A economia dos Estados Unidos é um castelo de cartas (A House of Cards)


 

A economia dos Estados Unidos é um castelo de cartas. É fraudulenta em todos os seus aspectos, e a ilusão de sua recuperação é criada baseando-se em estatísticas também fraudulentas.

O próprio capitalismo americano é uma quimera. A manipulação prepondera em todos os mercados financeiros. A imensa liquidez despejada nos mercados financeiros pela política econômica denominada “Federal Reserve’s Quantitative Easing” aumenta o preço das ações, assim como o valor das obrigações e faz disparar as taxas de juros, o que, supostamente, seria uma conseqüência do custo do capital extremamente baixo, perto de zero ou mesmo negativo. Isso implica que o capital é tão abundante que se torna extremamente barato e pode ser tomado praticamente de graça.  Não se permite que vá à bancarrota qualquer tipo de grande empresa, como mega bancos ou montadoras de automóveis, mesmo que estejam a caminho da falência. Em vez disso, o aumento da dívida pública e a impressão de moeda são usados para cobrir os fracassos destas corporações privadas “grandes demais para falir”, que acabam por se manter com o nariz fora da água à custa não de seus próprios acionistas, mas do povo comum que não possui ações dessas corporações.

O lucro obtido através do uso eficiente desses recursos pelo capitalismo não se constitui em uma medida de bem estar social, quando auferidos pela soma dos recursos fáceis, acrescidas da substituição da mão de obra local pela estrangeira mais barata, pois essa prática acaba por corroer o poder de compra dos consumidores e aumenta a renda das corporações, resultando em um aumento da concentração desigual da riqueza. No século 21, a era do trabalho “offshoring” (deslocalizado, no sentido da procura das empresas por países onde a mão de obra seja mais barata [NT]) os Estados Unidos experimentaram uma explosão sem precedentes da renda e da desigualdade na distribuição da riqueza. Eu me referi a esta clara evidência do fracasso do capitalismo em promover o bem estar social no sentido econômico tradicional em meu livro The failure of Laissez-Faire Capitalism (O fracasso do Capitalismo Laissez-Faire), e o recém publicado livro de Thomas Picketty Capital in the 21st Century (O capital no século 21) nos traz um quadro preocupante da realidade em oposição à maneira como é vista por economistas tranquilos como Paul Krugman. O que mais preocupa Picketty é o quadro da desigualdade que ele descreve, mas eu concordo com Michael Hudson, para quem a situação é ainda mais preocupante do que a pinta Picketty. http://michael-hudson.com/2014/04/pickettys-wealth-gap-wake-up/


Os poderosos interesses privados que mantém sob controle os governos, os tribunais e as agências regulatórias metamorfosearam o capitalismo em um mecanismo de pilhagem. Nenhuma função positiva é executada por Wall Street. Wall Street é apenas mais uma máquina de saquear, um peso morto prejudicial à sociedade. Wall Street fabrica lucros, por meio de rápidas transações facilitadas por ágeis computadores, vendendo instrumentos financeiros fraudulentos, como por exemplo, o jogo predatório da utilização de títulos com boa classificação de crédito, através da alavancagem do capital próprio até níveis sem precedentes, resultando em apostas que não poderão ser honradas, e pela manipulação e aparelhagem de todos os mercados de commodities.

A ajuda a esse mecanismo gigantesco de pilhagem é fornecida pelo FED (Banco Central dos Estados Unidos) e o Tesouro Nacional, por meio do “Plunge Protection Team” (literalmente, time para proteção a fundo, o PPT composto pelo presidente do FED, o Secretário do Tesouro, e os chefes da SEC e da Associação de Commodities do Mercado Futuro – “entidade não formal” criada em 1987 por Ronald Reagan com a Ordem Executiva 12631 para – não há outras palavras – manipular o mercado através de derivativos, utilizando-se para isso da fraude dos preços da moeda, de ações e do ouro por meio de intervenções do Banco Central americano e do Tesouro Nacional – [NT]) que dão apoio ao mercado de ações com aquisições maciças no mercado de futuros e protegem o dólar de sua extraordinária impressão de moeda nova com operações a descoberto no mercado de futuro do ouro do Comex (comércio do Exterior).

A economia dos Estados Unidos já não é baseada em educação, trabalho duro, preços de mercado livre e a responsabilidade que o mercado livre real impõe. Em vez disso, a economia dos Estados Unidos é baseada atualmente na manipulação dos preços, controle especulativo das commodities, apoio ao dólar pelos Estados-fantoches de Washington, estatísticas oficiais ou falsificadas ou manipuladas, falsa propaganda pela mídia financeira e inércia de países como Rússia e China, que são prejudicados de maneira direta, tanto econômica quanto politicamente, pelo sistema de pagamento através do dólar.

Como os governos na maioria do resto do mundo são incompetentes, a incompetência de Washington não aparece tanto, e isto é a salvação dos EUA, mas não a dos americanos que vivem sob as regras impostas por Washington. Como todas as estatísticas mostram com clareza, a parcela da riqueza gerada que cabe à população dos Estados Unidos segue em constante declínio. Esse declínio significa o fim do mercado consumidor interno que sempre foi o pilar de sustentação da economia dos EUA. Agora que os mega ricos tem cada vez uma maior parcela da renda e da riqueza, o que acontecerá com a economia dos EUA, baseada na venda de importados e na produção externa de bens e serviços para um consumidor doméstico com a renda em declínio? Como poderá a grande maioria dos americanos comprar mais, se empobrecem continuamente há anos, o que os força a pedir ainda mais empréstimos a bancos que não querem emprestar?

A América na qual cresci era autossuficiente. O comércio exterior ainda era parte pequena na economia. Quando fui Secretário Assistente do Tesouro, os Estados Unidos ainda tinham excedente comercial com exceção do petróleo. A substituição dos trabalhadores americanos por mão de obra mais barata no exterior ainda não tinha começado e os lucros dos EUA com seus investimentos externos superavam o lucro obtido nos Estados Unidos pelos investidores estrangeiros. Por conseguinte, os lucros obtidos pela América através de seus investimentos no estrangeiro eram suficientes para cobrir o rombo de seu déficit energético na balança comercial.

A ganância desmesurada de Wall Street destruiu a estabilidade econômica obtida durante a administração Reagan. Hoje, as empresas são ameaçadas por aquisições por especuladores de Wall Stret se não realizarem altos lucros pela relocação de sua produção de bens e serviços em mercados americanos no exterior. O preço baixo pago por empresas americanas pelo uso de trabalhadores no exterior aumenta o lucro e o preço das ações e satisfaz ao desejo de Wall Street por sempre mais e mais lucros, mas significa o fim da melhora do estilo de vida dos Estados Unidos, exceto para os mega ricos. A desregulamentação financeira encheu a economia do risco de bolhas especulativas.

Os americanos são um povo incrivelmente otimista, mas enfrenta agora um outro tipo de pessoas que acabaram por queimar Wall Street até os alicerces. Já Washington está preocupado apenas em lançar a culpa de todos os seus problemas e em abusar de forma interminável de governos estrangeiros como o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a China ou a Rússia.

O povo americano, ao mesmo tempo passivo e esperançoso, é um alvo ideal para saqueadores, e sua economia, explorada até o osso, é um castelo de cartas. 
 
Paul Craig Roberts, economista norte-americano

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