O dono da bola
Por Jandira Feghali[*]
Quando criança, lembro dos amigos que passavam tardes inteiras nas ruas do Irajá, na Zona Norte do Rio, entre disputas e mais disputas de ‘pelada’ ou pique-bandeira. O futebol amador rolava solto até os primeiros chamados roucos das mães, nas soleiras das portas, pelo jantar. Às vezes, antes do cheiro do feijão invadir as narinas, os jogos acabavam repentinamente por uma peculiar característica: quando o dono da bola queria.
Da peleja nas tardes quentes do subúrbio carioca aos tempos de votação no Parlamento, a infância nos mostra que certas atitudes persistem ao longo de nossa história revelando muito dos outros. A tentativa de alguns grupos políticos de impor o financiamento empresarial de campanhas ao país é similar aos embates juvenis de minha memória.
Na última semana, durante a votação do 1º turno da Proposta de Emenda à Constituição da reforma política, a Câmara rejeitou democraticamente a constitucionalização do financiamento empresarial. Mesmo assim, bastaram 24 horas para que uma emenda, de teor similar, fosse feita às pressas para trazer a mudança num suspiro.
Foi assim que o bom combate político se rendeu ao “dono da bola”, grupos políticos que, longe de colocar a bola embaixo do braço e se retirar, fizeram com que rolasse até que o resultado lhes fosse favorável. Passaram por cima de normas regimentais e do acordo do colégio de líderes de votar uma única vez cada tipo de financiamento proposto. Quiseram, junto da presidência da Câmara e a qualquer custo, sacramentar o que há de pior no financiamento eleitoral brasileiro.
Sobraram alguns erros neste passe: a Câmara não poderia votar duas vezes um mesmo conteúdo, visto que anteriormente essa proposta de financiamento já tinha sido rejeitada pela maioria. E o texto da emenda sugere que candidatos (pessoas físicas) não podem arrecadar os recursos das empresas, apenas partidos. Sofisma!
Ainda assim, não há a menor autorização da sociedade para a aprovação deste tipo de proposta. A Câmara caminhou no sentido contrário no que diz o coração das ruas. Em tempos de combate duro à corrupção, alimentar esta relação entre poder econômico e eleitos é favorecer os acordos anti-republicanos que já se avolumam nos inquéritos da Procuradoria Geral da República.
O resultado da doação empresarial nas campanhas é a grave distorção no resultado dos pleitos pelo país, favorecendo majoritariamente candidatos alinhados com o grande capital. Isso determina legislaturas mais conservadoras, com baixa representação de minorias e do mundo do trabalho.
No meu tempo, lá no subúrbio, o jogo de futebol até podia acabar de acordo com as vontades do dono da bola. Na política, contudo, a ótica se inverte. Quem manda neste jogo da reforma política são os 200 milhões de brasileiros que elegeram este Congresso Nacional, em 2014. É o povo que, dia a dia, clama por uma política mais honesta e ética. É hora de devolver a bola a quem de direito.
* Deputada Federal PCdoB/RJ Líder da bancada do PCdoB na Câmara
Da peleja nas tardes quentes do subúrbio carioca aos tempos de votação no Parlamento, a infância nos mostra que certas atitudes persistem ao longo de nossa história revelando muito dos outros. A tentativa de alguns grupos políticos de impor o financiamento empresarial de campanhas ao país é similar aos embates juvenis de minha memória.
Na última semana, durante a votação do 1º turno da Proposta de Emenda à Constituição da reforma política, a Câmara rejeitou democraticamente a constitucionalização do financiamento empresarial. Mesmo assim, bastaram 24 horas para que uma emenda, de teor similar, fosse feita às pressas para trazer a mudança num suspiro.
Foi assim que o bom combate político se rendeu ao “dono da bola”, grupos políticos que, longe de colocar a bola embaixo do braço e se retirar, fizeram com que rolasse até que o resultado lhes fosse favorável. Passaram por cima de normas regimentais e do acordo do colégio de líderes de votar uma única vez cada tipo de financiamento proposto. Quiseram, junto da presidência da Câmara e a qualquer custo, sacramentar o que há de pior no financiamento eleitoral brasileiro.
Sobraram alguns erros neste passe: a Câmara não poderia votar duas vezes um mesmo conteúdo, visto que anteriormente essa proposta de financiamento já tinha sido rejeitada pela maioria. E o texto da emenda sugere que candidatos (pessoas físicas) não podem arrecadar os recursos das empresas, apenas partidos. Sofisma!
Ainda assim, não há a menor autorização da sociedade para a aprovação deste tipo de proposta. A Câmara caminhou no sentido contrário no que diz o coração das ruas. Em tempos de combate duro à corrupção, alimentar esta relação entre poder econômico e eleitos é favorecer os acordos anti-republicanos que já se avolumam nos inquéritos da Procuradoria Geral da República.
O resultado da doação empresarial nas campanhas é a grave distorção no resultado dos pleitos pelo país, favorecendo majoritariamente candidatos alinhados com o grande capital. Isso determina legislaturas mais conservadoras, com baixa representação de minorias e do mundo do trabalho.
No meu tempo, lá no subúrbio, o jogo de futebol até podia acabar de acordo com as vontades do dono da bola. Na política, contudo, a ótica se inverte. Quem manda neste jogo da reforma política são os 200 milhões de brasileiros que elegeram este Congresso Nacional, em 2014. É o povo que, dia a dia, clama por uma política mais honesta e ética. É hora de devolver a bola a quem de direito.
* Deputada Federal PCdoB/RJ Líder da bancada do PCdoB na Câmara
Originalmente publicado no Jornal do Brasil, Brasil Post, Brasil 247, Vermelho e El Comunista.
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