Monopólio da mídia está de olho no Marco Civil da Internet

Por Deborah Moreira[*]
Para manter o controle e o monopólio da informação, a Rede Globo mantém uma equipe de 94 advogados que monitoram a rede e produzem, em média, 154 notificações por dia para a retirada de conteúdos em sites e blogs. A informação é do jornalista Daniel Castro, especialista em TV, no site Notícias da TV. Agora, a emissora tenta de todas as formas manter seu poderio pressionando os parlamentares para alterar o Marco Civil da Internet em seu benefício.
 
 Seminário sobre "Arquitetura e Governança na Internet" atrai centenas em busca de informação sobre como funciona a rede. Ao final, os participantes foram convidados a debater o tema / fotos: Deborah Moreira
 
 
Já se sabe que nem sempre a proteção aos direitos autorais privilegia de fato o autor que acaba recebendo somente uma porcentagem dos direitos, enquanto que a maior parte vai para a empresa que comercializa o produto. No caso do projeto de lei que institui o Marco Civil e tramita na Câmara em regime de urgência, as organizações Globo querem interferir sobre o texto original criando um dispositivo que cerceia nossas atividades na rede, com base na lei de direitos autorais (copyright).

“Incluíram, no final do ano passado, um parágrafo no artigo 15 no texto do Marco Civil, a pedido da Rede Globo de televisão”, afirmou Sérgio Amadeu, pesquisador das relações entre comunicação e tecnologia, práticas colaborativas na Internet e da teoria da propriedade dos bens imateriais, que participou de uma mesa sobre arquitetura e governança na internet no “Seminário Liberdade, Privacidade e o Futuro da Internet”, promovido no Centro Cultural São Paulo, pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e Boitempo Editorial, com apoio da Agência Pública, na quarta-feira (18).

De acordo com o pesquisador, o artigo 15 define que um provedor de acesso só pode ser responsabilizado por um conteúdo somente depois de uma ordem judicial, caso ele não retire o conteúdo em questão. Além disso, o Parágrafo 1º desse artigo regulamenta que a ordem judicial não pode ser qualquer uma, deve ser precisa e circunstanciada para evitar situações esdrúxulas como o caso da apresentadora Daniela Cicarelli que, em 2007, o juiz determinou que todo o Youtube fosse retirado do ar, ao invés de retirar só vídeo.

“Agora, eles [lobistas da Globo] enfiaram o parágrafo 2º que diz que o caput deste artigo não vale quando a denúncia tratar de violação de direitos do autor e conexos. O que isso significa? Quando tratar de uma denúncia feita a um provedor para tirar uma foto de um blog, por exemplo, ele deverá tirar do ar sem a necessidade de ordem judicial. Além de controverso, vai virar uma indústria da censura instantânea. E vocês acham que um provedor que quer ganhar dinheiro vendendo acesso vai ficar analisando se a denúncia procede ou não? Então vai ter uma luta política no Brasil”, explicou Sérgio Amadeu, que lembrou que o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o qual ele integra, esteve com a presidenta Dilma Rousseff no início desta semana e expôs a situação. De acordo com Amadeu, “ela [a presidenta Dilma] disse que também não concordava com isso [a alteração] e pediu para que se tomássemos providências.”

Então, como equacionar a liberdade que temos atualmente no país dentro de plataformas privadas como o Facebook que, na avaliação dele “pratica censura” por ter excluído fotos, por exemplo, da Marcha das Vadias contra o sexismo, onde havia mulheres com os seios de fora. “No Marco Civil, a proposta enviada pelo governo garante a liberdade de criação de navegação e de criação de tecnologia. Eu para criar uma nova tecnologia na internet não peço autorização de ninguém, nem para corporação, nem para o Estado. Se quebrar a neutralidade da rede, as operadoras terão o controle dessa tecnologia”, ponderou.

O Marco Civil da Internet surgiu para contrapor o AI-5 Digital, lei de crimes da internet proposta pelo então senador Eduardo Azeredo, que transformava práticas cotidianas na internet em crimes. "Transformava compartilhamento de arquivos em crimes. Transformava desbloqueio de celular em crime. Transformava cópia e 'ripagem' de CD pra passar para seu próprio computador [uso pessoal] em crime", enfatizou Sérgio Amadeu, que reforçou que o texto original do projeto de lei é bastante avançado, tendo em vista que foi produzido de forma colaborativa pela sociedade civil. “Nós lutamos contra essa lei e fizemos mais de duas mil contribuições na época, em um site, e o ministério da Justiça assumiu as propostas e enviou para o Congresso Nacional. Mas que lei vai ser votada? Se for a lei produzida inicialmente e enviada ao Congresso, nós somos a favor porque ela garante a liberdade. Ela garante a privacidade, ela garante a neutralidade na rede".
Ele lembrou que essa é uma luta mundial. Nos Estados Unidos há "essa briga" e países como Holanda e Chile já aprovaram leis similares, que garantem que todos os dados sejam tratados igualmente, recebendo a mesma velocidade - o conceito de neutralidade. “Em todo lugar do mundo está tendo essa briga, que é para impedir que quem controla os cabos por onde circulam as informações também controle as informações que circulam por entre eles. Então, quando o Anonymous vem dizer que são contra o Marco Civil, eu gostaria que eles não se aliassem às operadoras de Telecom [telecomunicações], que eles não se aliassem aqueles que querem filtrar o tráfego. Eu peço para eles voltarem à origem dos Anonymous nos Estados Unidos, que é a luta contra quem quer nos vigiar, contra a censura”, exclamou Sergio Amadeu, se referindo a um vídeo que começou a circular nesta semana de autoria de um grupo identificado por Anonymous, que ataca o Marco Civil. De acordo com o especialista, existem dezenas de grupos Anonymous.

Sergio Amadeu falou ainda sobre o porquê as operadoras de telecom querem “filtrar” o tráfego na internet. Para ilustrar, comparou com a energia elétrica, exemplo dado pela engenheira eletrônica Tereza Cristina Carvalho, que integra o conselho diretor do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores (Larc), ambos os laboratórios de pesquisa do PCS (Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que também integrou a mesa.

Da esquerda para a direita, integrantes da primeira mesa do seminário: Sérgio Amadeu, João Brandt, da secretaria de Cutlura, que foi mediador, e Teresa Cristina Carvalho
“O exemplo da energia elétrica é brilhante. Sabe por quê? Pense se a energia elétrica fosse gerida como eles [operadoras de Telecom] gerem a banda larga na cidade de São Paulo. Quando chega o horário que todo mundo entra na internet, eles não aumentam a quantidade de bits disponíveis em sinais luminosos na rede, fica igual. Então, quanto mais gente pendura na rede, mais a velocidade de conexão cai porque ela vai sendo dividida. Agora imagine se fosse assim com a energia elétrica?”, comparou.

“Nós não podemos concordar que eles não invistam em infraestrutura de Telecom. Se eles querem vender um negócio de telecom, que eles acompanhem o uso de bits que é crescente. O uso de bits daqui a dois anos é estimado em 1.4 zetabytes, que representa um milhão de vídeos, de um giga cada, assistidos o tempo todo, todo dia. E eles dizem que isso não podem nos ofertar. Então, mudem de negócio”, exclamou Amadeu, que apontou em direção ao cerne da questão: o desmantelamento do sistema de telecomunicações, com sua privatização, que ocorreu durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Vigilância ‘global’
Os 94 advogados da Rede Globo têm como atributo combater a propagação das imagens da emissora pela internet que resultam 154 notificações por dia, em média, para retirar do ar vídeos que reproduzem parte de sua programação por dezenas de sites e canais no YouTube como cenas de novelas, trechos de programas, reportagens e entrevistas. A emissora só admite que esse material esteja disponível na internet apenas em seu portal, que cobra pelo acesso de íntegras de programas, mas libera trechos gratuitamente.


* Redação Vermelho

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