Revista Princípios lança edição sobre os 50 anos do golpe militar
Sublinha a importância da busca, ainda inconclusa, da memória e da verdade acerca dos crimes e violações dos Direitos Humanos praticados pela ditadura; e destaca a luta pela ampliação da democracia que desde a redemocratização, em 1985, sempre esteve em pauta e que nos dias de hoje se insurge como uma imperativa necessidade para o avanço de um Novo Projeto Nacional.
Por Adalberto Monteiro*
As motivações do golpe e seus autores
O golpe militar de 1964, que impôs ao país a mais longa ditadura, foi patrocinado pelas classes dominantes e pelo imperialismo estadunidense. O golpe foi dado para ceifar a democracia que acabara de sair da semente e, também, para ferir de morte a mobilização e as jornadas dos estudantes, dos trabalhadores e dos camponeses pelas reformas de base. Foi tramado e executado para sepultar a tentativa do governo do presidente João Goulart de encaminhar o Brasil para a construção de um desenvolvimento que revertesse a enorme concentração de renda e propiciasse ao povo os direitos sociais que lhe eram vedados.
A partir dos anos 1960, o golpe no Brasil foi a primeira conta do macabro colar de golpes e ditaduras militares que infestaram a América Latina. Este ciclo sinistro brotou na estufa da Guerra Fria quando os Estados Unidos alinharam quase toda a América Latina sob a bandeira da contenção e do extermínio do comunismo.
E o povo pelas mãos da resistência foi à luta
Imposto o arbítrio, levantou-se a resistência democrática, nos primeiros anos, enquanto foi possível, com variadas formas de luta: mobilizações de rua, manifestos, greves, atos culturais. Mas, sobretudo, a partir do final de 1968, quando o regime passou a praticar um verdadeiro terror de Estado, setores da esquerda, entre eles os comunistas e também outros segmentos do campo político patriótico, destemidamente desencadearam a resistência armada.
O enfrentamento corajoso contra a truculência da ditadura elevou o ânimo da oposição e quebrou o mito de que o regime era inatingível. A democracia que hoje a Nação respira e sobre a qual busca se fortalecer foi à custa de muitas lutas e muitas vidas. Esta valente militância da resistência democrática, entre eles seus mártires, deve ser motivo de orgulho e inspiração para o necessário engajamento das jornadas da atualidade.
Exigências democráticas ainda não realizadas
Desde o fim da ditadura, em 1985, as forças progressistas lutam para construir e ampliar a democracia. A Constituição de 1988 e as realizações dos governos Lula e Dilma deram contribuições relevantes para isto. Contudo, importantes tarefas e exigências democráticas ainda não foram realizadas, mesmo 29 anos depois da redemocratização. Entre estas exigências se destacam o esclarecimento sobre o paradeiro das ossadas dos mortos e desaparecidos, o livre acesso aos arquivos oficiais, e a punição de agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos durante o regime militar.
O direito à memória e à verdade e a punição aos torturadores
Apesar das lacunas apontadas, uma grande vitória a constatar – como assinala o jornalista Bernardo Joffily – é que além da alta oficialidade militar que participou da ditadura, hoje na reserva, são poucos os que se apresentam como herdeiros daquele regime. De positivo também se assinala que as Forças Armadas se reconduziram ao papel e às tarefas fixadas pela Constituição federal. Contudo, quando se trata da contribuição cívica das Forças Armadas para o êxito do trabalho de regaste da Memória e da Verdade, nada, ou quase nada, se deu nesta direção. Tampouco o comando das Três Armas pediu desculpas pelas atrocidades perpetradas.
A consciência democrática nacional não aceita que até hoje se negue às famílias dos mortos e desaparecidos o direito humanitário de enterrarem os restos mortais de seus entes e, igualmente, se negue ao povo o direito de saber quem são os responsáveis pelos assassinatos e em que circunstâncias eles foram cometidos. Há, entretanto, de se reconhecer os esforços e o trabalho da Comissão de Anistia, da Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos, e da Comissão Nacional da Verdade – esta última criada no governo da presidenta Dilma –, para cumprirem o dever do Estado de proporcionar ao povo a verdade sobre os crimes e lançar luzes sobre a memória daqueles que foram vítimas das atrocidades e ressaltar a dignidade e o destemor de quem foi à luta.
A tortura, a execução de prisioneiros, o desumano ato de ocultação de corpos e até a macabra prática de decapitação de cadáveres foram perpetrados pelos agentes da ditadura. Tais crimes são afrontosos aos direitos humanos, aos elementares preceitos da civilização. O campo político progressista não tem índole e nem interesse em cultivar ódio e ressentimentos. Mas, a consciência democrática, corretamente, repele a noção de “anistia” a tais monstruosidades, exige que aqueles que as praticaram sejam punidos.
Ampliar a democracia, impedir retrocessos
É preciso que se diga que o golpismo segue presente no “DNA” das forças reacionárias, como ficou demonstrado, em 2005, quando tais forças, na esteira do chamado “mensalão”, tentaram paralisar o governo do presidente Lula. Mais do que isso: se movimentaram para tentar cassar o legítimo mandato do presidente. Desta feita, sem o apoio dos quartéis, recorreram ao poder de fogo dos grandes veículos de comunicação.
A melhor arma para impedir retrocessos é ampliar a democracia. Aliás, como ficou claro nas manifestações de junho de 2013, o sistema político brasileiro tal como está configurado sofre de uma crise de representatividade. Podem ser assinaladas algumas causas desse fato: os Poderes da República brasileira são atingidos por um fenômeno mundial que aqui também se faz presente: o poderio da oligarquia financeira que avilta a democracia; a liberdade de imprensa e de expressão sufocadas pelo monopólio midiático; a corrupção e outras consequências negativas do financiamento privado das campanhas eleitorais.
Sobretudo, nos últimos 11 anos de governo, a democracia, sempre ceifada ou sufocada na história da República, ganhou força. O desafio que se apresenta, agora, na simbólica data do cinquentenário do golpe, é ampliá-la e fortalecê-la com a imediata realização da reforma política democrática e a valorização crescente dos movimentos e entidades de representação do povo e dos trabalhadores.
Meio século depois, o golpe e a ditadura militar, para além de uma mera efeméride, ainda pulsam na história viva do país, como reflexão, luta e acervo de lições para as batalhas do presente.
*Adalberto Monteiro é editor da Revista Princípios, presidente da Fundação Maurício Grabois e secretário Nacional de Formação e Propaganda do PCdoB
(1) A capa e o editorial desta edição foram ilustradas por obras do pintor equatoriano Oswaldo Guayasamín que retratou com uma dramaticidade estética ímpar o sofrimento de vítimas das ditaduras na América Latina.
O golpe militar de 1964, que impôs ao país a mais longa ditadura, foi patrocinado pelas classes dominantes e pelo imperialismo estadunidense. O golpe foi dado para ceifar a democracia que acabara de sair da semente e, também, para ferir de morte a mobilização e as jornadas dos estudantes, dos trabalhadores e dos camponeses pelas reformas de base. Foi tramado e executado para sepultar a tentativa do governo do presidente João Goulart de encaminhar o Brasil para a construção de um desenvolvimento que revertesse a enorme concentração de renda e propiciasse ao povo os direitos sociais que lhe eram vedados.
A partir dos anos 1960, o golpe no Brasil foi a primeira conta do macabro colar de golpes e ditaduras militares que infestaram a América Latina. Este ciclo sinistro brotou na estufa da Guerra Fria quando os Estados Unidos alinharam quase toda a América Latina sob a bandeira da contenção e do extermínio do comunismo.
E o povo pelas mãos da resistência foi à luta
Imposto o arbítrio, levantou-se a resistência democrática, nos primeiros anos, enquanto foi possível, com variadas formas de luta: mobilizações de rua, manifestos, greves, atos culturais. Mas, sobretudo, a partir do final de 1968, quando o regime passou a praticar um verdadeiro terror de Estado, setores da esquerda, entre eles os comunistas e também outros segmentos do campo político patriótico, destemidamente desencadearam a resistência armada.
O enfrentamento corajoso contra a truculência da ditadura elevou o ânimo da oposição e quebrou o mito de que o regime era inatingível. A democracia que hoje a Nação respira e sobre a qual busca se fortalecer foi à custa de muitas lutas e muitas vidas. Esta valente militância da resistência democrática, entre eles seus mártires, deve ser motivo de orgulho e inspiração para o necessário engajamento das jornadas da atualidade.
Exigências democráticas ainda não realizadas
Desde o fim da ditadura, em 1985, as forças progressistas lutam para construir e ampliar a democracia. A Constituição de 1988 e as realizações dos governos Lula e Dilma deram contribuições relevantes para isto. Contudo, importantes tarefas e exigências democráticas ainda não foram realizadas, mesmo 29 anos depois da redemocratização. Entre estas exigências se destacam o esclarecimento sobre o paradeiro das ossadas dos mortos e desaparecidos, o livre acesso aos arquivos oficiais, e a punição de agentes do Estado que praticaram torturas e outras violações dos direitos humanos durante o regime militar.
O direito à memória e à verdade e a punição aos torturadores
Apesar das lacunas apontadas, uma grande vitória a constatar – como assinala o jornalista Bernardo Joffily – é que além da alta oficialidade militar que participou da ditadura, hoje na reserva, são poucos os que se apresentam como herdeiros daquele regime. De positivo também se assinala que as Forças Armadas se reconduziram ao papel e às tarefas fixadas pela Constituição federal. Contudo, quando se trata da contribuição cívica das Forças Armadas para o êxito do trabalho de regaste da Memória e da Verdade, nada, ou quase nada, se deu nesta direção. Tampouco o comando das Três Armas pediu desculpas pelas atrocidades perpetradas.
A consciência democrática nacional não aceita que até hoje se negue às famílias dos mortos e desaparecidos o direito humanitário de enterrarem os restos mortais de seus entes e, igualmente, se negue ao povo o direito de saber quem são os responsáveis pelos assassinatos e em que circunstâncias eles foram cometidos. Há, entretanto, de se reconhecer os esforços e o trabalho da Comissão de Anistia, da Comissão Especial sobre os Mortos e Desaparecidos Políticos, e da Comissão Nacional da Verdade – esta última criada no governo da presidenta Dilma –, para cumprirem o dever do Estado de proporcionar ao povo a verdade sobre os crimes e lançar luzes sobre a memória daqueles que foram vítimas das atrocidades e ressaltar a dignidade e o destemor de quem foi à luta.
A tortura, a execução de prisioneiros, o desumano ato de ocultação de corpos e até a macabra prática de decapitação de cadáveres foram perpetrados pelos agentes da ditadura. Tais crimes são afrontosos aos direitos humanos, aos elementares preceitos da civilização. O campo político progressista não tem índole e nem interesse em cultivar ódio e ressentimentos. Mas, a consciência democrática, corretamente, repele a noção de “anistia” a tais monstruosidades, exige que aqueles que as praticaram sejam punidos.
Ampliar a democracia, impedir retrocessos
É preciso que se diga que o golpismo segue presente no “DNA” das forças reacionárias, como ficou demonstrado, em 2005, quando tais forças, na esteira do chamado “mensalão”, tentaram paralisar o governo do presidente Lula. Mais do que isso: se movimentaram para tentar cassar o legítimo mandato do presidente. Desta feita, sem o apoio dos quartéis, recorreram ao poder de fogo dos grandes veículos de comunicação.
A melhor arma para impedir retrocessos é ampliar a democracia. Aliás, como ficou claro nas manifestações de junho de 2013, o sistema político brasileiro tal como está configurado sofre de uma crise de representatividade. Podem ser assinaladas algumas causas desse fato: os Poderes da República brasileira são atingidos por um fenômeno mundial que aqui também se faz presente: o poderio da oligarquia financeira que avilta a democracia; a liberdade de imprensa e de expressão sufocadas pelo monopólio midiático; a corrupção e outras consequências negativas do financiamento privado das campanhas eleitorais.
Sobretudo, nos últimos 11 anos de governo, a democracia, sempre ceifada ou sufocada na história da República, ganhou força. O desafio que se apresenta, agora, na simbólica data do cinquentenário do golpe, é ampliá-la e fortalecê-la com a imediata realização da reforma política democrática e a valorização crescente dos movimentos e entidades de representação do povo e dos trabalhadores.
Meio século depois, o golpe e a ditadura militar, para além de uma mera efeméride, ainda pulsam na história viva do país, como reflexão, luta e acervo de lições para as batalhas do presente.
*Adalberto Monteiro é editor da Revista Princípios, presidente da Fundação Maurício Grabois e secretário Nacional de Formação e Propaganda do PCdoB
(1) A capa e o editorial desta edição foram ilustradas por obras do pintor equatoriano Oswaldo Guayasamín que retratou com uma dramaticidade estética ímpar o sofrimento de vítimas das ditaduras na América Latina.
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