Pelo Direito à Saúde


Queremos o SUS como plano e não de plano de Sáude
Por Ana Maria Costa

Doença e saúde são estados em tensão permanente, no qual o equilíbrio e desequilíbrio surgem como expressão da  vulnerabilidade humana. Se antes a doença era atribuída apenas aos fatores e agentes biológicos de agressão aos humanos, hoje esta visão está superada pelo conceito no qual saúde resulta de um processo de determinação social, explicando as desigualdades e iniquidades relacionadas à classe, raça e etnia, gênero, moradia, renda, trabalho, entre outros fatores que determinam a saúde de indivíduos, famílias e grupos sociais.

Nesse contexto, a saúde passa a ser um conceito complexo, resultante de políticas universais para a qualidade de vida, e sua conquista depende da democratização dos bens sociais provenientes de um projeto de desenvolvimento comprometido com a justiça e inclusão social. O papel do setor é imprescindível no atendimento e no cuidado às pessoas , tanto nos aspectos da prevenção e promoção, como no restabelecimento do estado de saúde.

A Constituição Brasileira perseguiu esse conceito da determinação social quando tratou do tema da saúde como uma responsabilidade do Estado e um direito universal proporcionado por políticas econômicas e sociais. Entendeu a Constituição a importância estratégica da saúde para o desenvolvimento nacional, que não pode ser remetida aos interesses de mercado que operam sob uma lógica incompatível com a saúde. Foi criado o Sistema Único de Saúde, público, universal e integral, gratuito para toda população e resolutivo de todas as necessidades e demandas das pessoas e coletividades.

 O povo brasileiro ganhou muito com a compreensão sobre a saúde adotada pela Constituição, mas não ampliou sua consciência política a respeito destas conquistas. A universalidade proporcionada pelo fim do acesso aos serviços de saúde aos trabalhadores do mercado formal exigiu novas responsabilidades e arranjos do SUS para o cumprimento dos princípios constitucionais, produzindo um esperado caos no sistema.

 Esse quadro poderia ter sido facilmente superado se os governos pós-constitucionais tivessem dado, de fato, prioridade e financiamento adequado à saúde. Ao contrário, a saúde vem penando ao longo desses 25 anos  com um sub-financiamento incompatível  com as bases e princípios do SUS sobrevivendo  aos problemas de qualidade de gestão e controle, deficiência de insumos, condições de trabalho, recursos humanos entre outros.

Com a baixa qualidade frequente do atendimento no SUS, cresceu o mercado dos planos privados de saúde individuais e coletivos, principalmente pelo fato de que os trabalhadores do mercado formal passaram a ser atendidos pelos planos empresariais.

 As relações de dependência parasita dos planos de saúde em relação ao SUS tem sido estudadas assim como hoje são bem conhecidos os problemas e a baixa qualidade dos serviços de atendimento à saúde ofertados por planos privados.

O gasto das famílias com saúde é a maior fatia do PIB setorial. Mesmo assim, é desejo das classes médias, real ou “emergente”, dispor de um plano de saúde privado. Esta situação é lenha na fogueira do processo eleitoral que o país viverá a partir do próximo ano. Seria hora de pensar e decidir sobre o país e a saúde que queremos: o direito ou o mercado?

Se o povo brasileiro elege o seu direito à saúde em reforço ao que já conquistou na Constituição, é hora de mobilizar e lutar pelo SUS de qualidade, com transparência e participação social, com financiamento adequado e boa gestão centrada nos interesses públicos e nos usuários do sistema.

O Movimento em Defesa da Saúde chamado Saúde+10, que hoje agrega mais de 100 entidades nacionais mobilizadas na coleta de assinaturas para, somando 1400.000 eleitores, apresentar um projeto de lei de iniciativa popular pela destinação de 10% das receitas brutas da União para o SUS,  é a retomada de uma grande luta pela melhoria da assistência e do cuidado a saúde de todos os brasileiros.

Muitas outras tarefas virão e a participação de todos será muito necessária… A escolha do caminho do direito à saúde exige reconhecer que teremos muita luta pela frente e muitos confrontos entre  interesses diversos no interior do estado nacional. Entretanto, desistir dessa luta é entregar definitivamente nossa saúde ao mercado cuja lógica regida pela ganância por lucros com a vulnerabilidade humana rompe o tecido social solidário que as futuras gerações esperam do país.

* Ana Maria Costa é Presidente do Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde.

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