O ENGANO ECOLÓGICO


Zedotoko Costa[*]   
A luta entre frações da burguesia sobre a questão estratégica tem invadido o cenário mundial nos últimos anos e revitalizando ideologias e concepções reacionárias críticas à ideia de progresso proporcionada pelos principais Estados capitalistas nas últimas décadas. O marxismo também tem sido alvo, atacado por suas alegadas limitações, por sua incapacidade de ver os “problemas novos”. O “espectro do consumismo”, gerado pelo capitalismo, que está destinado inevitavelmente a vaguear por todos os continentes acompanhando a difusão da grande indústria, é substituído pelos “novos ideólogos” pelo “espectro ecológico” para enganar o proletariado sobre eternidade da exploração, desde que ela assuma um disfarce técnico mais respeitoso com a natureza.
O proletariado deveria, de acordo com essas ideias, alinhar-se com os “amigos da terra”, contra os prejuízos provocados pelo progresso, ou com os “amigos do progresso”, que proporcionam bem estar e poluição, como o outro lado inevitável da moeda.

Marx sobre a natureza e velha crítica reacionária ao capital
Se olharmos para os fundadores do comunismo temos todas ferramentas para vencer as ondas das campanhas da mídia, sejam elas de cor verde ou preta. A análise do nascimento e do desenvolvimento do capitalismo realizada por Marx e Engels nos explica que a sociedade burguesa, por seu caráter intrínseco, comprime as condições de vida dos operários e desequilibra a relação natural entre atividade do homem e a terra; o capitalismo se relaciona com a natureza como “um conquistador sobre o povo conquistado” e a natureza “adota sua vingança”, porque “nós, por nossa carne, nosso sangue e nosso cérebro, pertencemos à natureza, encontramo-nos em seu seio”, como nos lembra Engels em “Sobre o papel do trabalho na transformação do Macaco em Homem”.
Marx sempre chamou atenção sobre “a força e a fraqueza de uma espécie de crítica que sabe julgar e condenar o presente, mas não entende-lo”.
Inevitavelmente esta “espécie de crítica” continua sendo escrava da luta entre frações da burguesia e se torna um de seus instrumentos. A crítica coerente à sociedade capitalista conduz inevitavelmente à ditadura do proletário. Os fundadores da ciência comunista ressaltam esse ensinamento, qualquer que seja o aspecto da sociedade burguesa analisado por eles.
Podemos ler em “ O Capital”: “Com a preponderância sempre crescente da população urbana que amontoa em grandes centros, a produção capitalista acumula, por um lado, a força matriz histórica da sociedade, mas perturba, por outro lado, o metabolismo entre homem e terra, isto é, o retorno dos componentes da terra consumidos pelo homem sob forma de alimentos e vestuário, à terra, portanto, a eterna condição natural de fertilidade permanente do solo”.
Limitar-se a ver a pilhagem da terra que o desenvolvimento capitalista traz consigo significa não compreender a realidade, acreditar num desenvolvimento capitalista “respeitoso com a natureza” significa iludir-se e iludir, em essência ser apologistas do capitalismo como ele realmente é. Trabalhar para organizar e dar consciência de suas tarefas à “força motriz histórica” da sociedade é a única maneira de voltar a uma troca orgânica entre homem e natureza, não mais espontânea, mas com bases científicas. O que significa libertar dos grilhões do modo de produção burguês a força da ciência e da técnica geradas pela grande indústria.
A sociedade burguesa, “ao destruir as condições desse metabolismo, desenvolvidas espontaneamente, obriga-o, simultaneamente, a restaurá-lo de maneira sistemática, como lei reguladora da produção social e numa forma adequada ao pleno desenvolvimento humano”.
Nas mãos da revolução proletária está a capacidade de dar o salto histórico, de passar do caos da produção para a própria produção à produção de acordo com um plano, a ser desenvolvido com a consciência científica de viver no “seio” da natureza.

Marx sobre as máquinas e sobre o progresso no capitalismo
Para a ciência marxista, a crítica aos danos causados pelo desenvolvimento do capitalismo sempre foi um fato da vida, assim como analisar a necessidade histórica deste modo de produção.
O fato de que “a grande indústria tem de aumentar extraordinariamente a produtividade do trabalho mediante a incorporação de monstruosas forças da natureza e das ciências naturais ao processo de produção”, e que o modo de existência do capital cria condições para um grande desenvolvimento do conhecimento e do uso das leis da natureza pelo os homem não foi confundido com a ilusão de melhores condições de existência do próprio homem.
O progresso científico é inevitavelmente incorporado na forma técnica de existência de capital, cuja substância é a divisão em classes e exploração do trabalho assalariado.
O máquina a vapor começa a ser usada na indústria na primeira metade do século XIX. O impulso dado à produção pela nova forma de energia é muito forte, a grande indústria inicia a fase de sua rápida prosperidade e da exploração em massa de crianças e mulheres. Essa é uma constante que se repete fielmente multiplicando por cem e por mil vezes seus estragos nos atuais países em desenvolvimento, assim como nas metrópoles imperialistas.
Marx capítulo “Maquinaria e grande indústria” explica um aparente paradoxo da história moderna. O uso maciço da ciência e da técnica deveria conduzir a melhores condições de vida e de trabalho da humanidade , deveria conduzir a um uso adequado a este objetivo das leis da natureza cada vez mais conhecidas pelo contrário, leva à pilhagem da natureza e do homem, cujo tempo de vida é transformado em “tempo de trabalho disponível para a valorização do capital”. Marx ressalta a contradição comparando a realidade, ainda existente, com a ideia de progresso de Aristóteles “o maior pensador da Antiguidade”. Para o filósofo grego era óbvio que se “cada ferramenta, obedecendo às ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse realizar a obra que lhe coubesse”. Não teria havido mais necessidade de escravos. Para os “pagãos”, o desenvolvimento da técnica deveria conduzir à libertação do trabalho, isto é, da escravidão. Marx comenta, com ironia: “eles não entendiam nada de economia política nem de cristianismo […]. Não entendiam, entre outras coisas que a máquina é o mais comprovado meio de prolongar a jornada de trabalho. Justificavam eventualmente a escravidão de uns como meio para o pleno desenvolvimento de outros”.
Ricardo, o maior pensador da burguesia, expressa sem nenhuma reticência a natureza dessa classe, explica isso com a honestidade científica típica de quem, como ele, lutava contra a classe reacionária e contra os apêndices do modo de produção pré-capitalista. Para Ricardo o capitalismo nascente era a organização social mais vantajosa para a produção em geral e para a produção da riqueza. Marx diz que Ricardo quer a produção para a própria produção, pois isso significa desenvolvimento das forças produtivas, da ciência, da técnica, da riqueza humana dentro do invólucro burguês, com as contradições e a barbaridade que este invólucro contém.
A ciência e a técnica usadas no capitalismo servem para aumentar a exploração do proletariado, para subjugar o homem ao invés de libertá-lo, para aumentar a riqueza e o bem-estar de poucos e empobrecer as massas: põem na ordem do dia a superação de seu uso pela burguesia para pô-los nas mãos da classe que produz diretamente e que pode organizar a produção, visando dar a “cada um de acordo com suas necessidades”.
“Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador”, diz Marx em “O Capital”.
Essa é a natureza do capitalismo, nenhuma ilusão reformista pode mudá-la, apenas o comunismo revolucionário a combate.

A nova crítica reacionária ao capitalismo
Em 1971, Barry Commoner escreveu “The Closing Circle”, um livro que se tornou um ponto de referência fundamental para compreensão da nova moda ecológica. A tese dele é que a poluição depende do desenvolvimento econômico, ou melhor, da maneira com que esse desenvolvimento está ocorrendo desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A tecnologia teria cometido o erro de ter colocado as questões do desenvolvimento de uma forma setorial. Cada ramo da produção tem enfrentado e resolvido as tarefas relacionadas aos próprios interesses, sem levar em conta que a natureza é um conjunto complexo e interdependente. Por exemplo, o forte desenvolvimento da indústria química não levou em conta os estragos decorrentes do aumento da produção de produtos não degradáveis.
A ideia de usar competências e riquezas para obter o máximo benefício para os seres humanos, uma filosofia que de acordo com Commoner está na base do desenvolvimento do capitalismo norte-americano, revelou-se um erro colossal. O autor americano diz: “ A crise ambiental é um exemplo flagrante desse fracasso […]. O atual sistema de conduta é autodestrutivo; o desempenho atual da sociedade humana parece ter como objetivo o suicídio”.
A solução proposta é a “reforma da produção” como objetivo de uma melhor qualidade de vida. Isso se obtém reduzindo o nível atual dos bens de consumo, eliminando os produtos poluentes, “ecologicamente caros”, e usando mais bens derivados de produtos naturais.

A antiquada receita ecológica
A editora Feltrinelli, em 1975, publicou alguns ensaios de escritores ingleses sobre “O Socialismo e o Meio Ambiente” editados por Ken Coates.
A tese é que hoje a causa do colapso do capitalismo se encontra na limitação de recursos e no desastre ecológico, o que poderia ser prevenido somente controlando o desenvolvimento. Por isso seria necessário recuperar o atraso na análise demonstrado pelo “socialismo tradicional” sobre o problema ecológico. Se lê no texto citado: “Pode-se bem entender que Marx preocupava menos com as relações entre homem e natureza do que com as entre os homens”.
Essa tese mostra como, na melhor das hipóteses, esses chamados “reformistas verdes” não entenderam o que leram de Marx.
Laura Conti escreveu um ensaio sobre o tema com o título “Ecologia: Capital, Trabalho e Ambiente” (Editora Hucitec, 1986). Aqui, a solução encontrada seria a de investir nos setores menos “agressivos para o meio ambiente”. Essa expoente do Partido Comunista Italiano, da região da Lombardia, liga as teorias ecológicas anglo-saxãs à antiquada demagogia italiana sobre o controle de investimentos. Emerge uma mistura geradora de um modelo de desenvolvimento centrado na construção civil, no setor têxtil e na agroindústria, de modo a se ter pouca poluição e muitos empregos.
A burguesia continua atuando de acordo com suas leis férreas e suas contradições agudas, indiferente às receitas ecológicas, e usando suas formulações como armas ideológicas para se utilizar do proletariado. O fim desta classe dominante, da barbárie por ela produzida em relação à natureza e ao homem, que da natureza é o produto mais perfeito, reside na capacidade de luta revolucionária que a classe explorada vai ser capaz de expressar nos futuros ciclos de conflitos entre as classes.
A sociedade comunista, certamente, vai conseguir resolver o problema da troca orgânica entre homem e natureza, utilizando os resultados alcançados até agora e aqueles que a ciência irá alcançar depois de se livrar da camisa de força dos interesses do capital. Discutir sobre a maneira como isso poderia acontecer seria cair no idealismo e no utopismo pré-científico.
Vale a pena seguir, também nesse caso, o conselho dado por Engels em 1881 sobre o possível problema do controle da natalidade na sociedade comunista: “Em qualquer caso, caberá aos membros da sociedade comunista decidir se, quando e como fazer isso e de quais meios se utilizarem para esse fim. Eu não me sinto chamado a apresentar propostas ou dar-lhes conselhos uma vez que eles certamente não serão menos inteligentes que nós”.

* Colaborador
    Fonte: "Lotta Comunista"/Intervenção Comunista

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