MERCADO MUNDIAL E FORMAS POLÍTICAS
Círculo Operário |
Por Zedotoko Costa[*]
No
Manifesto comunista, às vésperas de 1848, Marx e Engels afirmam que
“as demarcações e os antagonismos nacionais entre os povos
desapareceram cada vez mais com o desenvolvimento da burguesia, com a
liberdade do comércio e o mercado mundial, com a uniformidade da
produção e as condições de existência que lhe correspondem”.
O
desenvolvimento capitalista significa a criação de um mercado
mundial que tem, precisamente, características uniformes, mas ritmos
diferenciados. Os modos pré-capitalistas de produção, no entanto,
apresentavam diferenças tanto em qualidade como em quantidade de
seus fatores e não constituíam de fato um mercado mundial, embora
incluíssem fluxos mais ou menos extensos de troca mercantil. É a
uniformidade da produção industrial capitalista que constitui o
mercado mundial.
Quando
o marxismo afirma que a economia determina a política argumenta que,
em última instância, é o mercado mundial que determina a política
em qualquer área do mundo e, portanto, a vida política dos Estados.
Apenas nessa visão ampla do espaço e do tempo é que pode ser
compreendida e verificada a concepção materialista da política, a
qual não pode ser reduzida a uma fórmula mecanicista para cada
situação contingente.
Há
momentos em que, sem dúvida, os elementos da superestrutura
refletem, com rápida correspondência, o movimento da estrutura
econômica. Nesses momentos, as correntes políticas, e às vezes as
personagens políticas individualmente, refletem diretamente os
interesses e as tendências das frações da classe dominante e, às
vezes, os interesses e as tendências dos diferentes grupos
capitalistas. Pode-se dizer que quanto mais o capitalismo alcança a
sua maturidade imperialista, mais se torna direta tal correspondência
entre correntes políticas e grupos econômicos, como já observava
Lênin em seu estudo sobre o imperialismo e como décadas de história
imperialista estão demonstrando.
A
pluralidade dos grupos capitalistas reflete-se no pluralismo político
e aos vários centros de poder econômico corresponde uma variedade
de posições políticas. A democracia como forma específica do modo
de produção capitalista é, nesse sentido, o melhor invólucro,
isto é, o invólucro mais funcional, do mecanismo de expressão dos
interesses econômicos, dos grupos da classe dominante, em vontades e
decisões políticas.
O
invólucro democrático permite que o mecanismo de determinação
funcione com o mínimo de atritos e o máximo de resultados, dado que
facilita a formação do interesse geral da classe dominante,
compondo os seus interesses particulares e setoriais. Também por
essa funcionalidade, a democracia é o invólucro onde se manifesta
mais claramente a determinação política pela economia. Isso se
manifesta de forma ainda mais clara quando se consideram, como ensina
Lênin, os vários aspectos e as várias gradações de democracia
que não se esgotam apenas no parlamentarismo, que apresentam formas
múltiplas de representação, que se ramificam ainda mais na
sociedade do que no Estado.
Portanto,
quando se analisa todos os diferentes aspectos da superestrutura,
pode-se ver claramente o quanto eles são determinados pela
estrutura. A soma de superestruturas corresponde, definitivamente, à
soma dos interesses expressos politicamente pelas frações e pelos
grupos da classe dominante. É a soma das diversas instituições e
organizações presentes no Estado e, acima de tudo, na sociedade. É
a soma pluralista que a concentração capitalista na fase
imperialista não anula, mas, na verdade, exalta porque cada grande
grupo terá necessariamente que encontrar expressão nela.
Esse
processo é tão forte que o pluralismo dos grandes grupos na fase
imperialista e sua determinação direta da política transcendem a
forma democrática. Ainda que esta seja o melhor invólucro, o
conteúdo do pluralismo dos grandes grupos capitalistas encontra em
invólucro também na forma fascista. Apenas
quem não analisou cientificamente a forma fascista pode pensar que
os grandes grupos capitalistas não expressam nela suas correntes
políticas e seu choque de interesses.
O
pluralismo, mais do que uma ideologia, é uma realidade econômica
onde há empresas que lutam para ascender e outras que lutam para não
decair. É uma das muitas manifestações da lei de desenvolvimento
desigual do capitalismo. Dessa lei resulta o processo pelo qual a
política, que tem em geral limites locais ou nacionais, porque é
determinada pela economia, a qual não tem tais
limites porque é
mercado mundial. Essa contradição real foi o primeiro grande
problema que a concepção materialista da política, a ciência de
Marx e de Engels, teve de enfrentar. O Estado é Estado-nação, a
estrutura é o mercado mundial que engloba e conecta toda célula
produtiva, e é essa estrutura que determina a política e, portanto,
o Estado nacional. Descrever este mecanismo de determinação tem
sido uma das tarefas mais difíceis do marxismo, mas também aquela
onde melhor demonstrou e pode demonstrar sua validade e fecundidade
científica.
Ele
pôde cumpri-la somente depois de estabelecer uma teoria correta do
mercado mundial, uma teoria
que permitisse analisar o processo de desenvolvimento e as tendências
fundamentais da economia internacional. Ele pode continuar a
cumpri-la unicamente sob a condição de conseguir identificar as
tendências de fundo que emergem de uma realidade tão gigantesca e
em constante movimento. Se o marxismo continuar a analisar o mercado
mundial, assim como a escola marxista tem feito e ensinado, a
identificação do mecanismo de determinação da política não
apresentará obstáculos intransponíveis. Ou melhor, ela
continuará a ser uma tarefa secundária e derivada, sendo a da
análise do mercado mundial primária e indispensável.
O
Estado nacional está dentro de um sistema de Estados e, de qualquer
maneira, mesmo através desse sistema, seus atos políticos são
determinados pelo mercado mundial. É apenas uma questão de tempo.
Inevitavelmente, o movimento do mercado mundial acabará determinando
um movimento no sistema de Estados e, consequentemente, no Estado
nacional.
Para
nós, hoje, tudo isso pode ser verificado em curto prazo e a
confirmação de nossa teoria é uma questão de anos. Para Marx e
Engels, a confirmação veio depois de toda uma vida, demonstrando
assim a solidez e clarividência dos fundamentos de sua ciência.
Pensaram que o desenvolvimento do mercado mundial levaria à
revolução democrático burguesa na Europa de 1848. Em vez disso,
levou às “revoluções pelo alto” e às formas políticas do
bonapartismo e do bismarckismo. Só depois de décadas de
desenvolvimento capitalista e da formação de novos Estados
nacionais, a forma específica do capital, a forma democrática,
generalizou-se
e assumiu, em seguida, gradações e desvios. A história teve que
esperar, mas a ciência esperou com sua certeza.
*Colaborador
Fonte: Cervetto, Arrigo - Invólucro Político.
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