Azenha: “Globo consegue o que a ditadura não conseguiu: calar imprensa alternativa”
Meu
advogado, Cesar Kloury, me proíbe de discutir especificidades sobre
a sentença da Justiça carioca que me condenou a pagar 30 mil reais
ao diretor de Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel, supostamente
por mover contra ele uma “campanha difamatória” em 28 posts do
Viomundo, todos ligados a críticas políticas que fiz a Kamel em
circunstâncias diretamente relacionadas à campanha presidencial de
2006, quando eu era repórter da Globo.
Por
Luiz Carlos Azenha*, no blog Viomundo
Lembro:
eu não era um qualquer, na Globo, então. Era recém-chegado de ser
correspondente da emissora em Nova York. Fui o repórter destacado
para cobrir o candidato tucano Geraldo Alckmin durante a campanha de
2006. Ouvi, na redação de São Paulo, diretamente do então editor
de economia do Jornal Nacional, Marco Aurélio Mello, que tinha sido
determinado desde o Rio que as reportagens de economia deveriam ser
“esquecidas”– tirar o pé, foi a frase — porque supostamente
poderiam beneficiar a reeleição de Lula.
Vi
colegas, como Mariana Kotscho e Cecília Negrão, reclamando que a
cobertura da emissora nas eleiçà µes presidenciais não era
imparcial.
Um
importante repórter da emissora ligava para o então ministro da
Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizendo que a Globo pretendia
entregar a eleição para o tucano Geraldo Alckmin. Ouvi o
telefonema. Mais tarde, instado pelo próprio ministro, confirmei o
que era também minha impressão.
Pessoalmente,
tive uma reportagem potencialmente danosa para o então candidato a
governador de São Paulo, José Serra, censurada. A reportagem dava
conta de que Serra, enquanto ministro, tinha autorizado a maior parte
das doações irregulares de ambulâncias a prefeituras.
Quando
uma produtora localizou no interior de Minas Gerais o ex-assessor do
ministro da Saúde Serra, Platão Fischer-Puller, que poderia
esclarecer aspectos obscuros sobre a gestão do ministro no governo
FHC, ela foi desencorajada a perseguí-lo, enquanto todos os recursos
da emissora foram destinados a denunciar o contador do PT Delúbio
Soares e o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, este posteriormente
absolvido de todas as acusações.
Tive
reportagem sobre Carlinhos Cachoeira — muito mais tarde revelado
como fonte da revista Veja para escândalos do governo Lula —
‘deslocada’ de telejornal mais nobre da emissora para o Bom Dia
Brasil, como pode atestar o então editor Marco Aurélio Mello.
Num
episódio específico, fui perseguido na redação por um feitor
munido de um rádio de comunicação com o qual falava diretamente
com o Rio de Janeiro: tratava-se de obter minha assinatura para um
abaixo-assinado em apoio a Ali Kamel sobre a co bertura das eleições
de 2006.
Considero
que isso caracteriza assédio moral, já que o beneficiado pelo
abaixo-assinado era chefe e poderia promover ou prejudicar
subordinados de acordo com a adesão.
Argumentei,
então, que o comentarista de política da Globo, Arnaldo Jabor,
havia dito em plena campanha eleitoral que Lula era comparável ao
ditador da Coréia do Norte, Kim Il-Sung, e que não acreditava ser
essa postura compatível com a suposta imparcialidade da emissora.
Resposta do editor, que hoje ocupa importante cargo na hierarquia da
Globo: Jabor era o “palhaço” da casa, não deveria ser levado a
sério.
No
dia do primeiro turno das eleições, alertado por colega, ouvi uma
gravação entre o delegado da Polícia Federal Edmilson Bruno e um
grupo de jornalistas, na qual eles combinavam como deveria ser feito
o vazamento das fotos do dinheiro que teria sido usado pelo PT para
comprar um dossiê contra o candidato Serra.
Achei
o assunto relevante e reproduzi uma transcrição — confesso,
defeituosa pela pressa – no Viomundo.
Fui
advertido por telefone pelo atual chefão da Globo, Carlos Henrique
Schroeder, de que não deveria ter revelado em meu blog pessoal,
hospedado na Globo.com, informações levantadas durante meu trabalho
como repórter da emissora.
Contestei:
a gravação, em minha opinião, era jornalisticamente relevante para
o entendimento de todo o contexto do vazamento, que se deu exatamente
na véspera do primeiro turno.
Enojado
com o que havia testemunhado ao longo de 2006, inclusive com a
represália exercida contra colegas — dentre os quais Rodrigo
Vianna, Marco Aurélio Mello e Carlos Dornelles — e interessado
especialmente em conhecer o mundo da blogosfera — pedi
antecipadamente a rescisão de meu contrato com a emissora, na qual
ganhava salário de alto executivo, com mais de um ano de
antecedência, assumindo o compromisso de não trabalhar para outra
emissora antes do vencimento do contrato pelo qual já não recebia
salário.
Ou
seja, fiz isso apesar dos grandes danos para minha carreira
profissional e meu sustento pessoal.
Apesar
das mentiras, ilações e tentativas de assassinato de caráter,
perpretradas pelo jornal O Globo* e colunistas associados de Veja,
friso: sempre vivi de meu salário. Este site sempre foi mantido
graças a meu próprio salário de jornalista-trabalhador.
O
objetivo do Viomundo sempre foi o de defender o interesse público e
os movimentos sociais, sub-representados na mídia corporativa.
Declaramos oficialmente: não recebemos patrocínio de governos ou
empresas públicas ou estatais, ao contrário da Folha, de O Globo ou
do Estadão. Nem do governo federal, nem de governos estaduais ou
municipais.
Porém,
para tudo existe um limite. A ação que me foi movida pela TV Globo
(nominalmente por Ali Kamel) me custou R$ 30 mil reais em honorários
advocatícios.
Fora
o que eventualmente terei de gastar para derrotá-la. Agora, pensem
comigo: qual é o limite das O rganizações Globo para gastar com
advogados?
O
objetivo da emissora, ainda que por vias tortas, é claro: intimidar
e calar aqueles que são capazes de desvendar o que se passa nos
bastidores dela, justamente por terem fontes e conhecimento das
engrenagens globais.
Sou
arrimo de família: sustento mãe, irmão, ajudo irmã, filhas e
mantenho este site graças a dinheiro de meu próprio bolso e da
valiosa colaboração gratuita de milhares de leitores.
Cheguei
ao extremo de meu limite financeiro, o que obviamente não é o caso
das Organizações Globo, que concentram pelo menos 50% de todas as
verbas publicitárias do Brasil, com o equivalente poder político,
midiático e lobístico.
Durante
a ditadura militar, implantada com o apoio das Organizações Globo,
da Folha e do Estadão — entre outros que teriam se beneficiado do
regime de força — houve uma forte tentativa de sufocar os meios
alternativos de informação, dentre os quais destaco os jornais
Movimento e Pasquim.
Hoje,
através da judicialização de debate político, de um confronto que
leva para a Justiça uma disputa entre desiguais, estamos fadados ao
sufoco lento e gradual.
E,
por mais que isso me doa profundamente no coração e na alma, devo
admitir que perdemos. Não no campo político, mas no financeiro.
Perdi. Ali Kamel e a Globo venceram. Calaram, pelo bolso, o Viomundo.
Estou
certo de que meus queridíssimos l eitores e apoiadores encontrarão
alternativas à altura. O certo é que as Organizações Globo, uma
das maiores empresas de jornalismo do mundo, nominalmente
representadas aqui por Ali Kamel, mais uma vez impuseram seu
monopólio informativo ao Brasil.
Eu
os vejo por aí.
PS
do Viomundo: Vem aí um livro escrito por mim com Rodrigo Vianna,
Marco Aurelio Mello e outras testemunhas — identificadas ou não —
narrando os bastidores da cobertura da eleição presidencial de 2006
na Globo, além de retratar tudo o que vocês testemunharam
pessoalmente em 2010 e 2012.
PS
do Viomundo 2: *Descreverei detalhadamente, em breve, como O Globo e
associados tentaram praticar comigo o tradicional assassinato de
caráter da mídia corporativa brasileira.
*Luiz
Carlos Azenha é jornalista e blogueiro
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