A TV e sua opinião
Que venha a Democratização da Comunicação |
por
Silvio Caccia Bava[*]
Em
2011, 59,4 milhões dos domicílios brasileiros tinham televisão, o
que equivale a 96,9% do total. De longe, a televisão é o meio de
comunicação mais difundido e utilizado.
Em
fevereiro passado, segundo o Ibope, as maiores audiências da TV
foram as novelas, os reality shows (BBB Brasil e Fazenda de Verão),
o Jornal Nacional, a segunda edição do noticiário e os programas
de auditório. O futebol das quartas-feiras fica apenas em nono
lugar.
A
liderança de audiência da Globo é impressionante: são dela os 47
programas mais vistos da TV em 2012. E, se considerarmos o horário
nobre, suas três principais novelas estão entre as dez atrações
de maior audiência, tendo à frente Avenida Brasil, superando
inclusive o BBB Brasil, o reality show mais popular. Ainda segundo o
Ibope, o Jornal Nacional é o vice-líder absoluto da emissora. Essa
situação configura, virtualmente, um monopólio privado da
informação.
A
televisão é o meio de comunicação pelo qual se informa o maior
número de pessoas. E muitos só se informam pela televisão. Não
leem jornais, revistas. Sua opinião, portanto, é formada com base
nessas informações. Sempre por trás de uma mensagem há alguém
que a envia, e devemos nos perguntar por que esse alguém nos envia
essa mensagem e por que neste momento. A sincronia, por exemplo,
entre a ampla divulgação do julgamento do mensalão com as últimas
eleições é uma dessas questões.
A
televisão brasileira, embora seja uma concessão pública, está nas
mãos de poucos grupos que defendem interesses privados - seus
interesses são os interesses do mercado, são os interesses das
elites, alinhados desde os anos 1990, pelo menos, com a doutrina
neoliberal. Promovem os valores do individualismo, da competição,
do sucesso individual. Se você não consegue esse sucesso, a culpa é
sua, não tem nada a ver com a estrutura da sociedade e com o fato de
que a economia só favorece os grandes.
A
televisão reduz os cidadãos à dimensão de meros consumidores. Não
há análises de contexto, os fatos não se inscrevem em lógicas
mais amplas. Quando há programas de debates, estes são em altas
horas, não são para as massas. E mesmo assim os debatedores, em sua
ampla maioria, se alinham com os interesses das emissoras. Seus
noticiários destacam o crime e a violência, disseminando o medo na
população e fazendo que esta aceite um mundo de arbitrariedades no
qual, por exemplo, a polícia executa sumariamente “suspeitos”,
consagrando a pena de morte na prática, sem qualquer julgamento, o
que identifica o Estado não só como cúmplice dos crimes, quando
não como os próprios agentes da violação de direitos, mas também
como legitimador desse discurso televisivo. Se esses comportamentos
se apresentam como a única solução, se temos visões parciais,
distorcidas, dos fatos, provavelmente teremos opiniões equivocadas
sobre eles.
Ao
dar destaque à violência urbana e à criminalidade, a TV induz o
público a demandar mais segurança, mesmo à custa de políticas que
se formulam em prejuízo da liberdade e do respeito aos cidadãos,
como a ocupação militar de territórios da cidade.
Os
meios de comunicação vivem uma relação promíscua com o poder
político e o poder econômico. Basta ver quem detém as concessões,
por exemplo, das estações retransmissoras das principais redes
televisivas, distribuídas, em grande parte, para as oligarquias e
lideranças políticas regionais. Seu objetivo não é mais servir à
sociedade, mas se servir dela para alavancar interesses privados,
para alavancar os negócios, para reproduzir as elites no poder.
Há
uma combinação de espetáculos – as novelas, os reality shows, os
programas de auditório, o futebol – que desvia a atenção do
público dos problemas importantes, tornando-o distante dos problemas
sociais, com uma seleção e uma interpretação do que são as
notícias que merecem sua atenção.
A
cultura imposta pela televisão tem tal influência que nos
encontramos, muitas vezes, pensando na mesma linha. E não há como
responsabilizar somente a TV por essa situação - a doutrina
neoliberal, na verdade, se impregnou por toda parte. Nós a vemos nas
próprias políticas de Estado. Seus valores se contrapõem à
democracia, ao respeito à diferença, ao reconhecimento de uma
sociedade plural. Eles promovem o sectarismo e uma polarização
entre o bem e o mal, em que tudo que não se ajusta à sua doutrina é
considerado condenável e é criminalizado.
Em
vários países da América Latina esse império das comunicações
está sendo questionado por governos democráticos, como na
Argentina, no Equador e na Venezuela, e essa mesma mídia
conservadora os desqualifica, os criminaliza, buscando garantir a
continuidade de uma interpretação da história e dos acontecimentos
cotidianos que só serve aos seus interesses.
A
TV é um bem público, assim como a informação. Ela deve servir aos
interesses da sociedade, não aos interesses do mercado; ela não
pode estar a serviço de uma doutrina que, para maximizar o lucro,
viola sistematicamente os direitos dos cidadãos. E para sustentar a
defesa do interesse público, da democracia, é preciso que cada um
de nós se interrogue se a programação que temos hoje na TV
brasileira é a que melhor atende aos nossos interesses.
*Diretor
e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
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