelecem que:

As celas ou quartos destinados ao isolamento noturno na~o devera~o ser ocupadas por mais de um preso. Se, por razões especiais, tais como excesso temporário da população carcerária, for indispensável que a administração penitencia´ria central faça exceções a esta regra, devera´ evitar-se que dois reclusos sejam alojados numa mesma cela ou quarto individual. (Parte I. Regras de aplicação geral. Locais destinados aos presos. Item 9.1.)

Todas os locais destinados aos presos, especialmente aqueles que se destinam ao alojamento dos presos durante a noite, devera~o satisfazer as exige^ncias da higiene, levando-se em conta o clima, especialmente no que concerne ao volume de ar, espaço mínimo, iluminação, aquecimento e ventilação (Parte I. Regras de aplicação geral. Locais destinados aos presos. Item 10.) (…)

Ademais, na~o se justifica a violação do direito de um indivíduo, pela simples coexistência da violação do mesmo direito de outro indivíduo. O desrespeito a` dignidade humana, a` integridade fi´sica e moral de um preso que seja, reclama agasalho do direito, não estando o Poder Judicia´rio autorizado a se omitir na sua função de apreciar qualquer lesa~o ou ameaça de direito quando compelido a tanto.

Conquanto na~o se desconhece a atual situação de descalabro do sistema penitenciário brasileiro inclui´do, portanto, o sistema penitencia´rio paulista as específicas condições prisionais dos CDPs de Osasco (atualmente ocupados por população carcerária quatro vezes superior ao número de vagas existentes, como já exposto) indicam a transposição do limite da suportabilidade humana e a imposição, pelo Poder Público, de tratamento desumano e degradante aos que estão la´ custodiados, em clara afronta a` vedação constitucional e às regras mi´nimas para o tratamento de prisioneiros, estabelecidas pela ONU, quadro intolerável que demanda providência urgente, sob pena da ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação à dignidade humana e saúde dos detentos, bem como a` segurança de todos os que circulam por esses ambientes.

No caso, em vez de invasa~o da seara administrativa e, por consequência, da separação de poderes, o que existe e´ o cumprimento do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5o, inciso XXXV, CF). Ainda que concorra ao Poder Executivo a administração penitencia´ria, a garantia do cumprimento das disposições legais na~o pode ser afastada do controle judiciário. Assim, não basta que o Executivo seja o responsável por custodiar os presos faz-se imprescindível que sua custo´dia se faça de acordo com os princípios constitucionais, as regras de tratados internacionais que o pai´s ratifica, e segundo suas pro´prias normas legais.


A custo´dia de presos que na~o corresponde a tais ditames, que ofenda ta~o frontalmente a direitos fundamentais, resulta ser, na verdade, descumprimento da obrigac¸a~o assumida pelo pro´prio Estado. E na~o ha´ descumprimento de lei, tanto mais de direitos constitucionais (como a ja´ mencionada proibic¸a~o de penas crue´is e degradantes) que na~o possa ser apreciada pelo Estado-Juiz.

E a reserva do possi´vel, no caso, nada mais e´ do que a reserva do negligenciado, a reserva da omissa~o. O que se busca, em suma, e´ o direito do Estado-administrac¸a~o a descumprir suas pro´prias normas justamente na aplicac¸a~o de sanc¸o~es a quem descumpriu normas por ele fixadas.


Isso, todavia, e´ inadmissível, sob pena de transformarmos o Estado em um criminoso ta~o ou mais cruel do que aqueles que sua autoridade de titular do poder punitivo pretenda encarcerar. E, com isso, repetirmos as lamenta´veis cenas que se tem tornado comuns em presídios condenados, onde as penas ao final aplicadas aos detentos são muito superiores do que a mera privacão de liberdade.


A ação Judicia´rio visa, sobretudo, impedir que a omissa~o do Executivo amolde as cadeias como masmorras impenetráveis, palco de descasos que convirjam para violências, doenças e mortes, que, no futuro, retornara~o como pedidos de indenização ao próprio Estado.


A resposta aos questionamentos apresentados deve ser buscada em uma análise crítica e realista do funcionamento das agências punitivas. Tal postura crítica representa uma postura minoritária, contraposta ao “espiritualismo” do pan-penalismo latino-americano,[126] consubstanciado em um discurso jurídico-penal abstrato, anacrônico e impermeável à crítica criminológica e às evidências estruturais de funcionamento do sistema de justiça criminal – tais como a “seletividade, a reprodução da violência, a criação de condições para maiores condutas lesivas, a corrupção institucionalizada, a concentração de poder, a verticalização social e a destruição das relações horizontais ou comunitárias”. [127]



Assim:


Cuando se habla de una oposición al poder autoritario se está trabajando justamente en provecho de un Estado democrático, que debe asegurar que sus normas puedan ser contestadas críticamente por los ciudadanos, como medio para ejercer un control sobre su propia libertad. Eso parece estar de acuerdo con lo que se podría denominar un golpe de libertad frente a las tendencias de irracionalidad.[128]


No caso concreto, é de fundamental importância a configuração da noção técnica do conceito de culpabilidade e a sua centralidade para o mencionado propósito de deslegitimação do poder de punir, incorporação dogmática do dado de seletividade e exigência empírica de justificação.

Para tanto, este estudo vale-se de um paralelo doutrinário com a noção de culpabilidade por vulnerabilidade de autoria de Eugenio Raúl Zaffaroni,[129] bem com a moderna teoria do injusto culpável, de grande relevância no processo trifásico de dosimetria de pena.

Em suma, impõe-se reconhecer que o valor máximo de imputação de culpa somente pode se dar em decorrência direta do desvalor do injusto, ou seja, da extensão da lesão ao bem jurídico e do grau de autonomia do indivíduo.[130] Em outras palavras, não é admissível que o valor concreto de afirmação da culpabilidade ultrapasse o desvalor resultante da ação típica e ilícita.

Por outro lado, tal valor máximo não pode ser tomado de maneira definitiva, uma vez que, em desfavor do sentenciado, concorrem características estruturais de funcionamento do sistema de justiça criminal e, cumulativamente, podem igualmente ser considerados propósitos preventivos (sempre) minimizadores da punição.[131],[132]

Nesse sentido, considerar, tal como faz Zaffaroni, o grau de vulnerabilidade do sentenciado perante o poder de punir, bem como seu esforço de vulnerabilidade para atingir a situação concreta de perigo penal corresponde a uma incorporação dogmática de um dado de realidade cotidiano no funcionamento das agências punitivas. Nessa mesma linha:

Si la legalización es importante para contener, en un primer momento, las ansias punitivas del poder, deberá también someterse a un procedimiento de verificación de su legitimidad, que no puede confundirse con la legalidad y tampoco con la racionalidad. Ese procedimiento de verificación puede darse por medio de una confrontación empírica con el mundo vital o por un proceso de desconstrucción interna[133].


Nesse sentido, agregar em tal equação as condições concretas de cumprimento da pena corresponde a um legítimo confronto empírico das categorias doutrinárias tradicionais. Para tanto, pode-se valer de duas considerações, ou estratégias teóricas, as quais, em suma, resultam em uma mesma conclusão.

A primeira estratégia corresponde à apartação de dois conceitos de pena: uma “pena ficta” – isto é, tal como cominada abstratamente ou traduzida em concreto pelo Poder Judiciário – e uma “pena real”.

A pena ficta, conforme se pode inferir, possui um valor numérico, o qual reflete, primariamente, um valor abstrato decorrente da avaliação discricionária do Poder Legislativo e, secundariamente, uma medida da intensidade lesiva – na melhor das hipóteses – da conduta realizada.

Em se considerando, no entanto, que a prática penitenciária não pode agregar ao sentenciado um sofrimento maior do que a própria privação de liberdade representa,[134] não se mostra crível, na quadra atual de desmantelo do sistema carcerário brasileiro, considerar que o valor nominal da pena guarda plena correspondência com a realidade. O discurso jurídico-penal, para legitimar-se, deve ser confrontado empiricamente. Assumir, portanto, que a pena aplicada em concreto, ou cominada em abstrato, possui um caráter aflitivo intrínseco a priori corresponderia ao reconhecimento implícito de que, com a pena criminal, se lesiona, exclusiva e simplesmente, a liberdade do sentenciado, o que, evidentemente, é uma afirmação falsa.

Note-se: o cumprimento de dez anos de pena em regime fechado, nas condições descritas na primeira seção deste parecer, pode ser equiparado à prisão em estabelecimento adequado pelo mesmo período de tempo? É inequívoco que o caráter aflitivo de ambas as situações hipotéticas é empiricamente distinto, dado de realidade esse que deve ser incorporado pelo discurso jurídico-penal, sob o risco de se perpetuar a ilegitimidade de sua reprodução.

Assim, vale reconhecer a existência de um outro conceito de punição, isto é, a pena real. Tal conceito deve assimilar realisticamente as condições locais de cumprimento da privação de liberdade, tais quais a superlotação, as deficiências infraestruturais, a escassez de recursos, a falta de pessoal especializado, etc. Esse reconhecimento, pois, implica um necessário redimensionamento do valor nominal da pena, ou seja, uma redução proporcional desse valor, de forma a equiparar a aflição ficta à aflição real. Há precedentes nesse sentido. A Corte Suprema de Israel, por exemplo, já decidiu que uma pessoa condenada por roubo, que teve que ficar em isolamento, em razão de sua condição de transgênero, deveria ter sua pena diminuída em 1/3 do total da condenação, haja vista a rudeza excepcional das condições carcerárias[135].

Por duas razões, no entanto, o valor fictício ou nominal da pena não pode ser inferior ao valor real da punição. O primeiro tem um sentido normativo ideal, inferido das já citadas determinações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: a pena, tal como cominada em abstrato ou fixada em concreto, supõe, ficticiamente, plenas condições de cumprimento da privação de liberdade, isto é, a lesão única e exclusiva à liberdade do apenado – e, obviamente, a direitos necessariamente correlatos.[136] O segundo implica o reconhecimento das precárias condições de cumprimento da privação de liberdade e, portanto, sempre deve resultar na redução do valor nominal da pena. Em outras palavras, caso o sistema carcerário atendesse a todas as diretrizes normativas nacionais e internacionais, bem como aos princípios de proteção à pessoa, os referidos valores nominal e real seriam equivalentes. Mas isso é impossível, porque jamais haverá identidade entre as condições ideais e as condições reais de cumprimento de pena.

A segunda estratégica teórica, idêntica quanto aos fins da primeira, representaria, no bojo da aplicação da pena, a fixação de um limite máximo de atribuição de culpa com base no desvalor proveniente do injusto, isto é, a fixação de um marco limite em virtude da culpabilidade – tal como se verifica enquanto circunstância judicial. A partir de então, conforme já se abordou neste trabalho, a análise das demais circunstâncias judiciais (art. 59, CP), operação orientada pelos conceitos de reprovação e prevenção do crime, rectius, de proporcionalidade e idoneidade – em termos de necessidade e suficiência[137] –, só poderia levar o intérprete a uma redução desse referido valor.[138] Como a medida da culpabilidade deve estar vinculada à intensidade da lesão do bem jurídico, o próprio Código Penal fixa uma pena mínima, a qual corresponde exatamente àquele limite. Assim, numa primeira tarefa, compete ao julgador estabelecer a pena mínima como parâmetro máximo de lesão de bem jurídico, fazendo sobre ela incidir as demais questões relacionadas à autonomia do sujeito. Isso quer dizer que a pena a ser aplicada deve partir do limite mínimo, como expressão da lesão do bem jurídico, para só depois ser avaliada a contribuição pessoal do agente na prática do fato, que exprime o limite máximo de sua culpabilidade. Como a pena não pode ultrapassar o limite da culpabilidade, as demais circunstâncias previstas no art. 59 só podem incidir em benefício do acusado. Dessa forma, o reconhecimento da eficácia invertida da função preventiva especial positiva somente conduziria a uma contenção expressiva da privação de liberdade. Se as regras do art. 59 são vinculantes na individualização da pena, de modo a impedir que qualquer outra condição possa fazê-la superar os limites da culpabilidade, da mesma forma, as circunstâncias externas ao fato, que resultam das precárias condições de encarceramento, devem favorecer o condenado também no período de sua execução. Isso porque, se a culpabilidade é o limite máximo da pena, qualquer exacerbação em sua execução irá implicar sua violação. A condenação, ao fixar a pena nos limites da culpabilidade, não impõe restrições apenas ao condenado, senão também ao próprio Estado, que não lhe pode agregar outros sofrimentos além daqueles traçados estritamente na sentença.



Para todos os efeitos, seja redimensionando a pena com base nos conceitos de punição real e punição ficta, seja considerando a prevenção especial para fins de redução da pena-base, é imperioso considerar a vivência concreta no cárcere como dado empírico deslegitimante. Em relação aos presos definitivos, não há outra solução, senão atribuir ao juiz da execução penal a competência para manter o estado de legalidade e constitucionalidade da pena aplicada. A adoção de estratégias de descarcerização por parte do juiz de execução penal parece ser necessária nesse contexto. A substituição do cárcere pela prisão domiciliar – fora das hipóteses atualmente autorizadas pela lei de execução penal –, como medida necessária à interrupção da aplicação pelo Estado de pena degradante e inumana, aparenta ser mais adequada quando comparada com a medida consistente em impedir o ingresso de novos condenados no cárcere: em primeiro lugar, porque desse modo evita-se a execução de uma pena em momento muito posterior ao cometimento do fato criminoso; em segundo lugar, porque tal solução não comporta, como a suspensão do cumprimento da pena, a liberdade incondicionada do detento, mas permite garantir a executoriedade da sentença condenatória.

O Tribunal Constitucional da Alemanha afirmou, recentemente, o direito de o detento evitar uma encarcerização que se desenvolva em condições lesivas à sua própria dignidade, ou seja, de ter a execução interrompida até que tais condições desapareçam. O Estado, segundo essa orientação, deve garantir o direito de interrupção do cumprimento da pena na hipótese de impossibilidade de superação do problema de superlotação das cadeias. É verdade que a fórmula concreta com base na qual o Judiciário fará cessar a sistemática violação dos direitos fundamentais das pessoas detidas em estabelecimentos prisionais superlotados não chegou a ser objeto da decisão do Bundesverfassungsgericht (1 BvR 1403/09), mas ali ficou consignado direito do preso a essa cessação. No contexto brasileiro, as propostas passíveis de acolhimento pelo Supremo Tribunal Federal podem passar, isolada ou cumulativamente, pelas seguintes estratégias: (i) substituição do recolhimento ao cárcere pela prisão domiciliar; (ii) antecipação dos momentos de progressão de regime e livramento condicional; e (iii) imediata substituição de medida cautelar de prisão por outras medidas cautelares. Tais estratégias, destaque-se, mostram-se em coerência com as recomendações da Organização das Nações Unidas, a saber[139]:

El Subcomité pide al Estado parte que reconsidere sus políticas de seguridad pública y adopte medidas apropiadas a corto y largo plazo para reducir el hacinamiento en las cárceles. Se debe alojar a los presos en condiciones acordes con las normas internacionales, respetando, entre otras cosas, los mínimos previstos en cuanto a volumen de aire y superficie. Cada preso debe disponer de cama propia con ropa limpia.


As propostas concretas de superação do grave problema da superpopulação carcerária – agravado pela sistemática violação da dignidade humana e de direitos correlatos – passam necessariamente, ao menos na quadra atual, pela adoção de um princípio geral de flexibilidade da pena. Como o Estado, nas condições materiais atuais, não garante ao detento os direitos fundamentais dos presos, não há dúvida quanto à necessidade de amenizar o rigor das exigências legais para o deferimento de benefícios da execução da pena. Só assim será possível interromper, com a rapidez necessária, o atual quadro de sistemática violação dos direitos fundamentais dos presos. Dessa forma, ficam parcialmente respondidos os três últimos questionamentos do consulente.

Como devem ser tratados, no entanto, os incidentes da execução penal, bem como as medidas cautelares? A resposta para tal pergunta está inserida no mesmo contexto das questões precedentes. Observe-se que o redimensionamento da noção de punição com base nos conceitos de pena ficta e pena real implica uma nova perspectiva acerca do sentido mesmo da privação de liberdade. Corresponde, em outras palavras, a um novo olhar sobre o tempo de encarceramento e o valor real dessa medida. Dessa forma, quanto aos incidentes da execução penal – tais como o livramento condicional ou a progressão de regime –, vale o mesmo confronto empírico acerca do período de prisão e, ainda mais, uma (re)avaliação cronológica e contextualizada. Por exemplo: suponha-se que, ao longo do cumprimento de pena de um apenado conjectural, tenha havido um aumento de 20% na população carcerária de um determinado estabelecimento penitenciário, correspondente a uma elevação significativa da superlotação prisional, ocasionando uma maior escassez de recursos e a sobrecarga de um pequeno contingente de agentes penitenciários. Segundo o raciocínio que se perquiriu até então, o valor real da pena inicialmente considerado aumentou com o transcorrer do tempo.

Dessa forma, é necessário considerar: a assunção de um valor real e de um valor ficto de punição acarreta a necessidade de uma análise dinâmica, ou seja, enquanto o valor nominal da pena não se altera com as mudanças ocorridas no ambiente carcerário local, o mesmo não se verifica com a pena real. Dessa forma, expurgar o teor metafísico, simbólico e ilegítimo do discurso jurídico-penal implica também considerar, além da cominação abstrata da pena e de seu valor máximo possível, relacionado aos conceitos de autonomia do sujeito e extensão da lesão ao bem jurídico, o sentido real que tal valor fictício representa em concreto no cárcere e, da mesma forma, o valor dinâmico que assume com o passar do tempo e com a mudança nas condições do ambiente carcerário. Nessa esteira, não seria incorreto considerar uma relativização – em virtude das condições precárias de sobrevivência no sistema carcerário – dos requisitos objetivos para a progressão de regime, livramento condicional, indulto ou comutação de penas ou saídas temporárias.

Já no que se refere às medidas cautelares, é essencial discorrer brevemente acerca de uma proposta apresentada por Eugenio Raúl Zaffaroni e Nilo Batista. Para tanto, decompor-se-á a presente discussão em dois momentos.

Em um primeiro momento, frisa-se a existência de quatro principais modelos decisórios que atuam, de maneira mais ou menos sistematizada, sobre a conflituosidade social, quais sejam, o reparador, o conciliador, o corretivo, o terapêutico e o punitivo.[140] É evidente, entretanto, que a conceituação deste último modelo – objeto do nosso interesse – não pode se dar de maneira teleológica – conforme apresentei na primeira seção deste parecer –, sob o risco de incorrer em inequívoca tautologia. Assim, entende-se necessário proceder a uma análise negativa, isto é, afirmando, inicialmente, em que tal modelo não consiste.

O modelo em análise, portanto, não se confunde com a sanção civil – esta em essência reparadora/indenizadora – ou ainda com a mera sanção administrativa, com a qual, idealmente, se identifica de maneira funcional.[141] Tampouco, por fim, visa à neutralização de um dano em curso ou de um perigo iminente.[142]

Esse tal modelo punitivo resulta de uma “coerção que priva de direitos e inflige uma dor (pena)”, [143] podendo, ainda, assumir plurais facetas teleológicas. Independente da maneira como se produz o discurso que o “justifica” ou “racionaliza”, no entanto, é necessário que tal modelo decisório esteja teoricamente bem delimitado.

Em um segundo momento, frisa-se que “o poder estatal concede às suas instituições funções [ora] manifestas, que são expressas, declaradas e públicas”, ora latentes ou reais, isto é, o que a instituição realiza efetivamente na sociedade.[144] Por conseguinte, as leis penais podem ser manifestas, latentes ou ainda eventuais.[145]

No que tange, pois, às medidas cautelares – mais especialmente à prisão provisória –, não há dúvidas quanto à inocorrência de discurso penal manifesto, uma vez que os argumentos que a justificam não devem se confundir com eventual adiantamento da condenação,[146] isto é, têm por objeto apenas “evitar a continuidade da lesão ou impedir um conflito maior”. [147]

Não raro, no entanto, a prisão provisória – e as demais medidas cautelares – podem se acossar de conteúdo eventualmente penal, segundo o uso que delas façam as agências punitivas.[148] Nesse caso, quando forem tais momentos reconhecidos, estes “devem passar a fazer parte do objeto de interpretação do direito penal como saber jurídico, porque consubstanciam casos de criminalização indevidamente subtraídos dos limites do direito penal, que este deve recuperar para exercer sua função limitativa” [149] e, assim, excluí-los.[150],[151]

Tal procedimento equipara-se à já mencionada apartação entre os conceitos de pena real e pena ficta. No mesmo, sentido, pois, o discurso jurídico-penal deve ser confrontado por um dado de realidade, de forma a conter e deslegitimar o exercício arbitrário do poder punitivo.

Assim, pode-se aventurar a extrair algumas conclusões. Em primeiro lugar, é evidente que as medidas cautelares penais devem ser expurgadas de todo teor punitivo, de forma a subsistirem excepcionalmente – frise-se – como contenção emergencial da conflituosidade social e prevenção de maiores lesões a bens jurídicos. Em segundo lugar, seria pertinente supor um eventual conteúdo ressocializador ou reformador das medidas cautelares, uma vez que, conforme já destaquei, estas não possuem teor penal manifesto. Em se considerando, finalmente, que o sistema carcerário nacional não apresenta, de forma geral, as exigíveis separações entre condenados e presos provisórios e que as normas nacionais e internacionais supõem substancialmente a proteção à pessoa humana em face do poder de punir, não vejo motivos para não se considerarem as condições concretas de funcionamento do sistema prisional quando da imposição das medidas cautelares, sobretudo no que tange à possibilidade de sua não aplicação ou revogação em face do caráter sempre aflitivo que assume a privação de liberdade no Brasil.



IV – Conclusões


Procedidas às análises teóricas, formulo as seguintes conclusões:

A prevenção especial positiva, uma vez prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), possui prevalência normativa sobre as demais teleologias punitivas.

Acerca da prevenção especial negativa, conclui-se que: (i) em relação ao ambiente intramuros, a pena de prisão tem sua eficácia relativizada, uma vez que a reiterada ocorrência de delitos violentos implica falha no projeto preventivo especial; (ii) quanto ao ambiente extramuros, a estada no cárcere, ainda que, pelo menos teoricamente, pudesse impedir o cometimento delitos, acaba contribuindo também para o aumento de condenações por tráfico de drogas das mulheres e familiares do encarcerado. Seja como for, ainda que a pena fosse eficaz para esse propósito, o Estado não pode se limitar ao simples encarceramento, não se lhe confere o poder de conceber a prisão (sentida e entendida como ultima ratio) como um mero depósito de presos, tidos como indesejáveis ou inimigos do sistema, sem qualquer medida que os possa beneficiar. Nesse caso, estaria violada a dignidade da pessoa humana.

O sistema carcerário nacional, além de não possuir as condições mínimas para a concretização do projeto corretivo previsto nas normas nacionais e internacionais, apresenta uma eficácia invertida, isto é, atua de forma deformadora e estigmatizante sobre o condenado.

Podem ser distinguidos dois conceitos de pena: a pena ficta, isto é, um valor numérico que representa, primariamente, a criminalização abstrata decorrente da avaliação discricionária do Poder Legislativo e, secundariamente, a medida de individualização da conduta realizada; e a pena real, qual seja, uma assimilação realista das (precárias) condições locais de cumprimento da privação de liberdade.

O reconhecimento de ambos os conceitos de pena implica, pois, um necessário redimensionamento do valor nominal da pena, ou seja, uma redução proporcional desse valor, de forma a equiparar a aflição ficta à aflição real.

É possível e necessário considerar a vivência concreta no cárcere como dado empírico deslegitimante do poder punitivo, isto é, como redimensionamento, pelo Poder Judiciário, da pena a ser aplicada na sentença condenatória.

Enquanto o valor nominal da pena não se altera com as mudanças ocorridas no ambiente carcerário local, o mesmo não se verifica com a pena real. Deve-se considerar, então, além da cominação abstrata da pena e do limite máximo de sua individualização, relacionado aos conceitos de autonomia do sujeito e extensão da lesão ao bem jurídico, o valor dinâmico que a pena assume com o passar do tempo e com a mudança nas condições do ambiente carcerário. Nessa esteira, entendo ser necessário, em primeiro lugar, levar em conta, na análise do art. 59 do Código Penal, essa circunstância objetiva das condições insalubres e degradantes da prisão a que se destina o condenado para diminuir-lhe ou mesmo suspender-lhe a pena. Em segundo lugar, já na fase de execução, em revisão criminal ou por meio do remédio do habeas corpus, comutar-lhe ou diminuir-lhe a pena, em face de aplicação analógica do art. 66 do Código Penal, quando essas mesmas condições se verificarem no estabelecimento em que a esteja cumprindo. Em terceiro lugar, em vista das precárias condições do sistema prisional brasileiro, tornar factível a relativização dos requisitos objetivos para a progressão de regime, livramento condicional, indulto ou comutação de penas, saídas temporárias ou ainda da punição proveniente do cometimento de uma falta grave, bem como de outros incidentes da execução penal.

Por fim, uma vez verificado o funcionamento do sistema carcerário – e atendendo à dicotomia pena real/pena ficta –, entendo possível a não imposição das medidas cautelares privativas de liberdade (ou sua redução significativa) em vista da necessidade de expurgá-las do teor penal latente que lhe emprestam as agências punitivas.

Brasília, 07 de abril de 2015


Juarez Tavares*




* Parecer pro bono, redigido em face da relevância da matéria para o direito brasileiro. Gostaria de agradecer, nesta oportunidade, a Ademar Borges, João Marcos Braga de Melo, Patrick Cacicedo, Rafael da Escossia e Tiago Joffily pela colaboração inestimável na pesquisa, coleta de informações e sugestões relacionadas ao tema.


[1] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 5.ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012, p. 419.


[2] TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los límites de la intervención penal en el Estado Democrático. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 133.


[3] BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critério de aplicação. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014, p. 88.


[4] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Coleção Vega Universidade: Lisboa, 1986, p. 16.


[5] Opta-se aqui, pois, por uma adesão tácita – o que não se confunde com concordância – ao sentido categorial de punição proposto por Immanuel Kant. A saber: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Direito Penal Brasileiro: primeiro volume – Teoria Geral do Direito Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 114.


[6] É evidente que a busca pela noção abstrata de proporcionalidade pode resultar na coerente indagação acerca da gravidade em concreto da punição frente ao grau de intensidade da lesão do bem jurídico. Mais adiante neste parecer, no entanto, tal questão será abordada sob outro enfoque, qual seja, o do atendimento aos princípios constitucionais e internacionais de proteção à pessoa. Para todos os efeitos, tal perquirição não se situa na seara da teleologia e, portanto, não é objeto da atual controvérsia.


[7] ROXIN, Claus. Fundamentos político-criminales del derecho penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2008, p. 52 e ss.


[8] FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana, Rio de Janeiro: Zahar, 1975, p. 22.


[9] MEILI/ ROHRACHER. Lehrbuch der experimentellen Psychologie, Stuttgart/ Wien: Hans Huber, 1972, p. 323 e ss.


[10] NAUCKE, Wolfgang. O alcance do direito penal retributivo em Kant. In: Greco/Tortima (org.). O bem jurídico como limitação do poder estatal de incriminar? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 95.


[11] NAUCKE, Wolfgang. Op. cit., p. 97.


[12] BRUNO, Aníbal. Direito Penal: Parte Geral, Tomo 3o – Pena e Medida de Segurança. Editora Forense: São Paulo, 1956, p. 34.


[13] BRUNO, Aníbal. Op. cit., p. 38.


[14] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., pp. 115-116.


[15] Aproximam-se da retribuição, pois, em duas versões (conforme indicam os autores): “quando pretendem dissuadir para assegurar os bens daquelas que poderiam ser futuras vítimas de outros, postos em perigo pelo risco da imitação da lesão aos direitos da vítima e, por isso, carentes de retribuição na medida da injustiça e da culpabilidade pelo ato” ou ainda “para introduzir obediência ao estado, lesionado por uma desobediência objetiva apenada na medida adequada à retribuição do injusto”. Idem, p. 115.


[16] Assim, quando “a dissuasão persegue tanto a obediência ao estado quanto a segurança dos bens daqueles que não são vítimas, o delito é um sintoma de dissidência (inferioridade ética) e a medida da pena deve ser a retribuição por essa condução desobediente da vida”. Idem, pp. 115-116.


[17] Idem, p. 116.


[18] É de se destacar, ainda mais, que a aproximação do teor retributivo, conforme já foi indicado, implica uma menor potencialidade de verificação teleológica. Assim, a relevância da presente investigação deveria, ainda que hipoteticamente, restringir-se ao sentido mais utilitário possível acerca do termo “dissuasão”.


[19] A prevenção geral negativa, defendida por Feuerbach, segundo a qual o objetivo final da norma é a intimidação geral, por meio da anulação do impulso da sensualidade de todas as ações delituosas, também é seriamente criticada, sendo pertinente o alerta de que a prevenção geral não oferece limites ao poder punitivo do Estado (QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 36). Essa teoria, ademais, está baseada na máxima de que a intimidação – cuja eficácia é bastante discutível – é atingida com a imposição de um mal a alguém para que os outros se omitam de cometer outro mal. Não há fundamento válido de legitimação da aplicação da pena para o desviante. A legitimação estaria fora do fato e do sujeito concreto. Em suma, a teoria “é político-criminalmente discutível e carece de legitimação” (Idem, p. 36).


[20] Esboça-se aqui, todavia, a ineficácia da ameaça penal para coibir comportamento criminosos. Tal afirmativa, entretanto, comporta raras hipóteses passíveis de comprovação, tais quais – conforme indicam Zaffaroni e Nilo Batista (Op. cit., p. 118) – os crimes de menor gravidade, em que a comprovação empírica do efeito dissuasório “é completamente excepcional e nem sequer o próprio protagonista poderia afirmá-la com certeza” ou ainda os estados de terror caracterizados por penas cruéis e indiscriminadas, estas naturalmente vedadas pelo ordenamento pátrio (art. 5o, XLVII, CF). Nesse sentido, ainda: SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 427.


[21] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 424.


[22] LISZT, Franz von. Der Zweckgedanke im Strafrecht, in ZStW, vol. 3 (1883), p. 1-47.


[23] GAROFALO, Raffaele. Criminologia. Studio sul delitto e sulla teoria de la repressione, 1891, p. 158.


[24] Assim, TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualização. In: Cem anos de reprovação. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011, p. 132.


[25]Vide dispositivo constitucional: “Art. 5o […]


XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;”

[26] Embora seja comum uma noção ampla de “criminalidade” – possivelmente imiscuída do conceito de “delinquência” –, opto por restringir o estudo ao cometimento de crimes durante o período de encarceramento. Não considerarei, portanto, a prática genérica de faltas como evidência da ineficácia do projeto preventivo especial negativo.



[27] BAURMANN, Michael. Kriminalpolitik ohne Maß. Zum Marburger Programm Franz von Liszts, in Liszt Vernunft, Kriminalsoziologische Bibliographie, 1984, p. 54-79.

[28] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 116.


[29] Idem, ibidem.


[30] WELZEL, Hans. Derecho penal alemán, tradução de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yañez Perez. Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1970, p. 12.


[31] DURKHEIM, Emile. La división del trabajo social, tradução de Carlos Posada, Barcelona: Planeta-Agostini, 1993, p. 136.


[32] JAKOBS, Günther. Norm, Person, Gesellschaft. Berlin: Duncker & Humblot, 1997, p. 52.


[33] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 116.


[34] FABRICIUS, Dirk. Kriminalwissenschaften: Grundlagen und Grundfragen, II. Münster: Lit Verlag, 2011, p. 299 e ss.


[35] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Informe sobre los derechos humanos de las personas privadas de libertad en las Américas. OEA/Ser.L/V/II. Doc. 64. 31 deciembre 2011. Disponível em: www.cidh.org, p. 9.


[36] Idem, p. 8.


[37] Cabe sublinhar, a propósito, que o disposto no item 5.6 do Pacto de São José da Costa Rica, norma supralegal, prevalece sobre o disposto no artigo 59 do Código Penal brasileiro. O tema concernente à função primordial da pena de prisão deve ter como balizamento normativo, portanto, a norma convencional.


[38] A Lei de Execução Penal, por exemplo: “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”


[39] STJ – HC: 216711 RJ 2011/0200425-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 10/12/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014; STJ – HC: 277496 SP 2013/0315374-3, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/12/2013, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014); STJ – AgRg no HC: 283010 PE 2013/0387154-4, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 17/12/2013, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/02/2014; TJ-RS – AC: 70052584968 RS , Relator: Jorge Luís Dall’Agnol, Data de Julgamento: 27/03/2013, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/04/2013.


[40] Proponho-me, para todos os efeitos, a fazer comentários passageiros acerca da eficácia da prevenção neutralizadora, nos moldes do que já foi anteriormente proposto.


[41] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes – Adición”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 3.


[42] Vide: GOFFMAN, Erving. Manicômicos, Conventos e Prisões. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001; e COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 19.


[43] FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2013, pp. 117-123.


[44] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 17.


[45] TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los límites de la intervención penal en el Estado Democrático. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 124.


[46] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 19.


[47] CEDU, decisão n. 19606/08, Pavet contra França, de 20 de janeiro de 2011.


[48] Quando se chega a esse ponto, as indagações parecem conduzir a outras perspectivas, que não podem ficar adstritas a sintomas puramente jurídicos. O jurídico praticamente desaparece como algo imutável e duradouro para se transformar, rapidamente, em preceitos de justificação política. Cabe, mais uma vez, verificar se vale a pena manter o sistema penal. Quando se fala em alterar o sistema penal ou mesmo de o abolir, afloram argumentos por sua manutenção. Esses argumentos, independentemente de sua variedade, podem ser dispostos em dois grandes segmentos: ora são argumentos de base empírica, ora de base moral. Os argumentos de base empírica trabalham com critérios de verdade; os de base moral, com critérios de validade. Mas, a alteração ou mesmo a superação do sistema penal não pode ser tratada como uma questão de superestrutura, mas, sim, como uma expressão das relações que se processam no âmbito das respectivas formações sociais. A norma penal, como expressão desse sistema, não é nem boa nem má, é apenas um instrumento de manutenção de poder. Quando se invoca a norma penal como meio de proteção da pessoa, estar-se-á também legitimando o poder e, consequentemente, aceitando e mantendo as relações sociais do sistema capitalista. É pura ingenuidade pretender modificar o Estado ou proteger eficazmente as pessoas por meio da norma penal. No fundo, os mesmos elementos de desigualdade e de comprometimento sistêmico continuam presentes em sua aplicação, que jamais deixará de ser seletiva e exclusivista. A chamada cruzada moral em prol da punição dos culpados, como forma de estruturação de uma sociedade democrática, não passa de um discurso ideológico sedimentado no simbólico ou, pior do que isso, de um discurso legitimante em face de um sistema intrinsecamente destruidor da pessoa. Esse discurso é ideológico porque busca convencer de que a norma, como instituição, pode solucionar definitivamente problemas de relacionamento, sem qualquer demonstração empírica. É simbólico porque orientado por mitos de verdade e validade. Se falta ao discurso uma base empírica (e a evidência é de que essa base empírica é falsa), não se poderá comprovar sua verdade. Se, por outro lado, o discurso é pronunciado sem que todos possam dele participar em igualdade de condições e criticá-lo com eficiência, não poderá gerar uma pretensão de validade. Quando se chega a esse ponto, parece que toda a discussão em torno da racionalidade ou legitimidade de uma norma penal só poderá ter cabimento com a alteração estrutural das relações sociais e do próprio poder. Muitos grupos e movimentos sociais têm em comum o objetivo de alterar as estruturas econômicas e, como consequência, o próprio poder.




[49] Enfocada a questão como uma crise de legitimidade, pode-se, então, entender que o discurso penal é um discurso de justificação do sistema, tanto quando o enaltece, como quando procura sua correção por meio da própria estrutura normativa. Em qualquer dos casos, não há verdadeira oposição de ideias, há apenas compromissos. Quem se aventure a acreditar que possa resolver questões penais apenas no âmbito normativo e que, com isso, estará exercendo uma atividade de crítica social, não pode fugir do dilema de ter que se conformar com o próprio sistema, ou repudiá-lo integralmente. Para repudiá-lo, terá que negar o sistema, mas, com isso, terá que negar também seus próprios argumentos. Se quiser manter seus argumentos, terá que aceitar o sistema. Não há como fugir desse dilema. É o dilema próprio do sistema capitalista e de seus desdobramentos. À medida que esse discurso se solidifica, também se fortalece o sistema, com as consequências marcantes da ampliação das bases punitivas, da inflação legislativa e, inclusive, dos movimentos de emancipação calcados na esperança de que possam obter sucesso mediante o emprego da pena criminal. O direito penal, portanto, como condensação normativa do poder punitivo, é elevado a uma categoria transcendental, como se fosse superior a todas as contradições do sistema e sobrepairasse aos próprios antagonismos de classe. Nunca na história do desenvolvimento dos poderes do Estado se deu tanta importância ao direito penal, que, por artes de uma internalização simbólica de ideais frustrados, ou por força de uma projeção externa sobre os outros, os chamados inimigos, de recalques paranoides, passa a se solidificar como uma nova modalidade de ideologia.



[50] CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A visão do Ministério Público brasileiro sobre o sistema prisional brasileiro. Brasília: CNMP, 2013. Disponível em: http://goo.gl/4iWhVi.


[51] “Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil”, de autoria do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF. Disponível em: http://goo.gl/vh2LC9.


[52] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., prefacio.


[53] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 73.


[54] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 6.


[55] Idem, p. 65.


[56] Idem, p. 110.


[57] Idem, p. 153.


[58] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, pp. 15 e 21.


[59] Idem, p. 7.


[60] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Pedido de Suspensão de Liminar n. 2031991-72.2014.8.26.0000.


[61] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Pedido de Suspensão dos Efeitos da Tutela Antecipada n. 0203905-78.2013.8.26.0000.


[62] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 81.


[63] O equivalente a 968 (novecentos e sessenta e oito) estabelecimentos penitenciários.


[64] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 19.


[65] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 69.


[66] O equivalente a 886 (oitocentos e oitenta e seis) estabelecimentos penitenciários.


[67] O equivalente a 899 (oitocentos e noventa e nove) estabelecimentos penitenciários.


[68] O equivalente a 1.220 (mil duzentos e vinte) estabelecimentos penitenciários.


[69] O equivalente a 1.508 (mil quinhentos e oito) estabelecimentos penitenciários.


[70] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 120.


[71] O correspondente a 23% das avaliações.


[72] O correspondente a 6% das avaliações.


[73] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 183.


[74] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 60.


[75] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 118.


[76] O correspondente a 34% das avaliações.


[77] O correspondente a 24% das avaliações.


[78] “Primera respuesta del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes a?las respuestas del Brasil a las recomendaciones y solicitudes de información formuladas por el Subcomité para la Prevención de la Tortura en su informe sobre su primera visita periódica al Brasil”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 15.


[79] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 117.


[80] O correspondente a 31% das avaliações.


[81] O correspondente a 26% das avaliações.


[82] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 117.


[83] Avaliações regulares corresponderam a 33%; enquanto as avaliações ruins, a 23%.


[84] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 117.


[85] O correspondente a 33% das avaliações.


[86] O correspondente a 26% das avaliações.


[87] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 81.


[88] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 19.


[89] Idem, p. 91.


[90] O equivalente a 878 (oitocentos e setenta e oito) estabelecimentos penitenciários.


[91] Não foram consideradas as pessoas em cumprimento de prisão domiciliar.


[92] Disponível em: http://goo.gl/JGju25.


[93] Em se considerando, ainda, as 147.937 (cento e quarenta e sete mil, novecentas e trinta e sete) pessoas em cumprimento de prisão domiciliar, o Brasil se alça à terceira posição mundial em número absoluto de encarcerados.


[94] Segundo o Subcomitê (“Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes – Adición”, p. 7): “La Resolución No 9 establece además que la capacidad de cada bloque de celdas no deberá exceder de 200 reclusos. Asimismo, estipula que todos los centros penitenciarios y las cárceles municipales dotados de celdas colectivas deberán asegurarse de que al menos el 2% de las celdas individuales estén disponibles en caso de que sea necesario separar reclusos. Asimismo, establece que cada celda individual deberá contar con una cama y un espacio de higiene personal con al menos un lavabo y un inodoro, además de una zona para circular; como mínimo, las celdas individuales deberán medir 6 m2. Las celdas colectivas podrán albergar hasta ocho reclusos y deberán tener una superficie de al menos 13,85 m2 […].”



[95] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 14.


[96] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 18.


[97] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 57.


[98] O equivalente a 1.243 (mil duzentos e quarenta e três) estabelecimentos penitenciários.


[99] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 13.


[100] Fonte: Sip-MP, Resolução CNMP n. 56, 28/05/2013. In: CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Op. cit., p. 87.


[101] O equivalente a 1.069 (mil e sessenta e nove) estabelecimentos penitenciários.


[102] O equivalente a 974 (novecentos e setenta e quatro) estabelecimentos penitenciários.


[103] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 425.


[104] Mesmo que se assuma, entretanto, a ocorrência de delitos relacionados ao uso de celulares, por exemplo.


[105] No mesmo sentido, o Tribunal de Veneza: “Sulle disposizioni costituzionali che si assumono violate, ritiene il Tribunale che la norma in questione si ponga in contrasto innanzitutto con l’art. 27 della Costituzione sotto il duplice profilo del divieto di trattamenti contrari al senso di umanità e del finalismo rieducativo.?Sul punto si osserva la prevalenza in ogni caso del primo dei valori affermati rispetto al secondo: mentre la pena infatti non ‘può’ consistere in un trattamento contrario al senso di umanità, essa nel contempo ‘deve’ tendere alla rieducazione del condannato con ciò significando che mentre la finalità rieducativa rimane nell’ambito del ‘dover essere’ e quindi su un piano esclusivamente finalistico (‘deontico’) – la pena è legale anche se la rieducazione verso la quale deve obbligatoriamente tendere non viene raggiunta – viceversa la non disumanità attiene al suo essere medesimo (piano ‘ontico’) – la pena è legale solo se non consiste in trattamento contrario al senso di umanità – di talchè la pena inumana è ‘non pena’ e dunque andrebbe sospesa o differita in tutti i casi in cui si svolge in condizioni talmente degradanti da non garantire il rispetto della dignità del condannato.” (Tribunale di Sorveglianza di Venezia, ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in www.penalecontemponraneo.it.)


[106] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., prefacio.


[107] “Primera respuesta del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes a?las respuestas del Brasil a las recomendaciones y solicitudes de información formuladas por el Subcomité para la Prevención de la Tortura en su informe sobre su primera visita periódica al Brasil”, de autoria da Organização das Nações Unidas, pp. 4 e 7.


[108] Tribunale di Sorveglianza di Venezia, ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in www.penalecontemponraneo.it.


[109] Como ressaltado pela Corte constitucional italiana, a pena deve tender à reeducação do condenado, admitindo-se a possibilidade de não adesão do detento ao processo reeducativo (sentença 313/1990). O condenado tem o direito à oferta de tratamento ou reeducação (sentença 79/2007), mas é livre para aderir ou não ao processo de readaptação social. É obrigatório, segundo essa visão, garantir que o sistema penitenciário produza as condições objetivas de incentivo ao processo reeducativo, sem, porém, impor-lhe a livre autodeterminação do detento.




[110] A esse respeito, o Tribunal constitucional alemão “como se tem especificado, sempre se faz referência à dignidade humana e aos direitos fundamentais, não tanto como simples princípios que, em conjunto com outros, integram a norma sobre a execução da pena, mas como uma medida e critério objetivo para a verificação concreta da detenção singular em face dos fins de uma correta execução da pena e para uma avaliação dos órgãos jurisdicionais ao darem seguimento ao recurso de um detento. Sobre isso, diante de fatores que indicam uma lesão da dignidade humana derivada das condições do espaço do encarceramento, se sublinha ter em conta, em primeiro lugar, a superfície por detento e a situação das plantas sanitárias, sobretudo a divisão e a ventilação dos banheiros. Pode ser indicada, como fator que atenua a situação carcerária, a redução do tempo cotidiano de arresto. Portanto, quanto à organização dos espaços, é necessário que se assegure uma superfície mínima para cada detento, de modo particular quando o interno esteja submetido a uma detenção coletiva no mesmo local.” Bundesverfassungsgericht, (1 BvR 1403/09).


[111] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 425.


[112] “Panorama nacional de 2012 sobre a execução das medidas socioeducativas de internação”. Disponível em: http://goo.gl/TEKwbR, p. 28.


[113] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 532.


[114] PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Lei de execução penal. Série Pensando o Direito, vol. 44. Brasília: Ministério da Justiça, 2012, p. 49.


[115] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p. 531.


[116] Vide “Labeling Approach” in BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal., 6. ed., Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011.


[117] A saber: “Uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa da liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere.”


[118] Disponível em: http://goo.gl/TEKwbR.


[119] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., 4.


[120] TAVARES, Juarez. Los objetos simbólicos de la prohibición: lo que se devela a partir de la presunción de evidencia. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 39.


[121] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, pp. 16-17.



[122] A solução não destoa da recente experiência comparada: “Osserva infine il Tribunale, sotto un ulteriore profilo che attiene alla razionalità giuridica e alla coerenza costituzionale, come non siano mancati precedenti anche in altri ordinamenti – non sospettabili di insensibilità alle esigenze di sicurezza – in cui si sia fatta applicazione proprio dello strumento del differimento o della sospensione della pena per ricondurre ad una situazione di legalità l’esecuzione della pena detentiva in situazioni di palese violazione del divieto di ‘pene crudeli’. Nel 2009 una Corte federale della California, accogliendo due ricorsi di reclusi contro le condizioni di detenzione, ha intimato al governatore di ridurre la popolazione carceraria di un terzo entro due anni, in ossequio all’ottavo emendamento della Costituzione statunitense che vieta le pene crudeli e nel 2011 la Corte suprema degli Stati Uniti ha riconosciuto la correttezza della decisione della Corte federale. In quello stesso anno, la Corte costituzionale tedesca si è pronunciata sul ricorso di un detenuto contro la Corte di appello di Colonia, che aveva negato il sostegno economico necessario ad attivare un procedimento relativo alle condizioni di carcerazione cui era costretto, richiamando una precedente sentenza della Corte federale di giustizia del 2010 in base alla quale ogni reclusione “disumana”, allorchè soluzioni diverse si rivelino improponibili, deve essere interrotta.” (Tribunale di Sorveglianza di Venezia, ordinanza di rimessione, 13.02.2013, in www.penalecontemponraneo.it.)


[123] CEDH, Sulejmanovic c. Italia, 16 luglio 2009.


[124] O caráter estrutural e sistêmico da disfuncionalidade do sistema prisional brasileiro foi expressamente reconhecido pela própria União federal, por meio da AGU, nos autos do RE 592.581/RS. Saliente-se que, no âmbito deste mesmo recurso, o Pleno do STF já reconheceu a repercussão geral do seguinte ponto controvertido: “A questão constitucional está em saber se cabe ao Poder Judiciário determinar ao Estado obrigação de fazer consistente na execução de obras em estabelecimentos prisionais, a fim de que se garanta a observância dos direitos fundamentais dos indivíduos por ele custodiados”.


[125] TJSP, Agravo de Instrumento n. 2019978-41.2014,8.26.0000, Relator Marcelo Semer; Comarca: Osasco; Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 28/07/2014; Data de registro: 29/07/2014.


[126] ZAFFARONI, E. Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 14.


[127] Idem, p. 15.

Juarez Tavares diz que não se pode prender no Brasil. Falta responsabilidade do Estado e de seus magistrados

[128] TAVARES, Juarez. La racionalidad, el derecho penal y el poder de penar: los límites de la intervención penal en el Estado Democrático. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 141.


[129] Para mais informações, vide: ZAFFARONI, E. Raúl. Culpabilidade por vulnerabilidade. In: Discursos Sediciosos, Rio de Janeiro, n. 14, pp. 32-44, 2004.


[130] TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualização. In: Cem anos de reprovação. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011, p. 139.


[131] Idem, ibidem.


[132] Frise-se, inclusive, que a prevenção geral não pode ser utilizada como critério de elevação de pena, uma vez que a legitimação proveniente da cominação abstrata já a leva em consideração. A nova avaliação de tais critérios quando da dosimetria de pena configura inequívoco bis in idem. Assim: Idem, p. 138.


[133] TAVARES, Juarez. Los objetos simbólicos de la prohibición: lo que se devela a partir de la presunción de evidencia. In: Racionalidad y derecho penal. Lima: Idemsa, 2014, p. 34.


[134] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., p. 26. No mesmo sentido (pp. 18 e 19): “Ante esta relación e interacción especial de sujeción entre el interno y el Estado, este último debe asumir una serie de responsabilidades particulares y tomar diversas iniciativas especiales para garantizar a los reclusos las condiciones necesarias para desarrollar una vida digna y contribuir al goce efectivo de aquellos derechos que bajo ninguna circunstancia pueden restringirse o de aquellos cuya restricción no deriva necesariamente de la privación de libertad y que, por tanto, no es permisible. De no ser así, implicaría que la privación de libertad despoja a la persona de su titularidad respecto de todos los derechos humanos, lo que no es posible aceptar.”





[135] Fonte: Associação para a Prevenção da Tortura (APT). Personas LGBTI privadas de libertad: un marco de trabajo para el monitoreo preventivo. Disponível em http://www.apt.ch/content/files_res/lgbti-persons-deprived-of-their-liberty-es.pdf.


[136] Vide: COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Op. cit., pp. 18, 19 e 26.


[137] TAVARES, Juarez. Culpabilidade e Individualização. In: Cem anos de reprovação. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2011, p. 130.


[138] Idem, p. 135.


[139] “Informe sobre la visita al Brasil del Subcomité para la Prevención de la Tortura y Otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes”, de autoria da Organização das Nações Unidas, p. 17.


[140] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 87.


[141] TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, pp. 211-215.


[142] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 87.


[143] Idem, Ibidem.


[144] Idem, p. 88.


[145] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 89.


[146] Vide artigos do Código de Processo Penal: “Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.”


“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:


I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;


II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.”


[147] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; BATISTA, Nilo, et al. Op. cit., p. 89.


[148] Idem, ibidem.


[149] Idem, ibidem.


[150] Idem, p. 90.


[151] A esse respeito, vide as informações apresentadas na primeira seção deste parecer acerca dos Centros de Detenção Provisória de Santo André e Pinheiros IV, ambos no Estado de São Paulo, os quais ora se apresentam como casos paradigmáticos de adiantamento não autorizado na punição estatal.


* Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Visitante na Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo D’Olavide (Sevilha). Professor Honorário da Universidade de San Martín (Peru). Pós-doutor em Direito pela Universidade de Frankfurt am Main. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Subprocurador-Geral da República aposentado. Advogado (OAB/PR 3583; OAB/RJ 1352-A;OAB/DF nº 39.209).

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