Cuba, a União Europeia e a retórica dos direitos humanos
Por Salim Lamrani[*]
A União Europeia impõe uma Posição
Comum – a única no continente americano – desde 1996 ao governo
cubano. Esta limita as negociações políticas, diplomáticas e
culturais pela situação dos "direitos humanos e das liberdades
fundamentais".
A Posição Comum constitui o pilar da
política externa de Bruxelas em relação a Havana e representa o
principal obstáculo para a normalização das relações bilaterais.
Com efeito, os Estados Unidos
justificam oficialmente a imposição das sanções econômicas, em
vigor desde julho de 1960, afetando todos os setores da sociedade
cubana, em particular, os mais vulneráveis, pelas violações dos
direitos humanos. De 1960 a 1991, Washington explicou que a aliança
com a União Soviética era a razão de sua hostilidade em relação
a Cuba. Desde o desmoronamento do bloco socialista, as diferentes
administrações, desde George H. W. Bush até Barack Obama, vêm
utilizando a retórica dos direitos humanos para explicar o estado de
sítio anacrônico que, longe de afetar os dirigentes do país, faz
com que idosos, mulheres e crianças paguem o preço das divergências
políticas entre as duas nações.
Uma Posição Comum discriminatória e
ilegítima
A Posição Comum, que oficialmente se
justifica pela situação dos direitos humanos, é discriminatória
na medida em que o único país do continente americano, do Canadá à
Argentina, que a União Europeia estigmatiza desta maneira é Cuba.
No entanto, segundo o último relatório da AI (Anistia
Internacional), a Ilha do Caribe está longe de ser o pior aluno do
hemisfério norte em termos de violação dos direitos fundamentais.
A Posição Comum é também ilegítima.
De fato, a Anistia Internacional apresenta um balanço duro e sem
concessões sobre a situação dos direitos humanos no Velho
Continente. Assim, para Cuba, e ao contrário dos países membros da
União Europeia, a Anistia Internacional não destaca nenhum caso
- de assassinato cometido pelas forças
da ordem (Áustria, Bulgária, França, Itália, Reino Unidos,
Suécia);
- de assassinato de menores pelas
forças da ordem (Grécia);
- de assassinato de crianças que
sofrem de transtornos mentais (Bulgária);
- de responsabilidade em um genocídio
(Bélgica);
- de atos de tortura e tratos desumanos
ou degradantes pelas autoridades (Alemanha, Áustria, Bélgica,
Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Itália, Portugal, Romênia,
Reino Unido);
- de atos de tortura e tratos desumanos
ou desumanos pelas autoridades contra menores (Bélgica, Bulgária,
Dinamarca);
- de atos de tortura pelas autoridades
com o apoio do mais alto nível do Estado (Reino Unido);
- de impunidade pelas forças da ordem
culpadas de assassinato (Bulgária, França, Suécia);
- de impunidade para as forças da
ordem culpadas de tortura e de outros maus tratos (Alemanhã,
Bélgica, Espanha);
- de uso de provas obtidas sob tortura
(Romênia);
- de obstáculo à justiça e às
indenizações para as vítimas de tortura e de maus tratos cometidos
pelas forças da ordem (Alemanha);
- de expulsão de pessoas, inclusive de
menores, para países que praticam tortura ou onde há riscos de
perseguição (Alemanha, Áustria, Bulgária, Chipre, Dinamarca,
Eslováquia, Espanha, Itália, Malta, Países Baixos, Reino Unido,
Suécia);
- de repressão violenta de
manifestantes por parte das forças da ordem (Alemanha, Bélgica,
Grécia);
- de brutalidades policiais com caráter
racista contra estrangeiros e membros das minorias étnicas
(Áustria);
- de prisão secreta de presos e de
transferência a países que praticam a tortura (Alemanha, Bélgica,
Lituânia, Romênia);
- de tráfico de seres humanos e de
escravidão (Chipre, Espanha, Grécia, Itália, Reino Unido);
- de trabalhos forçados (Chipre);
- de suicídio de menores na prisão
(Áustria);
- de falta de assistência médica,
social ou jurídica para os solicitantes de asilo (Bélgica);
- de discriminação legal em relação
às minorias étnicas (Bélgica, Espanha);
- de discriminação generalizada
contra as minorias (Bulgária, Dinamarca, Grécia, Hungria);
- de discriminação por parte dos
tribunais de justiça em relação às minorias (Bélgica);
- de expulsão pela força de membros
de minorias étnicas, assim como de destruição de suas moradias
pelas autoridades (Bulgária, Grécia, Romênia);
- de agressões recorrentes contra as
minorias sexuais (Bulgária, Eslováquia, Itália);
- de não reconhecimento dos direitos
das minorias sexuais pelas autoridades (Chipre);
- de apoio das forças de ordem a
movimentos de extrema direita em manifestações (Chipre);
- de violência recorrente contra
mulheres (Dinamarca, Espanha, Finlândia, Malta, Portugal, Suécia);
- de violência recorrente contra
meninas (Espanha, Finlândia, Portugal);
- de castigos físicos contra crianças
em centros especializados para menores (Espanha);
- de impunidade jurídica para os
responsáveis por violências sexuais contra mulheres (Dinamarca,
Finlândia, Suécia);
- de detenção de menores em prisões
para adultos (Dinamarca);
- de prisão de menores que solicitam
asilo (Finlândia, Países Baixos);
- de prisões secretas (Espanha);
- de proibição de investigar crimes
de direito internacional (Espanha);
- de violação da liberdade religiosa
das mulheres (Espanha, França, Países Baixos);
- de estigmatização das minorias
étnicas por parte do presidente da República (França, Romênia);
- de discursos políticos
discriminatórios por parte das autoridades (Eslovênia, França,
Hungria, Itália, Romênia);
- de discriminação racial contra as
minorias (Eslovênia, Itália, Portugal);
- de não acesso à educação e a uma
moradia decente para as minorias étnicas (França, Itália,
Portugal);
- de condições de detenção
desumanas (Grécia, Irlanda, Itália);
- de violências com caráter racista
(Grecia, Hungria, República Tcheca);
- de agressão a jornalistas pelas
autoridades (Grécia);
- de violências pelas autoridades em
relação às minorias e solicitantes de asilo (Grécia);
- de segregação racial no ensino e de
exclusão de crianças das minorias étnicas do sistema educacional
(Eslováquia, Eslovênia, Grécia, Hungria, Itália, República
Tcheca, Romênia);
- de escolarização de crianças
procedentes das minorias em instituições para portadores de
transtornos mentais (República Tcheca),
- de segregação racial no acesso à
saúde (Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Itália, Romênia);
- de crimes com caráter racista
(Hungria, República Tcheca);
- de impunidade para os responsáveis
por crimes de caráter racista (Hungria);
- de crimes com caráter antissemita
(Hungria);
- de crimes contra as minorias sexuais
(Hungria);
- de violação dos direitos dos
menores (Irlanda);
- de maus tratos contra crianças
(Irlanda);
- de falecimento de crianças confiadas
aos serviços públicos de proteção da infância por falta de
assistência médica (Irlanda);
- de não respeito dos direitos das
minorias sexuais (Irlanda);
- de violação dos direitos dos
solicitantes de asilo (Irlanda);
- de condições de vida "totalmente
inaceitáveis e desumanas" nos hospitais (Irlanda);
- de violação do direito ao aborto
(Irlanda);
- de proibição legal do aborto
(Malta);
- de negação a inscrever a tortura
entre os crimes sancionados pelo Código Penal (Itália);
- de disposições legislativas
discriminatórias em relação às minorias sexuais com penalização
da homossexualidade (Lituânia);
- de políticas e práticas
governamentais discriminatórias segundo a origem étnica (Países
Baixos);
- de esterilização forçada de
mulheres procedentes das minorias (Eslováquia, República Tcheca),
- de pessoas eliminadas arbitrariamente
dos registros da população (Eslovênia) .
Conclusão
Ao ver os relatórios da AI, torna-se
difícil para a União Europeia fingir que a Posição Comum de 1996,
ainda vigente, se justifica pela situação dos direitos humanos em
Cuba. Efetivamente, as principais nações do Velho Continente
apresentam também graves violações de direitos humanos,
frequentemente piores do que as que são cometidas em Cuba. Assim, a
autoridade moral de Bruxelas se torna discutível.
A Europa dos 27 deve normalizar as
relações com Havana e demonstrar que sua política externa não é
tributária daquela da Casa Branca. Ao suspender a Posição Comum e
adotar uma postura racional, construtiva e independente, a UE dará
um passo na direção adequada. Bruxelas entenderá a especificidade
da idiosincrasia cubana.
De fato, o governo da Ilha está
disposto a tudo – menos a negociar sua soberania e identidade
nacional – quando as relações se baseiam no diálogo, no respeito
e na reciprocidade, como foi demonstrado no acordo com a Igreja
Católica e com a Espanha, que desembocou na liberação de todos os
prisioneiros chamados "políticos". Em troca, mostra-se
fortemente inflexível – basta apenas ver o estado das relações
entre Washington e Havana há meio século – quando a linguagem da
força, da ameaça ou da coação toma o lugar da diplomacia
convencional.
[*] Opera Mundi, Fonte: Diário
Liberdade.
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