Rosa Luxemburgo,a flor mais vermelha do socialismo
Especial Debate de Idéias |
por
Nestor Kohan [*]
A
revolução é magnifica... Tudo o mais é um disparate.
Carta
de Rosa Luxemburgo a Emmanuel e Matilde Wurm (18/Julho1906)
O
socialismo não é, propriamente, um problema de comer com faca e
garfo, mas um movimento de cultura, uma grande e poderosa concepção
do mundo.
Carta
de Rosa Luxemburgo a Franz Mehring (Fevereiro/1916)
Rosa
Luxemburgo, 1871-1919. Porque, precisamente hoje, nos reencontramos
com ela?
Vivemos
tempo de crises, rupturas, rompimentos e realinhamentos. O que
parecia estável e eterno, treme, fende-se, degrada-se, soçobra. O
Estado de bem estar, os direitos sociais, as instituições
económicas do pósguerra, o sistema político-partidário
tradicional, os "pactos sociais" entre as burocracias
sindicais e o patronato. Tudo se põe em questão. Ninguém fica à
margem. Não há espaço para o isolamento. O mundo capitalista
unifica-se explosivamente. Cresce em extensão e profundidade.
Desde
o seu aparecimento, o capitalismo passou por muitas crises. Até
agora sempre as resolveu da única maneira possível, a única que
conhece: genocídio, barbárie, guerras, matanças, exploração e
saques. Os custos das recomposições capitalistas pagaram-nos
invariavelmente os trabalhadores, as classes subalternas, os povos
submetidos e todos os oprimidos da história. A violenta recomposição
que na Europa e nos EUA se seguiu às rebeliões dos anos 60 e à
crise dos anos 70 na América Latina veio pela mão das piores
ditaduras militares da história, que esmagaram a insurreição
armada com mais de 100.mil desaparecidos, centenas de milhares de
prisioneiros torturados e vários milhões de exilados, não é a
excepção. Constitui tão só um pequeno elo da corrente ferrugenta
com que o capital nos vem oprimindo desde há demasiado tempo. A
mundialização capitalista, como processo histórico e social, e o
neoliberalismo, como sua legitimação ideológica, são produtos
desse avanço sangrento do capital sobre os trabalhadores e da sua
intenção de disciplinar e submeter todos os sujeitos potencialmente
contestatários à escala global. O aprofundamento da exploração, a
marginalização e a exclusão social não são" acidentes",
"erros" ou excessos, mas a alma viva deste sistema de
dominação.
A
própria esquerda, nas suas diferentes vertentes, não ficou imune a
essas violentas transformações sociais ocorridas durante o último
quarto de século. A queda do muro de Berlim e o derrube ideológico
que o acompanhou foram apenas a ponta do iceberg de uma série de
mudanças muito mais profundas.
A
crise terminal do estalinismo, outrora reinante nos países de Leste,
não veio só. A social-democracia dos principais países
capitalistas ocidentais navegou durante os últimos anos entre a
corrupção descarada e a adaptação ao discurso e à prática
neoliberal. Enquanto na maioria dos países do terceiro mundo os
projectos nacional-populistas terminavam, fagocitados pelas reformas
neoliberais, os ajustes permanentes, a reestruturação da dívida
externa e a agressividade militarista do imperialismo.
Este
panorama sombrio, marcado pela contra-revolução económica,
política, cultural e militar que nublou o final do século XX,
começou a dissipar-se. Não por artes mágicas nem por "mandato
inelutável da história", mas pelas lutas sociais, as rebeliões
populares e as mobilizações maciças. Hoje respira-se outro ar.
Voltam a discutir-se os grandes problemas sobre as alternativas ao
capitalismo, que havam ficado fora da agenda da esquerda durante
demasiados anos. Na Venezuela e em Cuba colocadas cara a cara com o
imperialismo norte-americano; nas rebeliões populares que derrubaram
os governos títeres no Equador e na Bolívia; no Brasil, Argentina e
Uruguai perante as frustrações crescentes pelas promessas
incumpridas dos governos "progressistas"; mas também no
movimento altermundista das grandes capitais europeias.
Não
é por acaso, então, que nesse horizonte de rebeldia e esperança
reapareça o interesse por Rosa Luxemburgo [1871-1919] em todos
aqueles e aquelas que se sentem parte do leque da esquerda radical,
anti-capitalista e anti-imperialista.
Quando
já ninguém se recorda dos velhos pusilânimes da social-democracia
e dos cínicos jerarcas do estalinismo, nem dos grandes retóricos
ardilosos do nacional-populismo, o pensamento de Rosa Luxemburgo
continua a provocar polémicas teóricas e a apaixonar as novas
gerações de militantes. O seu espírito insubmisso e rebelde assoma
à cabeça – coberta por um elegante chapéu, naturalmente – em
cada manifestação juvenil contra a mundialização dos mercados, as
guerras imperialistas e a dominação capitalista das grandes firmas
transnacionais sobre todo o planeta.
Ninguém
que tenha sangue nas veias e um mínimo de independência de critério
perante os discursos do poder pode ficar indiferente perante ela.
Amada e admirada pelas e pelos jovens mais radicais e combativos em
todos os lugares do mundo, Rosa continua a ser, no século XXI,
sinónimo de rebelião e revolução, esses fantasmas atrevidos que
"a nova ordem mundial" não pôde domesticar. Nem com
tanques e invasões militares, nem com a ditadura da TV. Actualmente,
a sua memória desatina e desafia a triste mansidão que
propagandeiam os medíocres com poder.
A
simples recordação da sua figura provoca uma incomodidade
insuportável naqueles que tentam emplastrar e remendar os "excessos"
do capitalismo... para que funcione melhor. Os que reciclam e
maquilham as velhas utopias reaccionárias tentando "convencer"
pacificamente e com bons modos ao capital a que nos explore – um
pouquinho – menos, e as suas instituições para que sejam – um
pouquinho – mais democráticas. Quando os desinsuflados e
arrependidos da revolução entoam os antigos cantos de sereia, hoje
disfarçados com a roupagem de "terceira via" ou o
"capitalismo de rosto humano", a herança insepulta de Rosa
resulta num formidável antídoto.
As
suas demolidoras críticas ao reformismo – que ela estigmatizou sem
piedade em Reforma ou Revolução e em A Crise da Social-democracia –
não deixam títere com cabeça. Constituem, seguramente, um dos
elementos mais perduráveis das suas reflexões teóricas.
Voltar
a respirar o ar fresco dos seus textos permite admirar a imensa
estatura ética com que ela entendeu, apregoou, militou e viveu a
causa mundial do socialismo. Um ética incorruptível que não se
deixa comprar, nem afixar-lhe preço algum. Uma ética que levanta o
seu dedo acusador contra a corrupção, mediante a qual o
neoliberalismo do Tio Sam asfixiou o mundo durante o último quarto
de século, acompanhado pela sua obediente e servil sobrinha, a
social-democracia europeia e latino-americana.
Além
de refutar e combater apaixonadamente o reformismo em todas as suas
vertentes, Rosa também foi uma dura impugnadora do socialismo
autoritário. Num folheto sobre a nascente revolução russa que
escreveu na prisão em 1918, enterrou o bisturi nos potenciais
perigos que entranhava qualquer tipo de tentação de separar o
exercício do poder soviético da democracia operária e socialista.
Perante
o vergonhoso derrube da burocracia soviética – que delapidou o
imenso oceano de energias revolucionárias oferecido pelo povo
soviético, tanto no assalto ao céu em 1917 e na guerra civil, como
na sua heróica vitória sobre nazismo – aquelas premonitórias
advertências de Rosa merecem ser seriamente repensadas.
REVOLUÇÃO
DE CORPO E ALMA
A
sua energia impetuosa e sempre no ar aguilhoava os que estavam
cansados e abatidos, a sua intrépida audácia e a sua entrega faziam
corar os timoratos e medrosos. O espírito atrevido, o coração
ardente e a firme vontade da "pequena" Rosa era o motor da
rebelião. Clara Zetkin
Que
difícil deve ter sido no seu tempo participar na política, sendo
mulher e actriz! No entanto, violentando a mediocridade patriarcal da
sua época, Rosa Luxemburgo converteu-se numa das principais
dirigentes e teóricas do socialismo... a nível mundial! Não só
combateu o machismo da sociedade capitalista, mas também questionou
as hierarquias e relações de poder – de género, de idade, de
nacionalidade – que impregnavam e manchavam o socialismo europeu
daqueles anos. Jamais aceitou cair na armadilha da direcção do SPD
(Partido Social-Democrata Alemão), quando lhe sugeriu que se
ocupasse, exclusivamente, dos problemas da mulher, deixando "a
grande política" nas mãos da velha hierarquia parlamentar.
Pensavam assim tirá-la da frente. Ela não caiu no anzol.
Como
o relatam várias biografias e aquele memorável filme de Margarethe
von Trotta, protagonizada pela bela actriz Barbara Sukowa que a
representa, já de muito jovem Rosa envolveu-se totalmente no Partido
Social-Democrata Alemão. Corria em desvantagem. Era judia e polaca
(duas palavras malditas para a cultura alemã...). Não só publicou
artigos e livros na imprensa do SPD, como foi uma das principais
instrutoras das escolas políticas do partido (principalmente de
temas económicos).
Logo
de início, entrou em colisão com os principais ideólogos desta
organização: Eduard Bernstein [1850-1932], principal vulto do
"socialismo revisionista", e mais tarde Karl Johann Kautsky
[1854-1938], líder do chamado "marxismo ortodoxo". Com
argumentos diversos, os dois opunham-se às mudanças sociais
radicais e revolucionárias. Tal como Lenine, Rosa polemiza com
ambos. Primeiro entrará em choque com Bernstein, em 1898, e depois
com Kautsky, em 1910.
Mas
ela não estava só. Enquanto polemizava com os chefes da burocracia
parlamentar do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e os seus
principais ideólogos, travava estreita amizade com Franz Mehring
[1846-1919], o célebre biógrafo de Karl Marx, e Clara Zetkin
[1846-1919], seus grandes companheiros de luta.
Quando
em 1905 ocorreu a primeira revolução russa, ela tentou extrair
todas as consequências teóricas para o mundo ocidental. Que relação
há entre os movimentos sociais de contestação e as organizações
revolucionárias? Um debate que, ainda hoje, quando se cumpre um
século daquela revolução continua aberto e latente.
Mais
tarde, Rosa saudou a revolução bolchevique de 1917 de maneira
entusiasta. Ali via realizado o grande sonho de libertação dos
oprimidos. Mas a sua defesa dos bolcheviques não foi acrítica.
Enquanto apoiava, polemizou com Lenine. Fê-lo antes e depois do
triunfo revolucionário. Este último, em Fevereiro de 1922, chegou a
dizer dela que "pode acontecer que as águias voem mais baixo
que as galinhas, mas uma galinha jamais pode voar tão alto como uma
águia. Rosa Luxemburgo enganou-se (...) mas apesar dos seus erros,
foi – e para nós continua sendo – uma águia (...) no pátio
detrás do movimento operário, entre os montes de esterco, as
galinhas tipo Paul Levi, Scheidemann e Kautsky cacarejam à volta dos
erros da grande comunista. Cada um faz o que pode".
A
vida de Rosa foi apaixonante. Rompeu com os moldes trilhados. Nunca
aceitou baixar a cabeça. Revoltou-se e, confiando na sua própria
personalidade, entregou o melhor da sua energia à nobre causa da
revolução mundial, a causa da classe trabalhadora, dos explorados e
oprimidos do mundo.
VELHOS
E NOVOS REFORMISMOS, ENFERMIDADES SENIS DO SOCIALISMO
Não
se pode lançar contra os operários insulto mais grosseiro, nem
calúnia mais indigna que a frase "as polémicas são para os
académicos". Rosa Luxemburgo, em Reforma ou Revolução
Desde
que surgiram os protestos operários contra a sociedade capitalista,
duas correntes conviveram no seio do campo popular.
Uma
primeira tendência, conhecida como "reformismo", acredita
que o capitalismo pode ir melhorando pouco a pouco. Reforma após
reforma, os trabalhadores podiam ir avançando lentamente para uma
sociedade melhor. Esta iria mudando segundo um padrão linear: a
evolução, do pior ao melhor, passito a passito sem nunca dar um
salto. Nos seus começos históricos esta tendência sustentava que a
evolução pacífica e gradual do capitalismo conduziria a uma
sociedade mais racional, o socialismo. A passagem do capitalismo ao
socialismo deveria dar-se paulatinamente.
Hoje
em dia esta ideologia foi-se modificando de forma notável. Entre o
reformismo de ontem e o de hoje muita água correu debaixo das
pontes. A degradação política e ideológica desta corrente –
sempre apresentada com novas roupagens e vestimentas –
multiplicou-se. Comparados com os actuais expoentes do reformismo, os
mais tímidos ideólogos do Partido Social-Democrata Alemão do
princípio do século passado pareceriam jovens incendiários e
tresloucados à procura de adrenalina.
Actualmente,
o reformismo já não acredita que no final da marcha evolutiva e
pacífica da sociedade nos espera o socialismo. Os seus partidários
conformam-se apenas com a obtenção de reformas – mais ou menos
avançadas – dentro da própria ordem capitalista. Mas a diminuição
das expectativas de mudança e o aprofundamento da sua adaptação ao
statu quo correm paralelas com o seu crescente malabarismo verbal.
Toda a audácia e arrojo que não aplicam na sua actividade e nas
suas análises políticas, substituem-nos por uma crescente
pirotecnia discursiva. Como se um novo palavreado pudesse ocupar o
espaço deixado vago pela ausência de perspectiva política
anti-sistémica. E então, encobrindo as alheias cantilenas
moderadas, aparecem na conversa dos neoreformistas as "nodosas"
propostas de uma "democracia radical" (Ernesto Laclau), uma
"democracia absoluta" (Toni Negri) ou uma democracia
participativa (Heinz Dieterich). Sempre tratando de iludir ou
esconder a questão do socialismo e da confrontação com o poder do
capital. Por isso, até Bernstein teria parecido um "ultra"
ao lado destes reconhecidos teóricos.
A
segunda tendência, de carácter revolucionário, faz críticas
radicais contra o capitalismo. Diferentemente do reformismo, aspira a
mudar radicalmente a sociedade para acabar não só com os
"excessos", mas com a exploração e a dominação. Não há
outra via para o socialismo. Ter em conta essa perspectiva, ainda que
não goze do aplauso dos suplementos culturais dos diários "sérios",
da consagração dos monopólios editoriais ou de beneplácito das
principais Academias, deve continuar a ser a estrela que guia o céu
das esquerdas radicais do nosso tempo.
Desde
a sua idade juvenil até ao seu assassinato, Rosa Luxemburgo foi
precisamente uma das mais brilhantes desta segunda corrente e uma
aguda polemista com a primeira. Todos os seus textos, sejam os temas
quais forem, só se podem compreender a partir desta perspectiva
apaixonadamente crítica do reformismo.
O MARXISMO REVOLUCIONÁRIO DE ROSA,
A DIALÉTICA E O PROBLEMA DO PODER.
A DIALÉTICA E O PROBLEMA DO PODER.
Na
nossa época, produto de várias derrotas populares, das frustrações
das experiências do "socialismo real" e da debandada
ideológica que as acompanhou, ganhou certa notoriedade a peregrina
ideia de que os trabalhadores e as pessoas de esquerda não devem
aspirar à tomada do poder.
Da
pena de vários pensadores pós-estruturalistas – Toni Negri é
talvez o mais famoso de todos eles, mas de forma alguma o único –
o que sobressai é uma visão política de tintas marcadamente
reformistas. Uma orientação encoberta que impregna o dito
empreendimento filosófico, pretendendo lavrar por decreto o enterro
da dialéctica, o falecimento de todo o sujeito revolucionário, o
abandono da lógica das contradições explosivas e o cancelamento de
toda a perspectiva de confrontação com o Estado, pelo seu carácter
supostamente "autoritário" ou jacobino. Uma velha ilusão
que sonha, "ingenuamente", mudar a sociedade... sem que se
coloque a revolução nem a tomada do poder. (Jonh Holloway dixit ).
A última verdade desta "novíssima teoria" constitui, do
nosso ponto de vista, a legitimação metafísica da impotência
política. Converter a necessidade em virtude, a debilidade
momentânea num projecto estratégico, um momento particular da
história numa definição ideológica.
Esta
legitimação, nos nossos dias, já não se faz apelando à ingénua
linguagem de Juan B Justo [fundador do Partido Socialista argentino
no final do século XIX, seguidor de E. Bernstein e J Jaurés, um dos
pensadores da social-democracia sul-americana no início do século
XX], ou de qualquer outro socialista moderado de então. O caso de
Negri é, nesse sentido, muito expressivo. [2]
Nada
melhor que recorrer a Rosa para resgatar a dimensão libertária e
rebelde do marxismo (que tão opaca esteve durante o estalinismo)
sem, ao mesmo tempo, ceder a essa mescla académica de palavreado
neo-anarquista, ilusões reformistas e fantasias encobertamente
liberais.
Se
o socialismo autoritário, que pela mão do estalinismo tanto dano
causou à revolução mundial, já não convence ninguém nem
apaixona nenhum jovem com sangue nas veias, a dita mescla académica
pseudo-anarquista, essa sim, goza ainda de certo prestígio e
proximidade à juventude.
As
metafísicas "post" – que dando um verniz teórico ao
autonomismo, afloraram na Europa ocidental depois da derrota de 1968
– mais não fizeram do que girar e voltar a girar em torno da
pluralidade de relações cristalizadas e congeladas na sua
dispersão. Enalteceram o seu carácter de singularidades
irredutíveis a toda a convergência política que as articule contra
um inimigo comum: a exploração generalizada, a subordinação
(formal e real) e a dominação do capital. Desta forma, sob a
aparência de ter superado, por antiquada, a teoria marxista da luta
de classes em função de uma supostamente "radicalizada"
teoria da multiplicidade dos pontos em fuga e uma variedade de
ângulos dispersos, a única coisa que se obteve, como resultado
palpável, foi uma nova frustração política ao não poder
identificar um inimigo concreto contra o quem dirigir os nossos
embates e as nossas lutas. As metafísicas "post" elevaram
a verdade universal, inclusivamente com categoria ontológica, a
impotência de uma determinada época.
Desta
forma, sob o dialecto "pluralista" e pseudo libertário,
acabou recriando-se em termos políticos a velha herança liberal que
situava no âmbito do singular a verdade última do real. Pela mão
de uma gíria neo-anarquista meramente discursiva e puramente
literária (que pouco ou nada tem a ver com a combatividade dos
heróicos companheiros operários anarquistas que na Argentina, para
dar um só exemplo, encabeçaram as rebeliões de classe da Patagónia
durante os anos 20 ou em Espanha durante os anos 30) termina-se
relegitimando o antigo credo liberal de recusa de qualquer tipo de
política global e de refúgio no âmbito aparentemente asséptico da
esfera privada.
Com
menos inocência que no século XVIII... agora, este liberalismo
filosófico ressuscitado – que se vale do fraseado libertário,
unicamente como alibi legitimador, para apresentar na bandeja da
"esquerda" velhos lugares ideológicos da direita – já
não luta contra a nobreza e a monarquia. Aponta as suas espingardas
com o objectivo de neutralizar ou prevenir toda a tentação que
aponte para condescender no seio dos conflitos contemporâneos com
qualquer tipo de organização revolucionária que exceda a mera luta
reivindicativa de gueto ou o inofensivo poder local. Que muitos dos
motivos ideológicos pós-estruturalistas, formalmente
neo-anarquistas, correspondem na realidade ao liberalismo não é
apenas a nossa opinião. [3]
A
grande diferença entre a época e as polémicas em que interveio
Rosa contra o reformismo e os actuais debates entre o marxismo
revolucionário e o pós-estruturalismo consiste em que naquela época
não se punha em discussão a perspectiva do socialismo. Hoje em dia
sim. Antes havia uma divergência à volta dos métodos, não dos
fins. Presentemente, o que está em discussão é, antes de tudo, se
queremos e desejamos, ou não, o socialismo. Em segundo lugar, se
para realizá-lo faz falta ou não uma revolução, a tomada do poder
e um projecto estratégico de alcance global, não meramente local ou
microscópico. Em ambos os planos a reflexão de Rosa é inequívoca.
Unicamente com o socialismo se poderá construir um modo de vida e
convivência social mais racional e humano. Para isso não há outro
caminho senão a tomada revolucionária do poder e a transformação
permanente à escala global da sociedade.
Rosa
não albergava nenhuma ilusão em mudar a sociedade iludindo a
questão da tomada do poder. Tampouco se pode ocultar aos olhos do
povo trabalhador a necessidade de responder à violência do sistema
– violência de cima – com a violência popular – violência de
baixo.
As
suas análises sobre o poder e a violência na história nunca se
limitaram a uma questão de mera agitação, propagandística,
verbalista, nem assente nas maiores ou menores oportunidades de uma
conjuntura. As suas análises sobre a violência e o poder, não só
fazem parte medular da sua estratégia política anticapitalista como
também, ao mesmo tempo, constituem um eixo central da sua leitura da
concepção materialista da história e da sua crítica da economia
política.
Não
é casual nem um capricho que Rosa aprofundou em O Capital de Marx,
aclarando as leituras brutalmente economicistas que se fizeram
daquela obra, assinalando em relação à violência que: "Não
se trata já da acumulação primitiva [originária] mas de uma
continuação do processo até hoje. [...] Do mesmo modo que a
acumulação do capital, com a sua capacidade de expansão súbita,
não pode aguardar o crescimento natural da população operária nem
conformar-se com ele, tampouco poderá aguardar a lenta decomposição
natural das formas não capitalistas e a sua passagem à economia de
mercado. O capital não tem, para esta questão, outra solução para
além da violência, que constitui um método constante de acumulação
de capital no processo histórico, não só na sua génesis, mas ao
longo do tempo, até hoje". [4]
A
sua conclusão é taxativa. Para os que leram – e continuam a ler –
a obra magna de Marx como um simples tratado "vermelho" de
economia, onde a violência, o exercício da força material e as
relações de poder ficavam incluídas unicamente nos alvores
iniciais da produção capitalista – durante a chamada acumulação
"originária" – Rosa destaca que a violência continua
nas fases maduras do desenvolvimento do capital. Não só
continua..., aprofunda-se! Não há pois acumulação de capital –
o seu objecto de investigação – sem violência. Não existe
"economia pura" sem poder. Não haverá pois superação do
capital sem que o povo apele a uma resposta contundente face a esse
poder e a essa violência.
Rosa
traz-nos uma imprescindível e arguta observação da sociedade
contemporânea que supera amplamente as diferentes fases e sucessivas
reciclagens do velho equívoco reformista de "mudar a sociedade
sem tomar o poder". Tanto no caso de Bernstein (princípios do
século), no da doutrina soviética da "coexistência pacífica"
(anos 50 e 60), no do eurocomunismo (anos 70), como no da actual moda
académica.
O
MÉTODO DIALÉCTICO E A TOTALIDADE
Rosa
Luxemburgo é a mente mais genial entre os herdeiros científicos de
Marx e Engels. Franz Mehring
Apesar
do seu exasperante reformismo, paradoxalmente, Bernstein tinha razão.
A estratégia política do marxismo revolucionário é inseparável
dos seus pontos de vista metodológicos. Toda a obra de Rosa – onde
se articulam as suas reflexões sobre o poder e as suas investigações
sobre o método – serve para corroborar essa tese de Bernstein.
Nenhuma
categoria foi mais repudiada, castigada e excluída nas últimas
décadas que a de "totalidade". As vertentes mais
reaccionárias do pós-modernismo francês e do pragmatismo
norte-americano assimilaram qualquer visão totalizadora com a
metafísica. A esta última igualaram-na, por sua vez, com o
pensamento "forte", donde deduziram que com esse tipo de
racionalidade encontra-se implícita a apologia do autoritarismo.
Deste
modo tentaram excluir dos grandes relatos e narrativas da história,
todo o projecto de emancipação, a categoria "superação"
(aufhebung) e qualquer visão totalizadora do mundo.
Ora
bem, essa categoria tão vilipendiada – a de totalidade – é
central no pensamento dialéctico de Rosa e na sua crítica da
economia capitalista. Ela considerava que o modo de produção
capitalista constitui uma totalidade. Nunca se pode compreendê-lo se
se fragmentarem qualquer dos seus momentos internos (a produção, a
distribuição, a troca e o consumo). O capitalismo engloba-os todos
numa totalidade articulada, segundo uma ordem lógica que, por sua
vez, tem uma dinâmica essencialmente histórica. Por isso, quando
tenta explicar nas escolas do partido (SPD) o problema de "Que é
a economia?", dedica uma boa parte da sua exposição a
desenvolver não só as definições da economia contemporânea, mas
particularmente a história da disciplina.
Essa
decisão não era arbitrária. Estava motivada pela mesma perspectiva
metodológica que levou Marx a conjugar o que ele denominava o "modo
de exposição" com o "modo de investigação", duas
ordens do discurso científico crítico que remetiam ao método
lógico e ao método histórico. Para o marxismo revolucionário que
procura decifrar criticamente as raízes fetichistas da economia
burguesa não há simples enumeração dos factos – tal como
aparecem à consciência imediata no mercado, segundo nos mostram as
revistas e jornais de economia – sem lógica. Mas por sua vez, não
existe lógica sem história.
A
categoria que permite articular no marxismo a lógica e a história é
a de totalidade, nexo central da perspectiva metodológica que Rosa
aprendeu em Marx (como bem se encarregou de destacar detalhadamente
Lukács em História e Consciência de Classe ). Não importa se as
suas correcções aos esquemas de reprodução do capitalismo que
Marx descreveu no tomo II de O Capital são correctas ou não. O
importante é o método empregue nessa análise. Rosa talvez se tenha
equivocado nalgumas conclusões de A Acumulação do Capital mas não
se enganou ao empregar o método dialéctico.
Toda
a reflexão de Rosa anda metodologicamente à volta deste horizonte.
Reactualizar hoje esse ângulo parece-nos de vital importância,
sobretudo se tomarmos em conta que, no último quarto de século, se
tentou fracturar toda a perspectiva de luta contra o capitalismo no
seu conjunto em altares dos "micropoderes", em "micro
enfrentamentos capilares", com uma apologia acrítica centrada
no poder local, etc, etc. Sem questionar a totalidade do sistema
capitalista, qualquer reclamação e qualquer crítica ao sistema
tornam-se impotentes e passíveis de neutralização.
IMPULSO
REVOLUCIONÁRIO E BUROCRACIA SINDICAL:
OS
DEBATES SOBRE A GREVE DE MASSAS
Um
dos maiores equívocos que se desencadearam à volta de Rosa reside
no seu suposto "espontaneismo" e na pretensa subestimação
da política que se encontraria nos seus textos. Particularmente, no
que respeita à greve de massas e à revolução russa de 1905.
O
debate sobre a greve de massas instala-se e começa a circular na
literatura marxista da II Internacional entre 1895 e 1896. Foi Parvus
[Aleksandr Helfand] o primeiro publicista que encarou o tema da greve
política, vinculando-o à discussão sobre o golpe de estado. Fá-lo
numa série de artigos publicados na revista teórica do Partido
Social-Democrata Alemão (SPD) a propósito das ameaças golpistas de
um general chamado V. Boguslawski. Mais tarde, em 1902, tem lugar uma
greve geral política na Bélgica que pedia o sufrágio universal e
igualitário. Fracassou. A discussão sobre esta greve constituiu a
segunda etapa do debate sobre a greve de massas. Participaram nele
Emile Vandervelde, Franz Mehring e a própria Rosa. Até que
sobreveio a primeira revolução russa de 1905. Esse foi o detonador
para a maior contribuição de Rosa a este debate, condensado na sua
obra Greve de Massas, Partido e Sindicatos, redigida no exílio na
Finlândia em Agosto de 1906.
Adoptando
como modelo de inspiração a recente revolução russa, Rosa
intervém desde o princípio, trazendo para a discussão a
burocratização dos poderosos e ao mesmo tempo impotentes sindicatos
alemães, que tinham verdadeiro pânico à greve geral. Como em
qualquer debate, não se entende nada das teses de Rosa se se abstrai
de com quem se está a discutir. O interlocutor da polémica marca
grande parte do terreno e o tom dos argumentos ao longo de todo o
debate. Se não se sabe ou directamente se desconhece o objecto da
sua polémica, então pode-se construir uma Rosa Luxemburgo ao gosto
e prazer de cada um..., potável para qualquer coisa. Inclusivamente
para enfrentá-la com o marxismo.
Mas
ela era muito concreta, muito explícita, quando assinalava que
estava a polemizar contra: "os fantoches burocráticos que
vigiam zelosamente o destino dos sindicatos alemães". [5]
Estes
funcionários de carreira, que há anos tinham abandonado a
perspectiva revolucionária, temiam mais a greve de massas que a
morte, pois esta fá-los-ia perder a estabilidade das suas posições,
conquistadas nas negociações com o patronato e o Estado. Algo não
muito diferente do que experimentou o sindicalismo burocrático
europeu entre 1945 e os começos do neoliberalismo e o
latino-americano desde meados dos anos 30 até ao princípio dos anos
70. Porque, convenhamos, a suposta "panaceia" do Estado
benfeitor de que alguns ainda tem nostalgia... garantia certas
conquistas laborais na condição de manter manietada, neutralizada,
institucionalizada, e em última instância reprimida, a rebeldia
colectiva e antisistémica da força colectiva do trabalho. Nunca
como na época do Estado de bem-estar keynesiano se pôde observar a
justeza da fórmula gramsciana que define o Estado capitalista como a
conjunção da coerção e o consenso, da violência e a hegemonia.
Ora
bem, contra essa institucionalização e essa domesticação pelejava
Rosa, quando defendia as virtudes políticas da greve de massas ou da
greve geral política: "a greve de massas, que foi combatida
como oposta à actividade política do proletariado, aparece hoje
como a arma mais poderosa da luta pelos direitos políticos".
[6]
Contra
aqueles que vociferavam que a greve geral destruiria os sindicatos,
ela replicava apelando ao exemplo empírico da revolução russa de
1905, argumentando que o movimento sindical russo é filho da
revolução: "Do furacão e da tormenta, do fogo e da fogueira
da greve de massas e da luta nas ruas, surgem, como Vénus das ondas,
sindicatos frescos, jovens, poderosos, vigorosos". [7]
Falsamente
se poderia contrapor Rosa a Lenine, ainda que entre ambos tenham
existido matizes diversos sobre este debate. Quando Lenine, no seu
famoso Que Fazer?, coloca em discussão o culto da espontaneidade e
defende a necessidade de superar a etapa económico-corporativa,
defendendo a consciência socialista e a luta ideológica, está a
discutir contra outra frente, totalmente diferente de Rosa. No caso
de Lenine, a discussão do Que Fazer? vai pelo caminho de questionar
a limitação economicista do movimento socialista russo, a sua
limitação a tímidas reformas económicas e à restrição de toda
a perspectiva política, à conjuntura espontânea e artesanal do dia
a dia. Só tendo em conta, concretamente, os diversos interlocutores
contra quem polemizavam Rosa e Lenine – ambos ácidos críticos do
oportunismo e do reformismo – se pode compreender a fundo a
perspectiva comum que os unia, mesmo que, insistimos, não se possa
confundir o posicionamento revolucionário dos dois numa identidade
absoluta.
Nesse
sentido, não podemos esquecer que foi precisamente Lenine que tomou
abertamente partido por Anton Pannkoek contra Kautsky, fazendo
referência ao debate sobre a greve de massas de 1912. [8] Então, o
dirigente máximo bolchevique assinalou que: "Pannkoek
manifestou-se contra Kautsky como um dos representantes da tendência
«radical de esquerda» que contava nas suas fileiras com Rosa
Luxemburgo, Carlos Radek e outros, e que defendendo a táctica
revolucionária, tinha como elemento aglutinador a convicção de que
Kautsky se passava para o «centro», e que, de costas para os
princípios, vacilava entre o marxismo e o oportunismo. Que esta
apreciação era acertada veio a demonstrá-lo plenamente a guerra,
quando a corrente do «centro» (erroneamente denominada marxista) ou
de «kaustkismo» se revelou em toda a sua repugnante miséria. [...]
Nesta controvérsia é Pannkoek quem representa o marxismo contra
Kautsky". [9] Uma postura não muito distinta da de Rosa... pois
ali tinha mudado o interlocutor da polémica de Lenine. Gravíssimo,
imperdoável e mal-intencionado erro o de converter o Que Fazer? de
Lenine num manual pretensamente antiLuxemburgo!
De
todas as formas é inegável e não pode desconhecer-se que Rosa
polemizou várias vezes com Lenine. Tanto no seu artigo "Problemas
Organizativos da Social-democracia" de 1904 como na sua "Crítica
da Revolução Russa", redigido durante a primeira guerra
mundial, na cadeia. No entanto, deve situar-se cada crítica – e
cada resposta de Lenine, incluindo aquela que enviou à revista Neue
Zeit em 1904 e que Kautsky não quis publicar – num contexto de
coordenadas bem delimitado, já que Rosa, como o principal dirigente
bolchevique, foram modificando as suas posições respectivas ao
longo da história. Se em 1904 ela depositava muito mais confiança
na potencialidade autodisciplinante do proletariado que numa
organização como a que Lenine promovia (Rosa temia que essa forma
organizacional centralizada conduzisse na Rússia à inércia, à
prudência, ao conservadorismo e ao parlamentarismo, como sucedia com
a social-democracia alemã) [10] , mas no final da sua vida acaba por
fundar o Partido Comunista Alemão (KPD). Só o seu assassinato a
impediu de ser co-fundadora com Lenine e Trotsky da Internacional
Comunista. Por sua parte Lenine, se nos seus textos do princípio do
século começou por defender intransigentemente a legitimidade do
centralismo, o profissionalismo da militância política e,
inclusivamente, certos elementos da burocracia partidária, como algo
imprescindível para derrubar a partir da clandestinidade o czarismo,
quando a revolução de 1905 conquistou certas liberdades
democráticas, deu uma forma ao Partido que tinha muito pouco a ver
com o centralismo exagerado. E mais, no final da sua vida, Lenine
acaba a questionar abertamente a burocracia do Estado e do Partido,
deixando esses desesperados sinais de alerta ditados às suas
secretárias, como seu testamento político. [11] Portanto, ambos
foram mudando as respectivas posições. Não se pode cristalizar
nenhum deles numa fórmula rígida para que entrem num fácil esquema
dicotómico.
Marcando
então as nossas distâncias e reservas frente ao esquematismo que
pretende por, a todo o transe, Rosa contra Lenine e Lenine contra
Rosa, para aprofundar esse campo problemático devemos perguntar-nos
como definia Rosa a greve de massas? Como uma conjugação de lutas
políticas e económicas, interpenetradas entre si, não unicamente
como uma luta meramente económica. Se se delimita estritamente
contra quem está a discutir e se analisa em toda a sua complexidade
a sua análise à greve de massas como uma greve política, vê-se
quão longe está de realidade a contraposição extrema que se
pretendeu levantar entre a reflexão de Rosa e a de Lenine. A sua
argumentação não vai contra a deste último. Daí que Rosa
afirmasse o seguinte: "As greves políticas e as económicas, as
greves de massas e as parciais, as greves de protesto e as de luta,
as greves gerais de determinados sectores da indústria e as greves
gerais em determinadas cidades, as pacíficas lutas salariais e os
massacres de rua, as pelejas nas barricadas, todas se entrecruzam,
correm paralelas, se encontram, se interpenetram e se sobrepõem; é
uma variada maré de fenómenos em incessante movimento. E a lei que
rege estes fenómenos é clara: não reside na greve de massas em si
própria nem nos seus detalhes técnicos, mas nas proposições
políticas e sociais das forças da revolução". [12]
Rosa
não subestimava, pois, as instancias políticas no desenvolvimento
da greve de massas. O que punha em discussão era a inércia do
Partido Social-Democrata Alemão e a sua burocracia sindical para
encabeçar a luta. Ao mesmo tempo, ela apelava ao espírito
revolucionário e à iniciativa das massas contra a passividade do
funcionalismo do partidário.
Aqueles
debates em que Rosa interveio não ficaram sepultados no passado, nem
interessam unicamente aos historiadores do pensamento socialista.
Voltar a pensar o nexo entre os movimentos sociais e a consciência
política socialista – assim como também o papel de travão das
burocracias sindicais – à luz da actual luta contra a globalização
do capital, a ofensiva do imperialismo, a crise do reformismo e dos
pactos sociais do Estado de bem-estar, continua a ser uma tarefa que
temos pela frente.
"DE
FORA" DA ECONOMIA, MAS DENTRO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Rosa
Luxemburgo, figura internacional e intelectual e dinâmica, tinha
também uma posição eminente no socialismo alemão. Via-se e
respeitava-se nela a sua dupla capacidade para a acção e para o
ensino, para a realização e para a teoria. Ao mesmo tempo, Rosa
Luxemburgo era um cérebro e um braço do proletariado alemão.
José
Carlos Mariátegui, "A Revolução Alemã" (20/Julho/1923)
Quanto
à controvertida relação entre "espontaneidade" e
vanguarda, entre impulso popular espontâneo e organização
revolucionária consciente, podemos apreciar a sua irrefutável
actualidade.
Esta
série de interrogações reaparece hoje com outra linguagem e outro
registo. Não é já o problema da greve de massas – que,
insistimos, Rosa analisou a partir da primeira revolução russa de
1905 – mas antes o dos movimentos sociais (a subjectividade
popular) e a sua vinculação com a política. Aqui os seus textos,
relidos a partir das nossas inquietações contemporâneas, têm
muito para nos dizer e ensinar.
A
leitura dos trabalhos de Rosa permitir-nos-á recuperar Lenine de
outra forma, despojado já de todo o lastro dogmático que impediu
utilizar o arsenal político do grande revolucionário bolchevique.
Aquele a quem Gramsci, nos seus Cadernos do Cárcere, não duvidou em
catalogar como "o maior teórico da filosofia da praxis".
A
partir de uma comparação entre as posições de Rosa e Lenine, pode
entender-se que quando este último falava em "levar a
consciência socialista desde fora" ao movimento operário não
estava a defender uma exterioridade total face ao movimento social
"espontâneo", mas uma exterioridade restrita, tomando como
marco de referência a relação entre a economia e a política. Isto
quer dizer que o "fora", a partir do qual Lenine defendia a
necessidade de se organizar um partido político socialista, remetia
para mais além do que a economia. "Desde fora" de onde?
Pois desde fora da economia, não desde fora da política nem dos
movimentos sociais.
Lenine
pensava que da luta económica não surge automaticamente a
consciência socialista. Das reivindicações quotidianas não emerge
uma organização revolucionária. Há que transcender o estreito
limite dos conflitos económicos (reivindicação de emprego ou de
subsídios para aqueles que o não têm, melhores salários, férias,
redução da jornada de trabalho para aqueles que o têm) para
alcançar um ponto de vista crítico do capitalismo no seu conjunto.
Se o povo se limita unicamente a fazer reivindicações pontuais, não
conseguirá mais do que remendar o capitalismo, melhorá-lo,
embelezá-lo e sobreviver o dia a dia, mas nunca acabará com o
sistema, nem com a sua miserável condição.
Isto
era o que ele pensava e predicava. Mas muitos pensaram que Lenine
estava a defender uma política alheia aos movimentos sociais,
completamente à parte das lutas quotidianas. Esta última deformação
e caricatura do pensamento de Lenine derivou para uma concepção
burocrática do partido, fechado em si mesmo, cego e surdo ao
sentimento e à consciência popular.
Nem
Lenine nem Rosa – recordemos que os dois fundaram, cada um em
países diferentes, organizações revolucionárias, Lenine o Partido
Bolchevique, Rosa a Liga Espártaco e o Partido Comunista Alemão
(KPD) – acreditavam que o partido tinha de estar a olhar o seu
próprio umbigo ou a pregar desde "fora" ao movimento
social. Os revolucionários e as suas organizações devem ser parte
imanente dos movimentos sociais (do movimento operário, do movimento
das mulheres, dos movimentos juvenis, dos movimentos de trabalhadores
desempregados, dos movimentos dos direitos humanos, etc), nunca um
"professor" autoritário que desde fora leva uma teoria
esmerada e redonda que não se "amassa" no ir e vir do
movimento de massas.
Em
sentido comum, entre a ideologia "espontânea" do movimento
popular e a reflexão científica, quer dizer, a ideologia do
intelectual colectivo, não deve haver ruptura absoluta. Quando esta
última se dá, perde-se a capacidade hegemónica dos partidos e
organizações das classes trabalhadoras e cresce a capacidade
hegemónica do inimigo – a burguesia, os donos do poder, o
imperialismo – que conta no seu haver com as tradições de
submissão, com as instituições do Estado e, hoje em dia, com o
monopólio ditatorial dos meios de comunicação de massas.
De
modo que, apesar das várias discussões, as posições de Rosa e
Lenine – ainda que com matizes distintos, já que, provavelmente
ela punha maior ênfase nos movimentos e Lenine no partido
revolucionário – em última instância seriam complementares e
integráveis, em função de uma difícil mas não impossível
dialéctica da organização política, entendida como consequência
e ao mesmo tempo como impulsionadora do movimento social.
A
hegemonia socialista constrói-se desde dos movimentos! A consciência
de classe é fruto de uma experiência de vida, de valores sentidos e
de uma tradição de luta construída que nenhum manual pode levar
desde fora, pois chocar-se-á inevitavelmente – como muitas vezes
sucedeu na história – com um muro de silêncio e incompreensão.
SOBRE
A REVOLUÇÃO BOLCHEVIQUE E A FILOSOFIA POLÍTICA MARXISTA
O
seu célebre folheto crítico sobre a revolução russa foi publicado
postumamente, com intenções polémicas por Paul Levi – um membro
da Liga Espártaco e do Partido Comunista Alemão (KPD), depois
dissidente e filiado no Partido Social-Democrata (SPD). È preciso
acrescentar que Rosa mudou de opinião sobre o seu próprio folheto
ao sair do cárcere e participar, ela própria, na revolução alemã.
No entanto, aquele texto foi utilizado para tentar opor Rosa à
revolução russa e contra Lenine (da mesma forma que depois se
repetiu essa manobra, colocando Gramsci contra Lenine ou Che Guevara
contra a revolução cubana). Quiz-se, desse modo, construir um
luxemburguismo descolorido e "potável" para a dominação
burguesa que pouco tem a ver com a Rosa de carne e osso.
Ao
resumir as suas posições críticas à revolução bolchevique, cuja
perspectiva revolucionária geral partilhava intimamente, Rosa
centrou-se em três eixos problemáticos. Questionou a catalogação
do carácter da revolução, a sua concepção do problema das
"guerras nacionais" e a complexa tensão entre a democracia
socialista e ditadura proletária.
Se
é certo que aquele texto padece de equívocos – como argutamente
assinalou Gyorgy Lukacs no seu clássico a História e Consciência
de Classe (1923) –, também é insofismável que Rosa acertou ao
assinalar algumas lacunas, cuja sobrevivência ao longo do século XX
provocaram não poucas dores de cabeça aos defensores do socialismo.
Rosa
sim, teve razão quando sustentou que sem uma ampla democracia
socialista – base da vida política crescente das massas
trabalhadoras – só resta a consolação de uma burocracia. Segundo
as suas próprias palavras, se este fenómeno não se pode evitar,
então "a vida extingue-se torna-se aparente e o único activo
que resta é a burocracia". No caso do socialismo europeu a
história, lamentavelmente, deu-lhe razão. Não foi outra a
conclusão do próprio Lenine no final da sua vida, tanto no diário
ditado às suas secretárias, como nos seus últimos artigos, onde
ajuizou o crescente aparelho de estado e o seu progressivo
afastamento da classe trabalhadora.
A
necessária vinculação entre socialismo e democracia política e os
riscos de eternizar e tomar como regra universal o que era na
realidade produto histórico duma situação particular de guerra
civil, quer dizer, o perigo de fazer da necessidade virtude no
período de transição para o socialismo, constitui um dos eixos do
seu pensamento que, provavelmente, mais resistiu à passagem do
tempo. Nenhuma revolução socialista do futuro poderá fazer caso
omisso das advertências que Rosa formulou contra as deformações
autoritárias e burocráticas do socialismo.
Mas
as suas reflexões não se atêm a uma experiência pontual, como a
tragédia histórica que experimentou esse heróico assalto ao céu
encabeçado pelos bolcheviques, com o qual ainda hoje continuamos a
aprender. Têm um alcance mais geral no campo da filosofia política.
Se
a pergunta básica da filosofia política clássica da modernidade se
interroga pelas condições da obediência ao soberano, o conjunto de
perguntas do marxismo apontam para o seu contrário. Partindo daqui,
o essencial reside nas condições que legitimam não a obediência,
mas a insurreição e a rebelião; não a soberania que coroa o poder
institucionalizado, mas a que justifica o pleno exercício do poder
popular. Antes, durante e depois da tomada do poder.
Ali,
nesse novo terreno que permanecia ausente nos filósofos clássicos
da teoria do direito contratual do século XVIII, em Hegel e no
pensamento liberal do século XIX, é onde a teoria política
marxista, em que se insere Rosa, situa o eixo da sua reflexão.
Assim, o socialismo não constitui o herdeiro "melhorado" e
"aperfeiçoado" do liberalismo moderno, mas a sua negação
antagónica.
Então,
se tivéssemos que situar a filiação que une a tradição política
iniciada por Marx e que Rosa Luxemburgo desenvolveu no seu espírito
– contradizendo muitas vezes a sua letra – a partir da utilização
da sua própria metodologia, poderíamos arriscar que o socialismo
contemporâneo pertence à família libertária e democrática mais
radical. Opositor e inflamado polemista contra o liberalismo, ao
mesmo tempo é – ou deveria ser – o herdeiro privilegiado da
democracia directa teorizada por Jean Jacques Rousseau.
Deste
ponto de vista – bem distinto do autoritarismo burocrático
daqueles que legitimaram os "socialismos reais" europeus –
tornam-se inteligíveis os pressupostos a partir dos quais Rosa
Luxemburgo desenhou as linhas centrais da sua crítica aos perigos do
socialismo burocrático.
SOCIALISMO
OU BARBÁRIE, MAIS QUE UMA PALAVRA-DE-ORDEM
Quando
Rosa acaba de cortar os seus vínculos, já não só com o
oportunismo reformista de Bernstein, mas também com a tradição
determinista "ortodoxa" de Kautsky (ambos expoentes máximos
da II Internacional), formula uma alternativa que tem hoje absoluta
actualidade: "Socialismo ou barbárie". Esta alternativa
resume seguramente o mais explosivo da sua herança e o mais
sugestivo da sua mensagem para o socialismo do século XXI.
Não
se trata de uma simples palavra de ordem de agitação. Propõe uma
ruptura radical com todo o modo determinista de compreender a
história e a sociedade (na qual ela própria tinha acreditado até
esse momento, pois os seus textos anteriores encontram-se pejados de
referências à "necessidade histórica" e à suposta
"inevitabilidade" da crise económica do capitalismo, da
greve de massas proletária, da revolução e do socialismo).
Inserida
no seu "folheto de Junius" (A Crise da Social-democracia,
1915), essa síntese histórica faz a superação do determinismo
fatalista e economicista, assente no desenvolvimento, imparavelmente
ascendente, das forças produtivas. Ali inscreve-se uma ruptura
epistemológica que no seio da tradição marxista abre esta
alternativa formulada por ela. De acordo com o fatalismo
determinista, durante décadas considerado a versão "ortodoxa"
e oficial do marxismo, a sociedade humana marcharia de maneira
necessária, inelutável e indefectível para o socialismo. A
subjectividade histórica e a luta de classes não teriam aqui papel
algum. Quando muito, poderiam acelerar ou atrasar essa ascensão do
progresso linear, "final feliz" assegurado de antemão pelo
advento do comunismo no final da pré-história humana.
Mas
em plena guerra mundial Rosa rompe com esse dogma e coloca que a
história humana é contingente e tem um final em aberto, não
predeterminado pelo progresso linear das forças produtivas (esse
velho grito moderno e secularizado do mais antigo "Deus
queira!", tal como ironicamente afirmava Gramsci). Por isso, o
futuro só pode ser resolvido pelo resultado da luta de classes.
Podemos ir para uma sociedade desalienada e uma convivência mais
radical e humana, o socialismo, ou podemos continuar fundindo-nos na
barbárie, o capitalismo. Ambos os horizontes de possibilidades
permanecem potencialmente abertos. Actualizar um e outro depende da
actividade humana.
Quando
hoje falamos de "barbárie" estamos a pensar na barbárie
moderna, quer dizer, a civilização globalizada do capitalismo.
Nunca houve mais barbárie que durante o capitalismo moderno. Como
exemplos contundentes podem recordar-se o nazismo alemão com as suas
fábricas industriais de morte em série, o apartheid sul-africano –
regime político perfeitamente inserido na modernidade branca,
europeia e ocidental – ou os regimes militares da
contra-insurreição da Argentina e do Chile, que realizaram durante
a década de 70 um genocídio burocrática e mecanicamente
planificado, aplicando torturas científicas e deixando como sequela
dezenas de milhares de desaparecidos.
Muito
antes de que tudo isto sucedesse, Rosa tinha advertido o perigo que
se abria perante nós. Lucidamente, tinha identificado a equação
histórica que marcou e continua a marcar o ritmo dos tempos actuais:
[capitalismo civilizado = barbárie].
SOCIALISMO
MARXISTA E TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
Outro
dos campos polémicos que Rosa invadiu com notável argúcia foi a
complexa e irresoluta relação entre socialismo e religião.
É
sabido que na ortodoxia da II Internacional – da qual foi uma clara
continuação filosófica o materialismo dialéctico [DIAMAT] da
época estalinista – o marxismo era concebido como uma ciência
"positiva" análogo às naturais, cujo modelo paradigmático
era a biologia.
A
partir destes parâmetros ideológicos não é casual que se tentasse
traçar uma linha ininterrupta de continuidade entre os pensadores
burgueses ilustrados do século XVIII e os fundadores da filosofia da
praxis. Neste específico contexto filosófico-político, a religião
era concebida – numa leitura apressada, enviesada e unilateral do
jovem Marx (1843) – simplesmente como o "ópio do povo"
(uma expressão que Marx efectivamente utilizou, mas que não tem o
sentido simplista que habitualmente se lhe atribui). Ainda que
inicialmente educada nessa suposta "ortodoxia" filosófica
– com a qual romperá as amarras cerca de 1915 – Rosa Luxemburgo
opôs-se a uma leitura tão simplista do materialismo histórico à
volta do problema da religião.
Em
1905, perante o estrondo da primeira revolução russa, Rosa escreveu
um curto e angustiado folheto sobre "O Socialismo e as Igrejas".
Nele, como parte dos socialistas polacos, questiona o carácter
reaccionário da igreja oficial que tentava separar os operários do
socialismo marxista, mantendo-os na docilidade e na exploração (uma
história bem conhecida na América Latina). Até ali o seu texto não
se diferenciava, em absoluto, de qualquer outro da época da II
Internacional.
Mas
ao mesmo tempo – e aqui reside o mais notável do seu empenho –
tenta reler a história do cristianismo a partir de óptica
historicista. Assim, afirma que os "cristãos dos primeiros
séculos eram fervorosos comunistas". Nessa linha de pensamento
reproduz longos fragmentos que resumem a mensagem emancipadora de
diversos apóstolos como São Basílio, São João Crisóstomo e
Gregório Magno.
Desse
modo Rosa retoma o sugestivo impulso do último Engels que, no
prólogo de 1895 a As Lutas de Classes em França, não tinha tido
medo de homologar o afã cristão de igualização humana com o ideal
comunista do proletariado revolucionário. Engels já o havia feito
muito antes em As Guerras Camponesas na Alemanha, onde à visão
burguesa de Martinho Lutero se opõe o resgate do cristianismo de
Tomas Munzer. Uma leitura cuja imensa actualidade não pode deixar de
nos assombrar quando – na América Latina e noutras partes do mundo
– grandes sectores populares religiosos se rebelam contra o
carácter hierárquico e autoritário das igrejas institucionais,
para assumir uma prática de vida intimamente consubstanciada com o
comunismo daqueles primeiros cristãos.
O
ASSASSINATO DE ROSA
O
que ficara com as massas e que partilhara o seu destino aquando da
derrota do levantamento de Janeiro – há anos claramente previsto
por ela, no plano teórico, e também claramente no próprio momento
de acção –, é uma tão directa consequência da unidade da
teoria e da prática na sua conduta, como o merecido ódio mortal dos
seus assassinos, os oportunistas sociais-democratas.
Gyorgy Lukács:
História e Consciência de Classe
A
9 de Novembro de 1918 (um ano depois do levantamento bolchevique na
Rússia) começou a revolução alemã. Foram dois meses de agitação
ininterrupta. Depois de uma greve geral, os trabalhadores insurrectos
– dirigidos pela Liga Espártaco – proclamaram a república,
formaram conselhos revolucionários de operários e soldados.
Enquanto Kautsky e outros socialistas mostravam vacilar, o grupo
maioritário na social-democracia alemã (comandado por Friederich
Ebert [1870-1925] e Philip Schleidemann [1865-1939] enfrentou com
violência e sem contemplações os revolucionários.
Foi
assim que Gustav Noske [1868-1947], membro deste grupo (o SPD),
assumiu o Ministério da Guerra. A partir desse cargo e com a ajuda
de oficiais do antigo regime monárquico alemão, organizou a
repressão dos insurrectos espartaquistas. Entretanto o diário
oficial social-democrata Vorwarts [Avante] publicava editais chamando
os Freikorps – "corpos livres", nome dos comandos
terroristas da direita – para combaterem os espartaquistas,
oferecendo-lhes "salário, tecto, comida e cinco marcos extra".
A
15 de Janeiro de 1919 Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo são
capturados em Berlim pelos encolerizados soldados. Horas mais tarde
são selvaticamente assassinados. Pouco depois, León Jogiches
[1867-1919], companheiro de amor e militância de Rosa Luxemburgo
durante muitos anos, é igualmente assassinado. O corpo de Rosa, já
sem vida, é deitado pela soldadesca a um rio. O seu cadáver foi
encontrado em Maio, cinco meses depois.
A
responsabilidade política que a social-democracia reformista teve no
cobarde assassinato de Rosa Luxemburgo e dos seus companheiros já
nenhum historiador a discute. Esse acto de barbárie ficou como uma
mancha moral que dificilmente se apagará com o tempo.
Mas
a memória imortal de Rosa, o seu pensamento marxista, a sua ética
revolucionária e o seu inflexível exemplo de vida, continua vivos.
Afectuosamente vivos. Na ponte onde os seus assassinos arrojaram o
seu corpo à agua continuam a aparecer, periodicamente, flores
vermelhas. As novas gerações, envolvidas em força na luta contra o
capital globalizado e o imperialismo, não a esquecem.
Depois
do ocaso do estalinismo e da crise do neoliberalismo, e face à
degradação política ideológica e moral de toda a gama de
reformismos contemporâneos, recuperar Rosa torna-se uma tarefa
inadiável. Ela representa o coração vermelho do socialismo, a
garantia de que a bandeira da rebelião à escala mundial não se
manchará pelo cinzento medíocre da burocracia, nem pelo amarelo
tímido do reformismo. Voltar a Rosa tornou-se urgente! Tão urgente
como recuperar a herança insubmissa e rebelde dos bolcheviques, de
Che Guevara, de Mariatégui, de Gramsci, do jovem Luckacs e de todo o
marxismo acumulado pelas gerações que nos precederam. Sem contar
com essa imensa experiência de luta e toda a reflexão prévia, o
pensamento radical dos nossos dias terminará fagocitado,
neutralizado e cooptado pela trituradora de carne das instituições
que garantem e reproduzem a hegemonia do capital.
NOTAS
[1]
Remetemos para o nosso
livro Toni Negri y los Desafios de «Imperio». Madrid, Campo de
Ideas, 2002. Traduzido para italiano com o título Toni Negri e gli
Euivoci di «Imperio». Bolsena, Massari Editore, 2005.
[2] Que
o pensamento libertário e anti-autoritário de Rosa não se inscreve
na tradição anarquista mas na marxista revolucionária pode
corroborar-se lendo simplesmente os seus textos, em vez de construir
sobre ela lendas e mitos ao gosto do bom consumidor (algo que não se
reduz a Rosa como um caso especial, recordemos a quantidade de "usos"
que se fizeram sobre o pensamento de Gramsci...). Por exemplo em
Greve de Massas, Partido e Sindicatos, Rosa assinalava que: "A
Revolução Russa [de 1905, nota de N.K.], a primeira experiência
histórica da greve de massas, não só não aparece como uma
reivindicação do anarquismo como na realidade implica a liquidação
histórica do anarquismo [sublinhado de Rosa]. (...) A Rússia foi o
berço histórico do anarquismo. Mas a Pátria de Bakunine vai
converter-se no túmulo dos seus ensinamentos". Ainda que ali
reconheça as "heróicas acções do anarquismo", Rosa
afirma que "a carreira histórica do anarquismo está pouco
menos que liquidada (...) o método geral e os pontos de vista do
marxismo são os que saem vencedores". Ver Rosa Luxemburgo:
Huelga de massas, partido y sindicatos. In Rosa Luxemburgo, Obras
Escogidas, Buenos Aires, Ediciones Pluma, 1976, tomo I, páginas
187-189.
[3]
Também o colocou Alex
Callinicos quando, referindo-se à controversa leitura que Foucault
faz sobre a rebelião europeia de 1968, sustenta que a sua: "implica
uma interpretação particular de Maio de 1968 que recusa a intenção
de considerá-lo uma reivindicação do clássico projecto
revolucionário socialista. Pelo contrário, sustenta Foucault: «o
que ocorreu desde 1968 e, poderia argumentar-se, o que o tornou
possível é profundamente anti-marxista» 1968 envolve a oposição
descentralizada ao poder, mais que um esforço por substituir um
conjunto de relações sociais por outro. Uma intenção semelhante
só podia ter conseguido estabelecer um novo aparelho de poder-saber
em lugar do antigo, como o demonstra a experiência da Rússia
pós-revolucionária. Foucalt procura dar a este argumento – em si
mesmo pouco original, pois trata-se de um lugar comum do pensamento
liberal desde Tocqueville e Mill – um novo cariz, oferecendo uma
explicação distinta do poder". Ver Alex Callinicos: Contra el
pos-modernismo. Edição em espanhol de Julho de 1993. No sítio web
http://socialismo-obarbarie.org/
[4] Ver
Rosa Luxemburgo: La acumulacion del capital, México, Grijalbo, 1967,
pág. 285. Edição brasileira: A acumulação do capital, Rio de
Janeiro, Zahar, 1976, 516 pgs.
[5] Ver
Rosa Luxemburgo: Huelga de massas, partido y sindicatos, obra citada,
página 210.
[6] Obra
citada, página 189.
[7] Obra
citada, página 210.
[8] Ver
os documentos da polémica em Luxemburgo, Kautsky e Pannkoek. Debate
sobre la huelga de massas, Córdoba, Passado e Presente, 1976.
[8] Ver
Vladimir I. Lenine: El Estado y la Revolución em Obras Completas,
Buenos Aires, Cartago, 1960, tomo XXV, pgs. 477-479.
[10]
Tentando fazer um
balanço amadurecido da discussão de 1904-1905 acerca da
organização, León Trotsky, outro dos participantes da dita
polémica (interveio em 1904 no debate com o artigo " As Nossas
tarefas políticas ") no final da sua vida afirmou: "Toda a
experiência posterior me demonstrou que Lenine tinha razão, contra
Rosa Luxemburgo e contra mim". Balanço reproduzido por Mary
Alice Waters na sua introdução a Rosa Luxemburgo: Obras Escogidas.
Obra citada, tomo I, página 33.
[11] Ver
Paul Frolich: Rosa Luxemburg. Vida y obra, Madrid, Fundamentos, 1976,
páginas 140-141.
[12] Ver
Rosa Luxemburg: Huelga de massas, partido y sindicatos, obra citada,
página 216.
[*] Ensaísta,
argentino.
O
original encontra-se em: http://www.rebelion.org/docs/17281.pdf .
Tradução
José Paulo Gascão.
Fonte: resistir.info.
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