AUTOCRÍTICA: A ESQUERDA PUNITIVA
Ensaio fotográfico de Luiz Baltar para o novo livro[**] |
Por Maria Lúcia Karam[*]
As primeiras reivindicações repressoras: o combate à criminalidade dourada
Na história
recente, o primeiro momento de interesse da esquerda pela repressão à
criminalidade é marcado por reivindicações de extensão da reação
punitiva a condutas tradicionalmente imunes à intervenção do sistema
penal, surgindo fundamentalmente com a atuação de movimentos populares,
portadores de aspirações de grupos sociais específicos, como os
movimentos feministas, que, notadamente a partir dos anos 70, incluíram
em suas plataformas de luta a busca de punições exemplares para autores
de atos violentos contra mulheres, febre repressora que logo se
estendendo aos movimentos ecológicos, igualmente reivindicantes da
intervenção do sistema penal no combate aos atentados ao meio ambiente,
acaba por atingir os mais amplos setores da esquerda.
Distanciando-se
das tendências abolicionistas e de intervenção mínima, resultado das
reflexões de criminólogos críticos e penalistas progressistas, que
vieram desvendar o papel do sistema penal como um dos mais poderosos
instrumentos de manutenção e reprodução da dominação e da exclusão,
características da formação social capitalista, aqueles amplos setores
da esquerda, percebendo apenas superficialmente a concentração da
atuação do sistema penal sobre os membros das classes subalternizadas, a
deixar inatingidas condutas socialmente negativas das classes
dominantes, não se preocuparam em entender a clara razão desta atuação
desigual, ingenuamente pretendendo que os mesmos mecanismos repressores
se dirigissem ao enfrentamento da chamada criminalidade dourada, mais
especialmente aos abusos do poder político e do poder econômico.
Parecendo
ter descoberto a suposta solução penal e talvez ainda inconscientemente
saudosos dos paradigmas de justiça dos velhos tempos de Stalin (um
mínimo de coerência deveria levar a que em determinadas manifestações de
desejo ou aplauso a acusações e condenações levianas e arbitrárias se
elogiassem também os tristemente famosos processos de Moscou), amplos
setores da esquerda aderem à propagandeada ideia que, em perigosa
distorção do papel do Poder Judiciário, constrói a imagem do bom
magistrado a partir do perfil de condenadores implacáveis e severos.
Assim se entusiasmando com a perspectiva de ver estes “bons magistrados”
impondo rigorosas penas a réus enriquecidos (só por isso vistos como
poderosos) e apropriando-se de um generalizado e inconsequente clamor
contra a impunidade, estes amplos setores da esquerda foram tomados por
um desenfreado furor persecutório, centralizando seu discurso em um
histérico e irracional combate à corrupção, não só esquecidos das lições
da história, a demonstrar que este discurso tradicionalmente
monopolizado pela direita já funcionara muitas vezes como fator de
legitimação de forças as mais reacionárias (basta lembrar, no Brasil, da
eleição de Jânio Quadros e do golpe de 64), como incapazes de ver
acontecimentos presentes (pense-se na simbólica vitória dos partidos
aliados a Berlusconi nas eleições italianas, no auge da tão admirada
Operação Mãos Limpas).
Este
histérico e irracional combate à corrupção, reintroduzindo o pior do
autoritarismo que mancha a história de generosas lutas e importantes
conquistas da esquerda, se faz revitalizador da hipócrita prática de
trabalhar com dois pesos e duas medidas (o furor persecutório volta-se
apenas contra adversários políticos, eventuais comportamentos não muito
honestos de companheiros ou aliados sempre sendo compreendidos e
justificados) e do aético princípio de fins que justificam meios, a
incentivar o rompimento com históricas conquistas da civilização, com
imprescindíveis garantias das liberdades, com princípios fundamentais do
Estado de Direito1.
Desejando e
aplaudindo prisões e condenações a qualquer preço, estes setores da
esquerda reclamam contra o fato de que réus integrantes das classes
dominantes eventualmente submetidos à intervenção do sistema penal
melhor se utilizam de mecanismos de defesa, freqüentemente propondo como
solução a retirada de direitos e garantias penais e processuais, no
mínimo esquecidos de que a desigualdade inerente à formação social
capitalista que, lógica e naturalmente, proporciona àqueles réus melhor
utilização dos mecanismos de defesa, certamente não se resolveria com a
retirada de direitos e garantias, cuja vulneração repercute sim – e de
maneira muito mais intensa – sobre as classes subalternizadas, que vivem
o dia-a-dia da Justiça Criminal, constituindo a clientela para a qual
esta prioritariamente se volta.
Inebriados
pela reação punitiva, estes setores da esquerda parecem estranhamente
próximos dos arautos neoliberais apregoadores do fim da história, não
conseguindo perceber que, sendo a pena, em essência, pura e simples
manifestação de poder – e, no que nos diz respeito, poder de classe do
Estado capitalista – é necessária e prioritariamente dirigida aos
excluídos, aos desprovidos deste poder. Parecendo ter se esquecido das
contradições e da divisão da sociedade em classes, não conseguem
perceber que, sob o capitalismo, a seleção de que são objeto os autores
de condutas conflituosas ou socialmente negativas, definidas como crimes
(para que, sendo presos, processados ou condenados, desempenhem o papel
de criminosos), naturalmente, terá que obedecer à regra básica de uma
tal formação social – a desigualdade na distribuição de bens.
Tratando-se de um atributo negativo, o status de criminoso
necessariamente deve recair de forma preferencial sobre os membros das
classes subalternizadas, da mesma forma que os bens e atributos
positivos são preferencialmente distribuídos entre os membros das
classes dominantes, servindo o excepcional sacrifício, representado pela
imposição de pena a um ou outro membro das classes dominantes (ou a
algum condenado enriquecido e, assim, supostamente poderoso), tão
somente para legitimar o sistema penal e melhor ocultar seu papel de
instrumento de manutenção e reprodução dos mecanismos de dominação.
Não percebem
estes setores da esquerda que a posição política, social e econômica
dos autores dos abusos do poder político e econômico lhes dá imunidade à
persecução e à imposição da pena, ou, na melhor das hipóteses, lhes
assegura um tratamento privilegiado por parte do sistema penal, a
retirada da cobertura de invulnerabilidade dos membros das classes
dominantes só se dando em pouquíssimos casos, em que conflitos entre
setores hegemônicos permitem o sacrifício de um ou outro responsável por
fatos desta natureza, que colida com o poder maior, a que já não sirva.
Não percebem que, quando chega a haver alguma punição relacionada com
fatos desta natureza, esta acaba recaindo sobre personagens subalternos2.
Ao
centralizarem o combate à corrupção na utilização da reação punitiva e
somarem suas vozes ao clamor contra a impunidade e ao apelo por uma
maior eficiência da repressão, estes setores de esquerda aderem à ideia
de que um maior rigor repressivo seria necessário para acabar com
aquelas práticas de corrupção e com a impunidade de seus autores, assim
ignorando o fato de que nenhuma reação punitiva, por maior que seja sua
intensidade – e ainda que fosse possível a superação dos
condicionamentos de classe – pode pôr fim à impunidade ou à
criminalidade de qualquer natureza, até porque não é este seu objetivo.
A imposição
da pena, vale repetir, não passa de pura manifestação de poder,
destinada a manter e reproduzir os valores e interesses dominantes em
uma dada sociedade. Para isso, não é necessário nem funcional acabar com
a criminalidade de qualquer natureza e, muito menos, fazer recair a
punição sobre todos os autores de crimes, sendo, ao contrário,
imperativa a individualização de apenas alguns deles, para que,
exemplarmente identificados como criminosos, emprestem sua imagem à
personalização da figura do mau, do inimigo, do perigoso, assim
possibilitando a simultânea e conveniente ocultação dos perigos e dos
males que sustentam a estrutura de dominação e poder.
A
excepcionalidade da atuação do sistema penal é de sua própria essência,
regendo-se a lógica da pena pela seletividade, que permite a
individualização do criminoso e sua conseqüente e útil demonização,
processo que se reproduz mesmo quando se pretende, como nos delitos
sócio-econômicos, trabalhar com a responsabilidade penal de pessoas
jurídicas, pois a individualização e a demonização do criminoso são
características inerentes à reação punitiva, empresas ou instituições
também podendo perfeitamente ser individualizadas e demonizadas, de
igual forma se ocultando, através destes mecanismos ideológicos, a
lógica e a razão do sistema gerador e incentivador dos abusos do poder
realizados em atividades desenvolvidas naqueles organismos.
A
monopolizadora reação punitiva contra um ou outro autor de condutas
socialmente negativas, gerando a satisfação e o alívio experimentados
com a punição e conseqüente identificação do inimigo, do mau, do perigoso,3
não só desvia as atenções como afasta a busca de outras soluções mais
eficazes, dispensando a investigação das razões ensejadoras daquelas
situações negativas, ao provocar a superficial sensação de que, com a
punição, o problema já estaria satisfatoriamente resolvido4.
Aí se encontra um dos principais ângulos da funcionalidade do sistema
penal, que, tornando invisíveis as fontes geradoras da criminalidade de
qualquer natureza, permite e incentiva a crença em desvios pessoais a
serem combatidos, deixando encobertos e intocados os desvios estruturais
que os alimentam.
Chega a ser,
assim, espantoso que forças políticas que se dizem (ou, pelo menos,
originariamente, se diziam) voltadas para a luta por transformações
sociais prontamente forneçam sua adesão a um mecanismo tão eficaz de
proteção dos interesses e valores dominantes de sociedades que
supostamente deveriam ser transformadas.
Mais graves
do que as ilusões político-ideológicas que levam às reivindicações de
extensão da reação punitiva aos abusos do poder político e econômico,
são as novas preocupações da esquerda com a criminalidade de massas e
com as reais ou supostas manifestações da chamada criminalidade
organizada, preocupações que logo se seguiram àquela sua descoberta do
sistema penal.
O abandono
da utopia da transformação social, cedendo lugar a desejos mais
imediatos de conquista de cargos políticos no aparelho de Estado, parece
ser uma primeira explicação para o surgimento destas novas preocupações5.
Mas, talvez, se deva pensar também no processo de envelhecimento e
estabilização material de grande parte dos antigos militantes – em sua
maioria, oriundos das classes médias -, agora temerosos e sensibilizados
com a violência da criminalidade de massas, a ameaçar seus novos ideais
de “paz” e tranqüilidade.
Perdendo sua
antiga visão crítica sobre a “imprensa burguesa”, amplos setores de
esquerda reproduzem literalmente o que dizem os órgãos massivos de
informação, quanto a um aumento descontrolado da criminalidade, sendo
comum ouvir de suas vozes a repetição do apelido de Vietnam dado a
determinados locais – certamente do Rio de Janeiro – onde roubos
praticados principalmente por meninos de rua acontecem com certa
freqüência, vozes preocupadas em aumentar a segurança para combater tal
violência, parecendo ter trocado de posições, agora desempenhando o
papel de EUA, na busca de fórmulas para conter o avanço dos Vietcongs…
Talvez esta troca de posições também pudesse ser uma boa explicação para a acrítica aceitação da expressão narcotráfico,
que se incorporou ao vocabulário da esquerda, refletindo sua submissão
às regras da internacionalização da política de drogas, ditada pelos
EUA, a partir da década de 80, quando, simultaneamente ao
desenvolvimento da “guerra contra as drogas”, pautada pela eleição do
agente externo (os produtores e distribuidores dos países latino
americanos) como o inimigo a ser enfrentado, adotou-se o uso do radical
da palavra inglesa narcotics, utilizável também em espanhol ou
em português, passando-se então a falar de narcotráfico, narcodólares,
etc., inobstante o principal alvo da política do momento – a cocaína –
sequer pudesse ser visto como narcótico, tratando-se, ao contrário, de
evidente estimulante6.
Envernizando
suas inquietações com a criminalidade convencional de massas (decerto
ameaçadora para quem quer usufruir dos privilégios de uma estabilização
material, sem ser incomodado com roubos e furtos) e preocupados em
melhor justificar sua ideologia repressora, amplos setores da esquerda
aderem ao apelo de maior intervenção do sistema penal, trabalhando – à
semelhança da ideologia dominante – não com aquelas mais verdadeiras
inquietações com a criminalidade convencional, mas com poderosos
fantasmas de uma suposta criminalidade organizada (aqui também
reproduzindo discurso importado dos países centrais), fantasmas que,
ecoando nos sentimentos de insegurança e no medo coletivo difuso,
característicos das sociedades contemporâneas, favorecem os crescentes
anseios de segurança, de intensificação da repressão, de maior rigor
penal, fortemente presentes no momento histórico em que vivemos.
Trabalhando
com estes fantasmas do mal definido fenômeno da chamada criminalidade
organizada, estes setores da esquerda apressam-se em identificá-lo –
como o discurso dominante – na atuação dos varejistas do comércio das
drogas ilícitas estabelecidos nas favelas cariocas, embora quem foi
acostumado a ter na prática o critério da verdade talvez
devesse prestar mais atenção à sinalização que vem da realidade, dando
conta das constantes disputas por pontos de venda, a melhor sugerir uma
certa desorganização em tal atividade. Mas, organizada ou
desorganizadamente, o fato é que esta criminalidade ligada ao tráfico de
drogas nas favelas do Rio de Janeiro trouxe ao discurso destes setores
criminalizantes da esquerda o verniz de que necessitavam, passando a
justificar sua ideologia repressora e punitiva com os argumentos de que
aquela dita criminalidade organizada estaria dominando as favelas do Rio
de Janeiro e oprimindo seus moradores, controlando as associações pela
intimidação e cooptação de lideranças (generalização, aliás, bastante
questionável), assim sufocando os movimentos populares. Será mesmo que é
a intimidação ou a cooptação de lideranças que impedem a organização
popular? Não seria esta uma cômoda desculpa para a incapacidade política
da própria esquerda?
Uma análise
séria da organização e dos movimentos populares não poderia omitir a
distorcida política que presidiu a formação das associações de moradores
no Rio de Janeiro, política que, mais do que provocar o enfraquecimento
daqueles movimentos, compactuou com o acirramento das diferenças entre
os habitantes das favelas e os habitantes do asfalto, acirramento que
certamente contribui para uma maior agressividade recíproca e,
conseqüentemente, para um aumento de atitudes violentas. Em sua
organização, impulsionada pela esquerda, notadamente no início da década
de 80, as associações de moradores foram divididas em duas categorias,
que reproduziam a artificial e reacionária separação morro x asfalto,
criando-se associações de bairro, que, tendo maior crescimento na zona
sul, integravam em seus quadros moradores das classes médias, com
predominância de militantes de esquerda, e, paralela e distanciadamente,
associações de moradores de favelas, como se estes não vivessem nos
mesmos bairros onde se situavam as associações das classes médias.
Talvez antes
de lamentar uma suposta perda de associações de moradores para o
tráfico e se assustar com a violência da criminalidade, a ponto de se
unir ao desejo dominante de repressão e punição, devesse a esquerda
retomar as sessões de autocrítica (sempre saudáveis, desde que
naturalmente podadas de seus excessos históricos), de modo a reconhecer
e superar os “desvios” que a levaram a contribuir, ainda que
inconscientemente, para a institucionalização de nosso apartheid social.
Embora
apelando para aquela suposta responsabilidade do tráfico pela
desorganização de movimentos populares e tentando manter alguma
coerência com seus originários ideais, ao sugerir que suas preocupações,
neste campo, decorreriam da necessidade de romper com a opressão
imposta aos moradores das favelas pelos agentes do comércio varejista
das drogas ilícitas lá instalados7,
o fato é que tais preocupações só aparecem quando a violência dos
conflitos travados nas desorganizadas disputas de pontos de comércio de
drogas, no Rio de Janeiro, se mostra ameaçadoramente próxima dos locais
de moradia das classes médias, assustadas com as “balas perdidas”,
perturbadas em seus anseios de paz e tranqüilidade.
Compactuando
com a repressão, não procurando qualquer alternativa mais sólida e
menos perniciosa do que a reação punitiva, apressando-se em aderir ao
discurso dominante (talvez para não dissentir dos reclamos repressores e
punitivos da opinião pública, em tempos de sonhadas vitórias
eleitorais), nem mesmo o antigo instrumental de análise, que antes
parecia lhes permitir desvendar as leis da economia e do desenvolvimento
social, conseguiu estimular estes setores da esquerda a buscar uma
compreensão mais profunda da realidade, para assim encontrar a melhor
forma de transformá-la.
Fazendo sua a
política de guerra interna contra as drogas, sem notar a semelhança com
a política externa de seus antigos arqui inimigos nos anos 80, optando
pela falsa e fácil solução penal, não enxergam aqueles setores da
esquerda a contradição (que, em tempos outros, se diria antagônica)
entre a pretendida utilização de um mecanismo provocador de um problema
como solução para este mesmo problema. Ao optarem pela reação punitiva,
não percebem que, no campo de negócios ilícitos, é exatamente esta
mesma reação punitiva a criadora da criminalidade (organizada ou não) e
da violência por ela gerada; não percebem que é o processo de
criminalização que, produzindo a ilegalidade do mercado de bens e
serviços de grande demanda (como as drogas ilícitas ou o jogo),
igualmente produz a inserção neste mercado de organizações criminosas,
simultaneamente trazendo a violência e a corrupção como subprodutos
necessários das atividades econômicas assim desenvolvidas. Tampouco
conseguem perceber que, por mais rigorosa que seja a repressão, estas
atividades econômicas ilegais subsistirão enquanto estiverem presentes
as circunstâncias socioeconômicas favorecedoras de uma demanda criadora e
incentivadora do mercado, o que, no mínimo, deveria sugerir uma
alteração de rumos, buscando-se instrumentos menos perniciosos e mais
eficazes de controle de uma tal demanda.
Desvinculados
de uma análise séria da realidade e acompanhando a exacerbação do
desejo punitivo, que segue o ideal imediatista de “viver em paz”, sequer
estranham aqueles setores da esquerda esse desejo de paz que admite até
a guerra, como expressado na proposta de transferir as tarefas de
segurança pública para as Forças Armadas, concretamente ensaiada, no Rio
de Janeiro, no final de 1994, e só abandonada porque, como seria de
esperar, não se produziram os resultados concretos com que a fantasia da
ideologia repressora sonhava.
Nem mesmo
esta explícita (e, decerto, antagônica) contradição entre o ideal de
viver em paz e o apelo à guerra – contradição, sem dúvida, mais
facilmente percebível do que aquela mais sutil, mas, de todo modo,
certamente existente, entre paz e punição – despertou maiores
questionamentos sobre os estreitos limites classistas deste novo ideal,
sobre sua transformação em um ideal de ordem – e, portanto, de
manutenção dostatus quo – a requerer medidas imediatas de repressão e controle, medidas como, de regra, dirigidas contra as classes subalternizadas.
Trocando
quaisquer inquietações de um passado próximo pela adesão à suposta
necessidade inadiável de aprofundamento do combate à criminalidade, os
mais amplos setores da esquerda tranquilamente aceitaram aquela indevida
utilização das Forças Armadas nas tarefas de segurança pública, em
nenhum momento levantando suas vozes (talvez, ainda uma vez, não
querendo dissentir da opinião pública – ou, mais propriamente, da
opinião publicada – provavelmente preocupados com os efeitos de um tal
dissenso na campanha eleitoral que então se desenrolava), nem mesmo se
impressionando com a tática da repressão militarizada, centrada no cerco
e ocupação das favelas cariocas, conquistadas como se fossem territórios inimigos,
tática que sequer disfarçava a genérica identificação das classes
subalternizadas como classes perigosas, tradicionalmente feita de forma
mais sutil através do normal funcionamento do sistema penal.
Preocupada
com a criminalidade, embotada pelo desejo repressor e punitivo, deixou a
esquerda passar desapercebido o editorial de um grande jornal, que,
preocupando-se em minimizar a falta de resultados visíveis da Operação
Rio e justificar as ilegais, violentas e humilhantes revistas pessoais
dirigidas até contra crianças, bem esclarecia a real finalidade da
repressão militarizada, sugerindo que seus objetivos teriam sido
atingidos, ao permitir que os moradores das favelas reavaliassem suas
relações com a autoridade pública8, em explícita defesa da necessidade de uma violenta educação das classes subalternizadas para a submissão.
Mas, talvez
este imobilismo não deva ser assim tão surpreendente, refletindo a mesma
postura (quem sabe, como em outros tempos também se diria, determinada
por condicionamentos de classe) de quem, antes, com suas associações,
não se incomodara em apartar os moradores dos morros dos habitantes do
asfalto, de quem não hesita em dar sua adesão a uma pretendida “paz”
classista e excludente, de quem, priorizando o combate à criminalidade,
parece ter definitivamente relegado a segundo plano as medidas mais
profundas e de longo prazo que, aptas a criar melhores condições de vida
e maiores oportunidades sociais para as classes subalternizadas,
simultaneamente contribuam para o rompimento com os mecanismos
excludentes (tão eficazmente reproduzidos pelo sistema penal) e conduzam
a uma – não importa quão distante – transformação social, voltada para a
construção de relações mais iguais e mais solidárias entre todas as
pessoas, que assim possam efetivamente viver em paz.
Em seus
acenos com a violência real ou imaginária de uma suposta criminalidade
organizada, a clamar por maior repressão, os setores criminalizantes da
esquerda recheiam suas reflexões com a necessidade de uma melhor
estruturação dos aparelhos de repressão do sistema penal. Sempre fazendo
suas as palavras do discurso dominante, fazem coro aos que dizem que “a
polícia está podre” e precisa ser reestruturada (aqui também, como quer
a mídia, referem-se especialmente à polícia do Estado do Rio de
Janeiro), reivindicando medidas urgentes, adotando as mesmas razões – ou
desrazões – que abriram espaço para a já comentada utilização das
Forças Armadas em um suposto combate ao crime, no Rio de Janeiro, no
final de 1994.
Repetindo
aquela simplista afirmação de que “a polícia está podre”, necessitando
de urgente reestruturação (admitindo-se até mesmo sua dissolução), em
verberações que, neste campo da atuação do aparelho policial, priorizam
os males da corrupção que estaria a deteriorar aquela atuação e
enfraquecer o desejado combate ao crime (especialmente e, como sempre, o
crime organizado), não se detêm nas razões dos desviados comportamentos
de alguns agentes policiais, ou de muitos, ou mesmo da maioria – não é
isto o mais importante.
Não notam
estes setores da esquerda que toda forma de corrupção (como ocorre com
aquela mais refinada, objeto central de suas campanhas contra a
criminalidade dourada) tem sempre dois vértices, não se perturbam com as
cotidianas e inúmeras práticas desonestas repetidas e interiorizadas
pela maioria das pessoas, desejosas de atender às exigências e obter os
favores e reconhecimentos de uma sociedade egoística e excludente, que
certamente não aposentou a velha máxima do “levar vantagem em tudo”9.
Por que
apenas a polícia estaria podre e seria, a partir de uma suposta
reestruturação, transformada, como num passe de mágica, em uma ilha de
honestidade? Não conseguem ver estes setores da esquerda que o discurso
histérico e vazio contra a corrupção policial é análogo ao discurso mais
geral sobre a criminalidade, selecionando preferencialmente nas classes
subalternizadas (de onde vem a imensa maioria dos agentes policiais)
personagens que, convenientemente estigmatizados, desempenham o papel de
maus, para que os demais possam seguir desempenhando seu papel de “cidadãos de bem”.
Tão nefasto
quanto este discurso estigmatizante contra a corrupção é o discurso,
igualmente simplista e hipócrita, contra a violência policial.
Seguindo a
linha da individualização e demonização de alguns autores de condutas
definidas como crimes, como determina a opção pela reação punitiva,
limitam-se estes setores da esquerda a clamar contra a impunidade de
policiais acusados de atos violentos ou a exigir maior rigor em
eventuais punições, especialmente diante de ações mais divulgadas e mais
particularmente cruéis, como aconteceu com o massacre do Carandiru, em
São Paulo, com os extermínios coletivos da Candelária e de Vigário
Geral, no Rio de Janeiro, ou com o homicídio atribuído a um policial
militar, em frente ao shopping Rio-Sul, também no Rio de Janeiro.
Não percebem
que o clima geral de exacerbação do desejo punitivo, que conta com seu
decidido apoio, é o grande incentivador da violência da repressão
informal, dirigida contra aqueles que correspondem à imagem de
criminosos. Não percebem que o apelo à autoridade e à ordem e a
ampliação do poder punitivo do Estado – resultado da demanda de maior
repressão à criminalidade – embute uma crescente desumanidade no combate
ao crime, favorecendo o aprofundamento e a crueldade da repressão
informal, seja através da atuação ilegal de agentes policiais, seja
através da ação de grupos de extermínio, seja através de linchamentos.
O que
alimenta a repressão informal, desenvolvida à imagem e semelhança da
repressão formal, é a própria ideologia que sustenta o sistema penal. A
ideia de pena, de afastamento do convívio social, de punição, baseia-se
no maniqueísmo simplista, que divide as pessoas entre boas e más: o
criminoso passa a ser visto como o mau, o outro, o diferente10,
o que irá permitir e alimentar a violência punitiva realizada fora do
direito (a repressão informal). Produz-se, neste campo, um processo
semelhante ao que alimenta a repressão política das ditaduras, em que a
ideia de que é preciso manter a ordem, aqui se traduz na ideia de que é
preciso combater o crime, gerando todo tipo de violência – da tortura ao
extermínio – nas ditaduras, contra os dissidentes, e, nas democracias
mais ou menos reais, contra os “delinquentes”, vistos como os inimigos,
os maus, os perigosos.
Quando se
concilia com a ideia de que o enfrentamento da criminalidade corresponde
a uma situação de guerra, não se pode, ao mesmo tempo, hipocritamente
pretender que os agentes da repressão pautem sua atuação pelo respeito
aos direitos de eventuais violadores da lei. Em guerras, como é sabido, o
combate ao inimigo significa sua eliminação, não parecendo assim lá
muito coerente exigir rigorosa punição para quem, atuando, como se
estivesse em guerra, ponha em prática tal ensinamento. E, não há dúvida
de que amplos setores da esquerda parecem convencidos de que o combate à
criminalidade efetivamente corresponderia a uma situação de guerra. Não
bastassem a passiva aceitação da convocação das Forças Armadas para
assumir, no Rio de Janeiro, no final de 1994, as tarefas da segurança
pública, ou a adoção da denominação de Vietnam para lugares supostamente
perigosos, tal concepção fez-se mostrar ainda mais claramente na
escolha de oficiais-generais das Forças Armadas para assumirem os cargos
de Secretários de Estado na área da segurança pública, pelos dois
Governadores eleitos pelo PT nas últimas eleições, um deles acabando por
exonerar seu Secretário, quando, somente diante de declarações
explícitas de estímulo a uma atuação mais violenta da repressão,
conseguiu perceber a inadequação da escolha.
Os agentes
policiais, que ilegalmente eliminam os supostos criminosos ou suspeitos
com que se defrontam, da mesma forma que os integrantes de grupos de
extermínio ou os pacatos cidadãos autores de linchamentos, na realidade,
apenas reproduzem e concretizam a divulgada ideia – que conta com o
apoio de amplos setores da esquerda – de que o combate à criminalidade
há que se fazer a qualquer preço, com leis excepcionais, com condenações
sistemáticas (ainda que arbitrárias), ou até mesmo com lições extraídas
da guerra.
Esquecidos
desta sua inconsciente contribuição para o incremento da violência
policial e já acostumados com a fácil e falsa solução penal, os setores
criminalizantes da esquerda direcionam suas reivindicações, neste campo,
pelo repisado clamor contra a impunidade, pretendendo pôr fim àquela
violência com o rigor punitivo que querem se despeje contra os policiais
eventualmente alcançados pelo sistema penal. Assim se mobilizam,
prioritariamente, com questões secundárias, simples decorrências de
outras questões maiores, como a pretendida extinção das Justiças
Militares Estaduais, ou, mais modestamente, a transferência para a
Justiça comum da competência para o conhecimento de causas relativas a
homicídios atribuídos a policiais militares.
Dominados
pelo desejo da repressão e do castigo, deixam de lado – como ocorre
sempre que se opta pela monopolizadora e superficial reação punitiva – a
questão maior consubstanciada na militarização da atividade policial, a
sugerir, dentre outros temas, o questionamento da existência de
polícias militares, instituídas como forças auxiliares do Exército, este
sim – e não a derivada existência de uma Justiça especial –
constituindo um ponto relevante no debate em torno daquela atividade,
que, entretanto, é bom ressaltar, certamente não se esgota na forma de
realização do policiamento ostensivo e preservação da ordem pública.
Mantido o
quadro ditado por uma suposta necessidade de combate implacável à
criminalidade, não serão eventuais punições rigorosas, selecionadamente
impostas (como é da regra da imposição de penas), que irão reduzir o
elevado número de homicídios praticados por policiais contra supostos
criminosos ou suspeitos, ou romper com a rotineira permanência da
tortura como método de investigação. A sólida resistência de tais
práticas a mudanças políticas gerais ou a trocas de comandos nas
instituições policiais, que nenhuma repercussão apresentam na redução
destes atentados aos direitos fundamentais de conservação da vida e da
integridade física, já bastaria para demonstrar a inutilidade e a
injustiça de medidas que, como o rigor punitivo que aqueles amplos
setores da esquerda querem fazer abater sobre um ou outro policial
acusado da prática de tais atentados, deixam intacta a concepção
ideológica traduzida no desejo geral da repressão e do castigo.
Morro da Providência. Foto de Luiz Baltar. |
A luta por transformações sociais e a necessidade de rompimento com a ideologia da repressão
A adesão de
amplos setores da esquerda à ideologia da repressão, da lei e da ordem,
seu interesse por um implacável combate à criminalidade, sua
“descoberta” do sistema penal surgem em um tempo em que os sentimentos
de insegurança e o medo coletivo difuso, provocados pelo processo de
isolamento individual e de ausência de solidarização no convívio social,
aliam-se à decepção enfraquecedora das utopias e à necessidade de
criação de novos inimigos e fantasmas capazes de assegurar a coesão em
formações sociais que, com o desmoronamento das traduções reais do
socialismo, não mais têm exigida a demonstração de sua superioridade
democrática.
O quadro
vivido neste novo tempo, proporcionando campo extremamente fértil para a
intensificação do controle social, proporciona e alimenta o crescimento
da demanda de maior repressão, de maior rigor punitivo, de maior
intervenção do sistema penal, trazendo desmedida ampliação do poder
punitivo do Estado.
Sofrendo
mais diretamente aquela decepção enfraquecedora das utopias, conseqüente
ao desmoronamento das traduções reais do socialismo, amplos setores da
esquerda voltam-se para objetivos mais imediatos, abandonando a
perspectiva de construção de uma nova sociedade e se entregando a um
pragmatismo político extremamente distante dos princípios e ideais que a
viram nascer.
O equivocado
discurso sobre a criminalidade, encerrando a entusiasmada crença no
sistema penal e as reivindicações repressoras, na linha deste
pragmatismo político-eleitoral, sem princípios e sem ideais, favorecedor
da ampliação do poder punitivo do Estado, hoje faz de amplos setores da
esquerda uma reacionária massa de manobra da “direita penal” e do
sistema de dominação vigente, parecendo dar suporte aos que
enganadoramente sustentam que a contraposição entre direita e esquerda
teria perdido sua razão de ser.
Entretanto, esta contraposição, certamente, ainda se faz fundamental11.
A ordem
injusta de sociedades inigualitárias, nas quais os privilégios dos que
se colocam no topo da escala social se contrapõem às privações e às
discriminações sofridas pelos que são subalternizados, o isolamento
egoísta e a desumana falta de solidarização no convívio entre as pessoas
que avultam nas sociedades contemporâneas, certamente, estão a clamar
por que se reavive a generosidade dos ideais de transformação social
para construção de sociedades melhores e mais justas, que historicamente
distinguiram as lutas da esquerda.
A
compreensão de novas contradições que se põem nas sociedades
contemporâneas e o rompimento com as diversas formas de autoritarismo,
que desvirtuaram a concretização do socialismo, são passos
indispensáveis na necessária retomada do caminho histórico das lutas da
esquerda pela transformação social, pela construção de sociedades
melhores e mais justas, que, sendo mais generosas e solidárias,
necessariamente devem ser mais tolerantes.
Este caminho
transformador não pode ser trilhado com a reprodução dos mecanismos
excludentes característicos das sociedades que se quer transformar. Não
há como alcançar sociedades mais generosas e solidárias, utilizando-se
dos mesmos métodos que se quer superar.
Quando se
aceita a lógica da reação punitiva, está se aceitando a lógica da
violência, da submissão e da exclusão, em típica ideologia de classe
dominante – ideologia presente nos trágicos e nefastos equívocos que
conduziram às perversidades totalitárias do socialismo real. Convivendo
com a dominação, ao contraditoriamente pretender aprofundar a democracia
através da ditadura do proletariado, assim apenas substituindo a
dominação de uma classe pela dominação de outra (ou de seus supostos
representantes), certamente não poderia a proposta socialista assim
materializada representar a tradução dos generosos ideais
transformadores e emancipadores de que nasceu a esquerda.
Uma esquerda
adjetivável de punitiva, cultivadora da lógica antidemocrática da
repressão e do castigo, só fará reproduzir a dominação e a exclusão
cultivadas, seja na formação social capitalista, seja na contrafação do
socialismo, que se fez real.
Na retomada
da utopia e das lutas pela transformação social, não há lugar para uma
tal esquerda. A realização dos generosos e solidários ideais
igualitários, que a todos assegure o atendimento das necessidades
fundamentais para a sobrevivência e as mesmas oportunidades de acesso às
riquezas e ao desenvolvimento pessoal, há que se fazer de forma a
estabelecer a síntese que incorpore os ideais libertários, asseguradores
da livre expressão e realização dos direitos da personalidade de cada
indivíduo. O rompimento com a excludente e egoística lógica do lucro e
do mercado, há que ser acompanhado do rompimento com qualquer forma de
autoritarismo, para que a bens econômicos socializados corresponda a
indispensável garantia da liberdade individual e do direito à diferença,
para que a solidariedade no convívio supere e afaste a crueldade da
repressão e do castigo, para que um exercício democratizado do poder
faça do Estado tão somente um instrumento assegurador do exercício dos
direitos e da dignidade de cada indivíduo.
*Maria Lúcia Karam, é
juíza de direito aposentada do Tribunal de Justiça do estado do Rio de
Janeiro, ex-juíza auditora da Justiça Militar Federal e ex-defensora
pública no estado do Rio de Janeiro. É uma das autoras do livro de
intervenção Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios de sua superação (Boitempo, Carta Maior, 2015). Colabora com o Blog da Boitempo especialmente para o dossiê “Violência policial: uso e abuso“.
** Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação (Boitempo, Carta Maior, 2015).
NOTAS
1 Veja-se, a propósito a furiosa e
inaceitável reação de Betinho à absolvição do ex-Presidente Collor,
manifestada em artigo publicado à pág.9 da edição do dia 19 de dezembro
de 1994, no Jornal do Brasil, em que, talvez revoltado por não encontrar
seus “bons magistrados”, condenadores implacáveis e severos, não se
detinha na crítica discordante da decisão, arvorando-se em julgador do
próprio Supremo Tribunal Federal.
2 Sobre a invulnerabilidade dos poderosos, deve ser consultada a obra de Zaffaroni, En busca de las penas perdidas, Buenos Aires, Ediar, 1989, especialmente os comentários constantes à pág.113.
3 Veja-se no ensaio de Hans Magnus Enzensberger, Reflexões diante de uma vitrine, in Revista
USP, nº 9, São Paulo, março/maio 1991, ps.9/22, seus comentários a
respeito dos sentimentos coletivos de necessidade da identificação de
culpados e de satisfação e alívio com a condenação, que, vista como o
reconhecimento da culpabilidade, gera a sensação de inocência para
aqueles que não foram condenados. Mostra Enzensberger que “para o
indivíduo, a condenação de um outro – de modo geral um criminoso é
sempre considerado como este ‘outro’ – equivale a uma prestação de
contas. Quando se é culpado, se é castigado. Portanto, quando não se é
castigado, se é inocente (…) Quanto mais aumenta a culpabilidade
coletiva, mais seus encadeamentos são difusos, mais anônimas e
invisíveis as suas fontes, mais se torna urgente levar o peso a
indivíduos isolados e facilmente reconhecíveis.”
4 No que concerne às práticas de
corrupção, pense-se, em nossa história recente, no desvio das atenções
provocado, seja pela satisfação com eventuais punições, seja pelas
campanhas por que estas se efetuem, a tirar de cena a discussão de
questões como a instrumentalização do aparelho estatal e sua colocação a
serviço de interesses privados (pessoais ou de grupos), a privatização
de recursos públicos, as privilegiadas relações entre os detentores do
poder econômico e o Estado, que, dentre outros fatores, favorecem e
determinam aquelas práticas.
5 Bastante ilustrativa é a afirmação que inicia o artigo de Cid Benjamin às pp.6-10 do nº 23 da revista Teoria e debate (jan-fev/94)
– polícia-um caso de polícia – de que a razão mais imediata da
descoberta da necessidade de discussão de questões relacionadas com a
criminalidade encontrava-se na possibilidade do PT ganhar as eleições
para a Presidência da República e para Governos Estaduais.
6 Sobre a internacionalização da
política de drogas e o reforço da dominação norteamericana sobre a
América Latina, vejam-se as análises de Rosa del Olmo em La cara oculta de la droga, Temis, Bogotá, 1988.
7 Veja-se, neste sentido, o artigo de Cid Benjamin já citado.
8 Editorial de primeira página de O globo,
da edição de 25/11/94, a dizer que: “[…] Um desses objetivos, mais
importante do que a apreensão de qualquer quantidade de drogas ou armas,
é a reavaliação, pelo morador honesto das comunidades carentes, de suas
relações com a autoridade pública, com o Estado. No quadro geral, as
operações militares só têm contribuído para tornar esse objetivo mais
próximo a cada dia.”
9 Neste ponto, é interessante
mencionar a experiência certamente muitas vezes vivida por todos que
militamos como profissionais no campo do Direito, de sermos procurados
por quem quer que tenha uma causa ajuizada, ansioso por saber se
conhecemos o juiz a quem coube seu exame, se podemos falar-lhe, angariar
sua simpatia, fazer com que ouça com maior atenção e carinho os
argumentos daquela parte. São cidadãos que se julgam honestos (muitos
deles até de esquerda), revoltados com a corrupção, admiradores das
condenações severas e implacáveis, que talvez apenas esqueçam, por um
momento, de sua decantada honestidade, ofuscada por seus respeitáveis
interesses, que não deixam que estes honestos cidadãos hesitem em
solicitar simpatias parciais de quem, para julgar com honestidade, deve
ter, acima de tudo, preservada sua imparcialidade.
10 Veja-se, a propósito, o texto de Hans Magnus Enzensberger, já aqui citado.
11 Sobre a permanência e atualidade
da distinção entre direita e esquerda, é, certamente, indispensável a
leitura do livro de Bobbio Direita e Esquerda-razões e Significados De uma Distinção Política, São Paulo, Unesp, 1995.
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