A desinformação nos empurra para um estado policial

O MEDO COMO ESTRATÉGIA POLÍTICA

Por Carlos Castilho[*]

Caminhamos lenta e gradualmente para um estado policial onde, por incrível que pareça, a limitação de direitos civis como liberdade de expressão e de movimento, conta com o apoio da população. Tudo porque o instinto primário do medo já começou a comandar as ações e percepções de um número cada vez maior de indivíduos.

A cada nova ameaça, suspeita ou ação concreta de terrorismo ou ação do crime organizado, as pessoas sentem-se mais acuadas enquanto as autoridades reagem com medidas inimagináveis e inaceitáveis noutros tempos. Alguém imaginaria Paris e Bruxelas ocupadas por tropas de assalto, ou aeroportos transformados em células de segurança máxima. Ou mover-se todos os dias numa favela em meio a blindados e soldados em uniforme negro armados até os dentes como se estivessem numa guerra.

Mas isto se tornou tolerado, aplaudido e até exigido por segmentos da população traumatizada pelo massacre da boate Bataclan ou com a ação de narcotraficantes nos subúrbios de São Paulo ou Rio de Janeiro. O medo está levando as pessoas a abrir mão dos seus direitos e liberdades, a partir de informações sobre as quais elas não tem controle.

Uma das origens do medo está nesta falta de informações porque os governos se fecham no sigilo completo, a imprensa transforma-se em caixa de ressonância das estratégias implantadas pelos organismos de segurança. As organizações civis protestam mas sem saber direito contra quem e porque.

Desorientados e desprotegidos por falta de informações, os indivíduos se tornam presas fáceis do temor e da inevitável busca de segurança, mesmo que isto tenha um preço que noutras circunstâncias seria considerado impagável. Deixamos de levar em conta o que estamos perdendo para preocuparmos apenas com a expectativa de uma segurança e proteção ilusórias, porque o terrorismo e a violência urbana podem ocorrer em qualquer lugar e a qualquer hora. Os governos perdem cada vez mais o controle da segurança pública.

As ações de combate ao terrorismo passaram a incorporar um componente indispensável à domesticação da opinião publica: a informação, seja ela a publicada em jornais, revistas e telejornais, seja a transmitida pelo tipo de uniforme e armamento usado pelas tropas deslocadas para neutralizar grupos terroristas. A mobilização desproporcional de efetivos militares e policiais passou uma mensagem clara à população. As centenas de soldados que ocuparam pontos estratégicos de Paris e Bruxelas eram parte de uma operação destinada a consolidar o medo da população, mais do que um combate efetivo a celulas terroristas de no máximo 10 pessoas.

A síndrome do medo

Esta mesma mensagem associada a produção de um clima de temor está presente nas operações policiais aqui no Brasil, quando membros da Policia Federal, camuflados como se fossem atacar inimigos fortemente armados capturam políticos, lobistas, banqueiros ou simples suspeitos de envolvimento na operação Lava Jato. Quando a secretaria de político chega escoltada por agentes de preto, com fuzis metralhadora, não é a preocupação com o risco de resistência que move os policiais mas a preocupação de mostrar poder, força e capacidade intimidadora.

Por conta da síndrome do medo passamos a dar crédito a toda informação apresentada como preocupação com a segurança coletiva. Quem nos garante que ameaças de bomba não possam ser plantadas , gerando a consequente insegurança pública e o reforço da mobilização militarizada. Preferimos não levar em conta a possibilidade de ameaças plantadas com o objetivo de exarcebar a insegurança e consequentemente o reforço das medidas de limitação das liberdades civis. Mas a possibilidade existe, é real, só que ninguém ousa checá-la.

Estamos espremidos entre um estado de desorientação e insegurança e a submissão irrefletida e consensual a um estado policial cada vez menos preocupado com os direitos civis. A desorientação e insegurança generalizadas aumentam quando decidimos checar as estratégias de combate ao terrorismo e somos bombardeados por informações contraditórias que dificultam a formação de um juízo equilibro e tranquilizador.

Como conviver com a incerteza é um comportamento complexo e desconfortável, a maioria das pessoas prefere a segurança das meias verdades e até da falsidade desde que não precisem conviver com a duvida e com a reflexão. Mas este recuo da sociedade diante do estado policial tem limites como mostram dezenas de exemplos históricos, que revelam também uma constante: não há modelo único e cada caso é um caso, com suas especificidades. É o que nos toca descobrir.


* Jornalista, Observatório da Imprensa.

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