Lava-Jato: fim do PT ou da sociedade hierarquizada?
Se a cidadania e a democracia vencerem, a cultura da corrupção e a estrutura hierarquizada da sociedade brasileira é que podem ser as grandes derrotadas.
Por Alberto Koptikke [*]
Não é a primeira vez que um grande caso de corrupção vem à tona na história brasileira. É durante os curtos períodos democráticos de nossa história que eles aparecem, como ocorreu entre 1945 a 1964. Em 1946, por exemplo, uma Comissão de Inquérito descobriu um esquema que resultou no desvio equivalente a mais de R$ 380 milhões, feito nos guichês do Banco do Brasil, para financiar a campanha de 1945.
O problema é que essas denúncias foram na maioria das vezes utilizadas para abalar a confiança na democracia e/ou para destruir personalidades, em especial aqueles que ousassem atacar interesses econômicos das grandes famílias ou de nações estrangeiras. As mesmas nunca foram usadas incentivar a criação de um sistema de controle e combate à corrupção eficaz, que fosse capaz de romper a estrutura um sistema de justiça que protege ricos e criminaliza pobres (Kant de Lima, 1994), fruto de uma sociedade hierarquizada (Da Matta, 1981).
Para além dos objetivos que motivam os seus autores, a Operação Lava-Jato pode ter um significado histórico. Ao ter atingido o núcleo dirigente de um importante setor econômico do país, a Operação até o momento desmontou a histórica proteção, impunidade e privilégios de que gozavam as elites econômicas e que nos fazem uma das nações mais desiguais do mundo. Efetivamente, “nunca antes na história do país” os executivos de grandes conglomerados empresariais haviam ido para trás das grades (e lá permanecido), acusados de formarem uma organização criminosa contra o dinheiro público.
A AP 470, o chamado Mensalão, não teve a mesma dimensão. Ela tão somente criminalizou um determinado grupo político que realizava práticas correntes no financiamento de campanhas no país, sem atingir corruptores. E, até o momento, se caracteriza como um julgamento de exceção, pois não serviu de precedente para nenhum outro processo semelhante. Pelo contrário, o chamado Mensalão do PSDB e o Mensalão do DEM, que utilizavam os mesmos mecanismos, por decisão do mesmo STF, seguiram pelos caminhos tradicionais dos labirintos processuais que resultam em impunidade.
A Lava-Jato, no entanto, é diferente. Ela atacou um dos centros econômicos do sistema de corrupção e não de forma individualizada, mas de forma coletiva, demonstrando que não se tratava de mero desvio moral desse ou daquele indivíduo, mas de toda uma determinada cultura empresarial do país.
Ela tem o potencial para atingir o próprio conceito cultural do que seja “dar-se bem” no Brasil, que serve de inspiração para parte importante das elites econômicas. A Operação está na base da formação do capitalismo brasileiro, invariavelmente financiado por dinheiro público, seja pela estrutura tributária desigual, benefícios fiscais vultuosos, informações privilegiadas, cartéis em setores estratégicos ou a corrupção em si.
A Lava-Jato é a resultante de um longo e contraditório processo histórico que precisa ser compreendido como uma importante conquista da cidadania brasileira, mesmo que nesse momento esteja sendo utilizada largamente por forças contrárias a essa evolução.
O processo constituinte nos anos 80, embora não tenha decorrido de uma efetiva ruptura política com o antigo regime, pode ser identificado como um ponto fora da curva. Nele, forças sociais emergiram do longo período autoritário e as elites tradicionais perderam certa parcela do controle, durante a montagem da nova Carta Constitucional, na qual foram introduzidas relevantes conquistas.
Fruto do processo do Fora Collor, nos idos dos anos 90, que serviu de formação política mesmo para segmentos da juventude de alta renda, nasceu uma geração de jovens servidores públicos, como juízes, promotores e policiais federais, voltados ao combate à corrupção.
Nos anos 2000, a concepção antineoliberal do Governo Lula deu novo impulso às carreiras e instituições públicas, que haviam sido identificadas como onerosos custos de um Estado pesado que deveria ser desmanchado durante o Governo do PSDB, para agrado daqueles que efetivamente sempre tiveram sua força privada para gerir os recursos públicos.
Por fim, a dialética política, só possível em uma democracia, hoje faz com que antigos beneficiários de esquemas de corrupção (sejam atores políticos ou da grande mídia), no período em que estiveram no Governo, se demonstrem interessados no seu desmonte, afim de tentarem retomar o governo.
A questão toda é saber se a Lava-Jato será um julgamento de exceção, que somente está ocorrendo porque ataca o PT, ou efetivamente será um novo precedente e terá força para modificar a cultura do país.
Na Operação Satiagraha, que há poucos anos conseguiu identificar parte relevante dos bilionários desvios feitos durante as privatizações no Governo FHC, na qual o banqueiro Daniel Dantas ficou preso menos de 24 horas e foi solto duas vezes pelo Ministro Gilmar Mendes. Diferentemente, a Lava-Jato parece estar amparada em processos de investigação feitos dentro de melhores padrões legais e com boa qualidade probatória, que tendem a dificultar influencias de classe, que possam vir por dentro da alta cúpula do Judiciário.
O problema é que essas denúncias foram na maioria das vezes utilizadas para abalar a confiança na democracia e/ou para destruir personalidades, em especial aqueles que ousassem atacar interesses econômicos das grandes famílias ou de nações estrangeiras. As mesmas nunca foram usadas incentivar a criação de um sistema de controle e combate à corrupção eficaz, que fosse capaz de romper a estrutura um sistema de justiça que protege ricos e criminaliza pobres (Kant de Lima, 1994), fruto de uma sociedade hierarquizada (Da Matta, 1981).
Para além dos objetivos que motivam os seus autores, a Operação Lava-Jato pode ter um significado histórico. Ao ter atingido o núcleo dirigente de um importante setor econômico do país, a Operação até o momento desmontou a histórica proteção, impunidade e privilégios de que gozavam as elites econômicas e que nos fazem uma das nações mais desiguais do mundo. Efetivamente, “nunca antes na história do país” os executivos de grandes conglomerados empresariais haviam ido para trás das grades (e lá permanecido), acusados de formarem uma organização criminosa contra o dinheiro público.
A AP 470, o chamado Mensalão, não teve a mesma dimensão. Ela tão somente criminalizou um determinado grupo político que realizava práticas correntes no financiamento de campanhas no país, sem atingir corruptores. E, até o momento, se caracteriza como um julgamento de exceção, pois não serviu de precedente para nenhum outro processo semelhante. Pelo contrário, o chamado Mensalão do PSDB e o Mensalão do DEM, que utilizavam os mesmos mecanismos, por decisão do mesmo STF, seguiram pelos caminhos tradicionais dos labirintos processuais que resultam em impunidade.
A Lava-Jato, no entanto, é diferente. Ela atacou um dos centros econômicos do sistema de corrupção e não de forma individualizada, mas de forma coletiva, demonstrando que não se tratava de mero desvio moral desse ou daquele indivíduo, mas de toda uma determinada cultura empresarial do país.
Ela tem o potencial para atingir o próprio conceito cultural do que seja “dar-se bem” no Brasil, que serve de inspiração para parte importante das elites econômicas. A Operação está na base da formação do capitalismo brasileiro, invariavelmente financiado por dinheiro público, seja pela estrutura tributária desigual, benefícios fiscais vultuosos, informações privilegiadas, cartéis em setores estratégicos ou a corrupção em si.
A Lava-Jato é a resultante de um longo e contraditório processo histórico que precisa ser compreendido como uma importante conquista da cidadania brasileira, mesmo que nesse momento esteja sendo utilizada largamente por forças contrárias a essa evolução.
O processo constituinte nos anos 80, embora não tenha decorrido de uma efetiva ruptura política com o antigo regime, pode ser identificado como um ponto fora da curva. Nele, forças sociais emergiram do longo período autoritário e as elites tradicionais perderam certa parcela do controle, durante a montagem da nova Carta Constitucional, na qual foram introduzidas relevantes conquistas.
Fruto do processo do Fora Collor, nos idos dos anos 90, que serviu de formação política mesmo para segmentos da juventude de alta renda, nasceu uma geração de jovens servidores públicos, como juízes, promotores e policiais federais, voltados ao combate à corrupção.
Nos anos 2000, a concepção antineoliberal do Governo Lula deu novo impulso às carreiras e instituições públicas, que haviam sido identificadas como onerosos custos de um Estado pesado que deveria ser desmanchado durante o Governo do PSDB, para agrado daqueles que efetivamente sempre tiveram sua força privada para gerir os recursos públicos.
Por fim, a dialética política, só possível em uma democracia, hoje faz com que antigos beneficiários de esquemas de corrupção (sejam atores políticos ou da grande mídia), no período em que estiveram no Governo, se demonstrem interessados no seu desmonte, afim de tentarem retomar o governo.
A questão toda é saber se a Lava-Jato será um julgamento de exceção, que somente está ocorrendo porque ataca o PT, ou efetivamente será um novo precedente e terá força para modificar a cultura do país.
Na Operação Satiagraha, que há poucos anos conseguiu identificar parte relevante dos bilionários desvios feitos durante as privatizações no Governo FHC, na qual o banqueiro Daniel Dantas ficou preso menos de 24 horas e foi solto duas vezes pelo Ministro Gilmar Mendes. Diferentemente, a Lava-Jato parece estar amparada em processos de investigação feitos dentro de melhores padrões legais e com boa qualidade probatória, que tendem a dificultar influencias de classe, que possam vir por dentro da alta cúpula do Judiciário.
Porém, quando tende a isolar as investigações ao período de Governo do PT, como tentam fazer diariamente algumas grandes redes de comunicação, a Operação e os seus dirigentes correm o perigo de mais uma vez estar sendo mero instrumento político. Somente se não restringir a investigação ao momento da chegada do PT seus dirigentes vão demonstrar que está imbuída de imparcialidade e está determinada a quebrar as históricas barreiras de proteção de certos segmentos econômicos e políticos do país.
Seja lá o que a tenha causado objetivamente, como um desequilíbrio do status quo político do país, causado pela chegada do PT ao poder, os interesses dos EUA sobre o Petróleo brasileiro, seja pela evolução democrática do país, a Operação tem um importante potencial para abalar o muro invisível que separa o Brasil em diferentes estamentos sociais.
Se for resumida a uma disputa política e apresentada como responsabilidade do atual governo e do PT, ela perde totalmente seu potencial de transformação cultural. Se for compreendida como um ataque à formação hierarquizada da sociedade brasileira, ela pode ser um marco histórico, ao conseguir romper o sistema social em que o Sistema Judiciário e o Sistema Policial serviram (e ainda servem em boa medida) como mecanismo de controle dos excluídos e de proteção dos poderosos.
O grande desafio é saber quem vencerá a disputa pelo significado da Operação. Caso os setores democráticos que representam as elites, que tentam identificar a corrupção no país com os Governos Lula e Dilma (como fizeram com Getúlio), a Operação se restringirá à tentativa de derrotar o PT, para logo em seguida neutralizar todos os mecanismos de controle, como foi feito durante o Governo FHC. Se a disputa for vencida pelos representantes autoritários das elites, que tentam utilizá-la para abalar a confiança na democracia, poderemos chegar a ter um retrocesso autoritário como em 1964, onde os mecanismos de controle foram totalmente destruídos.
Se a cidadania e a democracia vencerem, a cultura da corrupção e principalmente a estrutura hierarquizada da sociedade brasileira é que podem ser as grandes derrotadas.
[*] Advogado, Vereador pelo PT em Porto Alegre
Referências
DA MATTA, Roberto. Universo do Carnaval: Imagens e Reflexões. Editora: Pinakotheke: 1981.
KANT DE LIMA, Roberto. Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 1994.
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