Maria da Conceição Tavares: "O alvo não é o Mantega; é 2014"
"A
revista Economist sabe, e se não sabe deveria saber o que está
acontecendo no mundo; a revista Economist, suponho, enxerga o que se
passa na Europa; sobretudo, não é cega a ponto de não ver o que
salta aos olhos em sua própria casa". (Leia nesta pág.a
reportagem de Marcelo Justo sobre a Economist,direto de Londres).
" A
economia inglesa despenca de cabo a rabo atrelada ao que há de mais
regressivo no receituário ortodoxo, numa escalada pró-cíclica de
fazer medo ao abismo. Então que motivações ela teria para criticar
o Brasil com a audácia de pedir a cabeça do ministro da economia de
um governo que se notabiliza por não incorrer nas trapalhadas que
estão levando o mundo à breca?"
"O
coro contra o Mantega não me convence. Nem nas suas alegações, nem
nos seus protagonistas, nem na sua batuta".
"
Não acredito nessa
geração espontânea nas páginas da Economist,por mais que isso
combine com o seu conservadorismo. Não acredito que a motivação
seja econômica e não acredito que o alvo seja o Mantega".
"Pela
afinação do coro vejo mais como algo plantado daqui para lá; o
alvo é 2014 e o objetivo é fortalecer o mineiro (NR Aécio Neves)".
"A
mim não me enganam. Ah, quer dizer então que o Brasil vive uma
crise de confiança, por isso os empresários não investem? Sei..."
" O
investimento está retraído no planeta Terra, nos dois hemisférios
do globo. Bem, a isso se dá o nome de crise sistêmica. É disso que
se trata. Hoje e desde 2008; e, infelizmente, por mais um tempo o
qual ninguém sabe até quando irá, mas não é coisa para amanhã
ou depois, isso é certo. Então não existe horizonte sistemico de
longo prazo e sem isso o dinheiro foge de compromissos que o
imobilizem. Fica ancorado em liquidez e segurança, em papéis de
governo ricos, em especial (paga para se abrigar nos papéis
alemães,por exemplo, recebendo em troca menos que a inflação)".
"Não
é fácil você compensar em um país aquilo que o neoliberalismo
esfarelou e pisoteou nos quatro cantos do globo. Por isso não se
investe nem aqui, nem na China ou nos EUA do Obama. E porque também
mitos setores estão com capacidade ociosa --no mundo, repito, no
mundo".
"A
política monetária sozinha não compensa isso, da mesma forma que o
consumo não alarga o horizonte a ponto de estender o longo prazo
requerido pelo capital. Então do que essa gente está falando?"
"
Alguns deles certamente
conseguem compreender o que estou dizendo. Estes, por certo não
fazem a crítica que eu faria, se fosse o caso de fazer alguma. A meu
ver o Brasil tem que ser ainda mais destemido na redução do
superávit primário --e nisso Mantega está sendo até
excessivamente fiscalista, para o meu gosto".
"Mas
com certeza a malta que pede a sua cabeça não pensa assim. Também
não pensa, como eu penso, que o governo deve ir mais depressa no
investimento estatal, fazer das tripas coração no PAC , porque é
daí, do investimento público robustecido que pode irradir a energia
capaz de destravar a inversão privada".
"Mas
não. A coisa toda cheira eleitoral. A economia internacional não
vai crescer muito em 2013. O Brasil deve ficar acima da média. Mas,
claro,nenhum desempenho radiante e eles sabem disso".
"
Então imaginam ter
encontrado a brecha para fincar o pé de palanque do mineiro. E
começam a disparar para atingir Dilma".
"Agora
pergunte o que eles propõem ao Brasil. Pergunte.E depois confira
onde querem chegar olhando as estatísticas de emprego, investimento
e as sondagens quanto a confiança dos empresários em Portugal, na
Inglaterra, Espanha (Leia reportagem de Naira Hofmeister, direto de
Madri,sobre o desmanche da economia espanhola; nesta pág)... Ora,
façam-me o favor". (Excertos da conversa de Maria da Conceição
Tavares com Carta Maior; 09/12/2012)
Leiam
Também:
Mídia
omite a origem da crise e ataca o governo Dilma
De
repente, o Brasil virou o barnabé da hora aos olhos da crítica
econômica conservadora.
A
Economist, uma espécie de espírito santo do credo neoliberal, pede
a demissão de Mantega e desqualifica os esforços contracíclicos do
governo Dilma diante da terra arrasada criada pelos livres mercados
no cenário mundial.
Assemelhados
nativos tampouco afeitos ao pudor retiram a soberba do bau e voltam a
pontificar como se a reforma gregoriana tivesse eliminado o mês de
setembro de 2008 do calendário jornalístico. E com ele as ruínas
legadas pela supremacia das finanças desreguladas.
Rapinosos
homens de negócios dão a sua bicada: o problema do país é o custo
da 'folha'. Os salários aqui crescem o dobro da média
mundial,emendam os editoriais. Por 'média mundial' entenda-se a
situação do emprego na pujante economia da Europa hoje, onde a
austeridade neoliberal ressuscitou a mais valia absoluta: corta-se o
salário e estende-se a carga de trabalho de quem ainda trabalha. As
refeições são feitas nas filas da Cáritas que distribui um milhão
de pratos de comida só na Espanha.
Governadores
tucanos impávidos diante do incêndio global boicotam a redução no
custo da tarifa elétrica proposto por Dilma como se não houvesse
amanhã na economia dos próprios estados e no escrutínio das urnas.
O
Tesouro vai cobrir a estripulia dos sapecas do PSDB. Mas jornalistas
alinhados acodem em massa na sua especialidade.
O
jogral que nunca desafina saboreia o PIB baixo e alardeia a primeira
consolidação política do levante: tudo decorre da "ineficácia"
do que chamam de 'intervencionismo estatal excessivo do governo
Dilma'.
O
que, afinal, deseja a turma braba que jogou a humanidade no maior
colapso do sistema capitalista desde 1929 --e só poupou o Brasil
porque não pode derrubar Lula em 2005, perdeu em 2006 e foi às
cordas de novo em 2010?
Simples:
enquanto as togas cuidam do PT e de 2014 , trata-se agora de
interditar o debate da crise e sabotar a busca de um novo modelo de
desenvolvimento a contrapelo dos 'mercados autorreguláveis'.
É
a volta do garrote a cobiçar o pescoço soberano do país.
Compreender
o papel que joga o monopólio midiático nesse estrangulamento é
crucial para reagir com eficácia ao cerco.
Em
que medida é possível fazê-lo sem um contraponto de vozes plurais
a afrontar o monólogo conservador na formação do discernimento
social? Mais que isso. Em que medida é possível restringir e vencer
o embate no plano exclusivamente econômico sem alterar o
desequilíbrio clamoroso na difusão das idéias? Vejamos.
O
garrote da história: mídia interdita o debate e a solução da
crise
Até
que ponto o monopólio midiático é responsável pelo 'consenso' que
jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 1929? A pergunta não
é retórica, tampouco a resposta é desprovida de consequências
políticas práticas. Imediatas, urgentes, imperativas.
Trata-se,
por exemplo, de saber em que medida a formação do discernimento
social, condicionado por esférica máquina de difusão de certos
interesses, dificulta a própria busca de soluções para a crise.
Mais
que isso. Se esse poder blindado que se avoca imune à regulação --
como se constata em tintas fortes hoje na Argentina, mas não só--
tornou-se um dos constrangimentos paralisantes dessa busca, um
difusor de impasses e confrontos, como democratizá-lo?
É
disso que trata o Especial de Carta Maior que emoldura o histórico
'7 D' argentino com a amplitude e a urgência que o tema encerra em
nossos dias (leias as reportagens e análises nesta pág)
Medicada
com doses adicionais da poção que a originou, graças ao
receituário reiterado pelo dispositivo midiático, a desordem
neoliberal arrasta a humanidade para o seu quinto ano de arrocho e
incerteza.
A
rigor, não há qualquer sinal otimista de convalescença ou
superação.
A
OIT estima que o mundo cadastrável chegará ao final de 2012 com um
exército de 200 milhões de desempregados.
O
estoque não foi acumulado integralmente na derrocada iniciada em
2008, mas é ela que o robustece e realimenta.
Ademais
de gerar sucessivas massas de demitidos, a desordem neoliberal torna
irrealizável a tarefa projetada pelo organismo da ONU que inclui a
criação de 600 milhões de vagas nos próximos dez anos --duzentos
milhões para zerar o saldo acumulado; mais 40 milhões de novos
empregos anuais para atender às gerações que chegam ao mercado de
trabalho.
A
colisão de longo curso que esses números condensam desvela a raiz
política de um impasse que expõe a natureza imiscível da
supremacia financeira com os requisitos indissociáveis da vida em
sociedade. O emprego e tudo o que ele adensa em termos de direitos e
dignidade é um desses pontos de tensão inegociáveis. Inclua-se
ademais o principio do escrutínio democrático dos conflitos, do
qual o capital a juro se isenta, bem como o acervo de direitos que
revestem o cristal da civilização --patrimônio humanista que o
atrapalha.
Em
nenhum outro lugar do planeta essa incompatibilidade revela um
ambiente de conflagração tão eloquente e pedagógico quanto no
cenário desconcertante da zona do euro.
Se
os mercados doentes deles mesmos são capazes de reduzir o berço do
Estado do Bem Estar Social a um matadouro de direitos, em que a
classe média recorre a instituições de caridade para não passar
fome, como na Espanha de Rajoy, o que pode esperar o resto do mundo
premido pela mesma lógica?
A
Europa paga em libras de carne humana o ajuste de competitividade
entre economias pobres e ricas cobrado pelo esgotamento do ciclo de
crédito barato e irresponsável.
A
paridade intocável do euro revela-se agora o pelourinho de uma
unificação subordinada aos desígnios dos mercados --e sobretudo da
exportação e da finança germânica Em respeito a esse 'senhor' --e
a sua senhora, Angela Merkel-- aciona-se o triturador de uma
austeridade que reduz humanos a coisas, atribuindo-se às coisas a
deferência que caberia aos humanos.
Saldo
da reciclagem até o momento: mais de 19 milhões de desempregados na
zona do euro; 119,6 milhões de pessoas -24,2% da população- no
limiar da pobreza em toda a Europa; US$ 1,3 trilhão entregues aos
bancos europeus para salvá-los deles mesmos, depois de se esponjarem
em estripulias tóxicas e ativos podres.
O
custo humano da inversão de papéis não sensibiliza a mídia
conservadora.
Ela
continua a rezar pela cartilha da autossuficiência dos mercados,
desautorizada nos seus próprios termos por cifras épicas como
essas.
Para
a lógica editorial predominante, vivemos sob a irrelevância das
evidências. A narrativa hegemônica, ressalvadas as exceções de
analistas honestos, não cede.
No
Brasil criou-se uma fronteira sanitária esquizofrênica. O
noticiário internacional da crise não dialoga com a pauta local que
ainda não virou o calendário anterior a 2008. O empenho em
desqualificar o ativismo estatal dos governos petistas continua
intacto, auxiliado pelo radicalismo golpista das editorias de
política.
Hoje,
a ênfase editorial, já colada à campanha tucana de 2014, consiste
em provar a ineficácia das medidas contracíclicas que redefiniram o
tônus da política econômica herdada do ciclo tucano neoliberal.
Incluem-se
no alvo, naturalmente, a derrubada dos juros --ainda altos para o
padrão internacional, mas no menor nível da história; a
intervenção estatal indireta na banca, induzindo-a a cortar spreads
pela concorrência agressiva das instituições públicas; as
desonerações e subsídios ao setor produtivo, da ordem de R$ 45 bi
(1% do PIB); a persistência de incentivos ao investimento, ao
crédito e à construção civil e, mais recentemente, uma turquesa
nos lucros indevidos das concessionárias de energia elétrica
--impondo-lhes um desconto tarifário proporcional ao valor das
amortizações consolidadas.
Três
estados da federação sabotaram a medida reivindicada,entre outros,
por associações industriais, como a Fiesp, o bunker parronal e SP.
Os três estão sob o comando de governadores do PSDB.
Palavras
de um deles que ilustra a mórbida reafirmação de um passado posto
em xeque pela crise, cuja reiteração conservadora sonega o direito
ao futuro aqui e alhures:
"A
presidenta Dilma Roussef está fazendo uma profunda intervenção no
setor elétrico a pretexto de reduzir a conta de luz".
A
sentença dá pistas da sofisticação intelectual e do arrojado
arcabouço político do novo delfim a suceder Serra na preferência
conservadora à presidência da República em 2014, Aécio Neves.
Recapitulemos:
estamos na maior crise do capitalismo em 80 ano, produzida pelo credo
do Estado mínimo associado à celebração suicida dos mercados
autorreguláveis.
Por
'profunda intervenção' entenda-se a prerrogativa do poder
concedente de abrir o leque de alternativas à renovação de
concessões, adicionando-lhes medidas de interesse do desenvolvimento
do país e de sua gente em meio à hecatombe econômica mundial.
São
esses os parâmetros de um confronto mediado por um dispositivo de
comunicação todo ele alinhado ao atilado equipamento analítico do
senhor Neves.
Transporte-se
os mesmos personagens, o mesmo iimperativo de redefinição
regulatória, a mesma rebelião das naftalinas para a discussão de
uma outra concessão estratégica a reclamar a atualização dos seus
termos: a área das telecomunicações, cujo protocolo de
funcionamento remonta a 1962.
Não
se trata de um exemplo aleatório.O que está em jogo é um
incontornável requisito à superação da crise, cuja origem --o
corpo de interesses e idéias que a engendrou- teve no monopólio
midiático um pregador de eficiência implacável.
Coube-lhe
acionar a britadeira da desqualificação e disparar os mísseis do
interdito contra agendas, políticas, lideranças, plataformas,
governos e países recalcitrantes ou insubordinados.
Ação
equivalente registra-se agora na deriva do ciclo histórico demarcada
pela falência do Lehman Brothers,em 2008.
A
urgência democrática é clara e corre contra o relógio da
restauração em marcha.
Trata-se
de afrontar a espiral descendente da recessão mundial com uma nova
hegemonia de forças e políticas que afrontem e superem a desordem
dos mercados desregulados em sua derradeiro cobiça: fazer do colapso
o 'novo normal' sistêmico, às custas da exceção permanente de
direitos e conquistas sociais.
Os
interesses ameaçados por esse mutirão progressistas, do qual Brasil
--com os seus limites, que não são poucos-- é um dos protagonistas
de peso, jogam hoje a rodada do vale tudo.
A
expressão vale tudo descreve com fidelidade o que tem sido --e será,
cada vez mais-- a rotina do noticiário não apenas econômico, mas
político, judicial e policial dos últimos meses.
As
ideias e interesses assim veiculados amplificam a sua força material
graças à abrangência de um aparato de mídia sem rival no país
--assim como acontece na Argentina pautada pelos interesses do polvo
difusor que atende pelo nome de 'grupo Clarín'.
A
superação dessa usina de consenso asfixiante não se dará
exclusivamente no plano da luta ideológica.
Os
partidos e forças que evocam a democratização das comunicações
tem a obrigação de dar o exemplo prático em casa.
Urge,
entre outras iniciativas, materializar a democracia na vida interna
das organizações e, sobretudo, na gestão participativa da
sociedade sob o comando de administrações progressistas, como será
a da capital paulista.
Mas
o empenho beligerante com que o dispositivo midiático assumiu a
defesa dos interesses associados à crise não pode ser subestimado.
Ilude-se
ao ponto da irresponsabilidade suicida o governante que ainda
acredita ser possível superar o círculo de ferro do colapso mundial
no plano exclusivo do êxito econômico.
Política
é economia concentrada.
O
espessamento político da crise tem na sabotagem tucana à redução
da tarifa elétrica, e na forma como ela é noticiada, uma tênue
ilustração do horizonte escuro que se prenuncia.
Quem
tem a responsabilidade de liderar o passo seguinte da história não
pode conceder à regressividade narrativa o monopólio do diálogo
político com a sociedade.
A
lição é clara e vem se juntar a uma montanha desordenada de
escombros históricos originários de desastres causados pela
hesitação e o acanhamento político diante do dia D --como o '7D'
argentino, corajosamente agendado pela democracia do país vizinho.
Postado
por: Saul Leblon.
Fonte:
Carta Maior, de 05/12/2012.
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