Determinantes sociais: recurso para enfrentar o crack
CRACK: CUIDAR E NÃO REPRIMIR |
Paulo
Amarante* e Luis Eugenio de Souza**
A
questão do consumo de crack entrou com forte destaque na agenda
nacional. É raro o dia em que a grande imprensa não aborde o
assunto. E de fato, não há como negar que o uso de crack se tornou
um problema de saúde pública. Exatamente aí é que se vê o maior
equívoco e a maior contradição do enfrentamento do problema. É um
problema de saúde e não de segurança pública.
Enquanto
uma questão de saúde pública, o primeiro passo, como propõem
especialistas do campo da saúde, é identificar as determinações
sociais do problema. A miséria, a desigualdade social, a violência,
a carência de recursos e de investimentos do Estado nas comunidades
onde o problema se localiza com maior peso, marcadamente com ausência
de políticas educacionais e culturais que fixem as crianças nas
escolas e fortaleçam os laços familiares e sociais, são
analisadores da origem estrutural do problema. Enfim, são muitos os
fatores que estão associados à questão da droga na sociedade, e
não apenas a inclinação pessoal, ou seja, psíquica, das pessoas
com dependência.
Desta
forma, é de se estranhar que as soluções sejam de medidas de
repressão, como a denominada “internação compulsória”, e não
de abordagem das determinações sociais (que são medidas imediatas
e permanentes) ou de cuidado e assistência efetiva das pessoas que
fazem uso abusivo de drogas.
Embora
o crack tenha assumido esta repercussão, não é de hoje que os
mesmos segmentos sociais vêm apresentando problemas com o uso de
drogas, desde o álcool (que ainda é o maior problema de saúde
pública dentre as drogas), à cola de sapateiro, aos solventes, à
maconha ou à cocaína. E isto ocorre há muito tempo sem que as
políticas de saúde tenham feito algo sério a respeito.
Desde
o final dos anos 1980, vêm sendo estruturados Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS). Mais recentemente, após a aprovação da lei nº
10.216/2001, que modernizou a assistência à saúde mental no
Brasil, foram regulamentados os CAPS especializados no tratamento da
dependência química. Em que pese a existência da lei e da
regulamentação, os CAPS têm sido implantados com extrema lentidão.
Do
ponto de vista da saúde, não faz sentido, portanto, o forte
propósito de estabelecer a internação compulsória ou
involuntária. As formas, realmente efetivas, de cuidado e
assistência às pessoas com dependência química são outras (CAPS,
Consultórios de Rua, estratégias de redução de danos, unidades
psiquiátricas em hospitais gerias) e estão previstas na lei e nas
normas do Ministério da Saúde. A questão é pô-las em prática.
Medidas
milagrosas não existem; trata-se de um problema grave e de difícil
tratamento. Contudo, insistir na ideia do recolhimento compulsório é
o pior dos caminhos. Além de ser uma medida considerada
inconstitucional por especialistas do Direito, é ineficaz como
tratamento, na medida em que a quase totalidade dos internados
retornam imediatamente ao consumo da droga.
Outro
efeito negativo do recolhimento compulsório é tornar as
instituições de internação locais de violação de diretos
humanos. Com efeito, considerando que as pessoas internadas nestas
instituições apresentam comportamentos rebeldes, tentativas de
fugas, atos de violência contra os funcionários e demais internos,
não é difícil imaginar a permanente tensão e as situações de
conflitos que são sistematicamente criadas. Historicamente, as
instituições fundadas em princípios de controle, disciplina e
vigilância tiveram como resultado mais violência e muito pouco ou
quase nada de recuperação moral como anunciavam.
Por
fim, mas não menos importante, não é para se menosprezar as
suspeitas levantadas por várias entidades e movimentos sociais, de
que existem interesses não explicitados nesta “guerra ao crack”:
a higienização e limpeza urbana apontam para interesses
imobiliários e empresariais nos territórios “recuperados”; a
internação compulsória revela um crescente e promissor mercado de
instituições psiquiátricas hospitalares. Mais especificamente,
crescem as “comunidades terapêuticas”, que representam, em
geral, uma fraude, na medida em que nada têm de comunitárias nem de
terapêuticas.
Enfim,
a internação compulsória significa um retrocesso da política de
saúde mental, pois vem reforçar as instituições asilares, quando
a lei prevê sua extinção e a construção de um modelo
assistencial realmente terapêutico.
*
Coordenador do Grupo Temático de Saúde Mental da Abrasco
**
Presidente da Abrasco
Saiba
mais sobre internação compulsória nas notícias da imprensa
nacional:
O
GLOBO: No Rio, comissão da Alerj aponta falhas na internação
compulsória
http://oglobo.globo.com/pais/no-rio-comissao-da-alerj-aponta-falhas-na-internacao-compulsoria-7363194#ixzz2IiVN4zxb
FOLHA
DE SÃO PAULO: Ex-Polegar diz que viciado debilitado precisa de
ajuda.
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1218448-ex-polegar-diz-que-viciado-debilitado-precisa-de-ajuda.shtml
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