O Motor de Classe da Mudança
Zedotoko
Costa[*]
O
princípio comunista não nasce co Marx e Engels. Com eles, no
entanto, torna-se ciência, torna-se uma batalha política diária
estrategicamente dotada de um plano de trabalho e de luta nas
contradições do presente capitalista. O “Manifesto” de 1848
declara: “
As concepções teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo
algum, em ideias ou princípios inventados ou descobertos por tal ou
qual reformador do mundo. São apenas a expressão geral das
condições reais de uma luta de classes existente, de um movimento
histórico que se desenvolve sob os nossos olhos”.
Portanto é necessário investigar as “condições
reais”
do modo de produção capitalista que leva à “luta
de classes”,
o verdadeiro motor material das revoltas sociais, para estabelecer
nelas uma intervenção consciente e orgânica.
Os grandes destacamentos de
assalariados no mundo são a alavanca revolucionária do comunismo e
são o horizonte sobre o qual hoje se mede a atividade de organização
e de enraizamento do leninismo no coração industrial da Europa. O
livro de Piermaria Davoli enfrenta o estudo do crescimento desta
classe, de sua concentração, de seu movimento migratório no começo
do século XXI, e é a continuação de uma linha de pesquisa que,
desde meados dos anos 70, é objeto de uma coluna regular nas páginas
de “Lotta Comunista”.
Urbanização
e crescimento do proletário mundial
O
campo de investigação é delineado precisamente pela lente da
ciência. A classe dos assalariados é estratificada, diversificada
de acordo com a função, mas unificada pelo fator de vender sua
força de trabalho, que é utilizada por meios de produção
possuídos por empresas, conselhos de administração, capitais,
bancos, ou seja, pela burguesia, socialmente dominante. O proletário,
para além de qualquer elucubração sociológica que se perde atrás
de costumes ou capacidade de consumo, “ inclui,
na mesma condição de assalariados, mas com papéis diferentes no
processo social de produção, o funcionário da City de Londres e
operária da fábrica em Xangai. Que há alguns anos migrou do campo,
o engenheiro alemão ou francês da Airbus e o minerador da África
do Sul, o mexicano das maquiladoras e as acompanhantes de idosos
filipinas ou moldavas, na Itália.
Dois bilhões é o número estimado de assalariados no mundo, cujo
trabalho dá sentido a conceitos como produto interno bruto,
comércio, dinheiro e capital.
O
alcance do patamar de dois bilhões de assalariados, uma duplicação
nas duas últimas décadas, é o resultado de processos gigantescos
de urbanização e de desintegração camponesa que têm mudado a
face do planeta. Em “O Capital”, Marx observa que “a
natureza do modo de produção capitalista implica uma constante
diminuição da população agrícola em relação à população não
agrícola”.
Uma profecia científica que, proferida em meados do século XIX,
encontra a sua realização mais completa mais de um século depois.
Migração internacional e
“classe universal”
É amplamente reconhecida a
natureza global das mercadorias, mas apenas os internacionalistas
reconhecem o caráter global da classe que produz essas mercadorias.
Os homens se deslocam desde a aurora dos tempos, mas as
características do atual movimento da população devem ser
relacionadas com a dinâmica desigual e incontrolável do
desenvolvimento capitalista. Por isso, em todas as latitudes, as
frequentes operações de planejamento dos migrantes por via legal
resultam em fracassos, assim como parecem irrealizáveis desejos as
tentativas de controlar preventivamente seus fluxos.
Até
o significado do termo “migrante” é controverso. Por migrante
internacional se entende, de acordo coma definição atual, “quem
reside num país diferente daquele de nascimento”,
mas a avaliação quantitativa deve levar em conta os movimentos
contínuos de mão dupla, a taxa de retorno, do reagrupamento
familiar e assim por diante. Levando em conta o estoque da migração
internacional - uma espécie de imagem estática do processo – a
estimativa da ONU é de 214 milhões de pessoas. Mas a estimativa é
incompleta, pois deve ser adicionada a migração interna dentro dos
Estados, que fica quase escondida nas dobras das estatísticas, mas é
crucial para a compreensão das taxas de crescimento das potências
emergentes: uma migração que pode ser avaliada em torno de um
bilhão de homens.
A
soma de migrantes internos e internacionais é “
igual a 1,2-1,4 bilhão, ou seja, uma pessoa em cada cinco da terra”,
um verdadeiro “mundo em movimento”
que
comprova a desigualdade do desenvolvimento capitalista. E, ao mesmo
tempo, é um símbolo da extensão do proletariado como “classe
universal”.
A produção social refém dos
caos capitalista
O
desempenho cíclico da economia capitalista afeta em primeiro lugar
as condições dos assalariados: os 200 milhões de desempregados no
mundo, que aumentaram em 30 milhões de unidades no rescaldo da crise
global, são a demonstração flagrante disso. Um artigo do “Wall
Street Journal” em 2009 descreveu a incerteza da própria classe
dominante diante dos efeitos da crise no setor high-tech:
“ Forçadas a adivinhar a demanda por seus produtos em um mercado
que está caindo verticalmente, todo mundo pisa forte no freio, Uma
análise da cadeia de fornecimento de eletrônicos […] mostra que
as empresas, em quase todas as etapas, andam às cegas enquanto
reduzem o emprego” .
As
empresas “andam
às cegas”,
mas a produção de qualquer bem envolve milhões de homens que
compartilham a prática da atividade industrial. Um aparelho de DVD,
diz Davoli, é o fruto de um trabalho que necessariamente, envolve “o
técnico japonês que desenha o aparelho, o engenheiro da Califórnia
(talvez um imigrante da China ou da Índia) que projeta os circuitos
do microprocessador, os trabalhadores da Taiwan que os produzem, a
operária chinesa que monta o aparelho DVD, e assim por diante. Todos
estão igualmente envolvidos em um processo que os dirigentes das
empresas são totalmente incapazes de dominar”
.
A
população social, fruto da cooperação de assalariados
geograficamente muito distantes uns dos outros, é realmente
“existente”,
mas é refém do caos do mercado capitalista: os comunistas lutam
para eliminar essa contradição flagrante evidenciada em particular
pela consequências mais graves da crise.
Universalidade da luta de classes
Nos
países industrializados há batalhas sindicais de defesa, isoladas,
num quadro de social-democratização descendente que não exclui
episódios exemplares de lutas organizadas quando as posições
internacionalistas são capazes de apontar objetivos claros e
definidos. Não faltam nesta fase “lutas
particularistas”,
mas ao “longo
ciclo da passividade”
se adicionam os efeitos da reestruturação das empresas, da redução
do bem-estar e da contenção salarial, como preço a pagar para
perseguir a competitividade marcada pela irrupção da Ásia.
Em
outros contextos, a mercadoria força de trabalho consegue negociar
seu custo em condições diferentes. Durante meados de 2011, os
trabalhadores chilenos da mina de cobre de Escondida, uma das
maiores do mundo, onde se aplicam um alto nível de automação e
técnicas de extração muito avançadas, ficaram em greve por
semanas pedindo um bônus salarial de US$ 10 mil, quase o dobro do
que oferecia a empresa proprietária, a BHP Billiton. Na China, a
revista “Liaowang”, publicada pela agência oficial “ Xinhua”
, afirma que “ o
número de disputas trabalhistas estourou”
e “nesses
protestos podemos ver em particular a força dos trabalhadores da
indústria”.
Um sindicalista da ACFTU, o simulacro oficial de central sindical,
observa: “Esta
unidade de pensamento e
ação
– que
se denota nas agitações operárias na China – está
intimamente ligada à maneira de produzir dos trabalhadores
industriais. A estrutura [das
grandes fábricas] gera
disciplina entre os trabalhadores é relativamente forte e podem
facilmente passar para ação”. A
luta de classes “por
greves”
não é um resíduo do século XX, é a regularidade das modernas
relações sociais do imperialismo maduro.
A luta de classes é ineliminável
A luta de classes é ineliminável
Dois
bilhões é um número impressionante, quando referido ao padrão da
espécie humana, mas é apenas um número. A consciência da força
revolucionária que esse número pode desencadear só pode ser
adquirida por um partido, “consciência
trazida de fora” da
relação de produção.
Numa
das manchetes que orientavam o trabalho de análise da “nossa
classe no mundo” ,
Arrigo Cervetto, em 1977, escreveu: “Sejam
quais forem os esforços dos repressores de qualquer tipo, a luta de
classes é um fenômeno ineliminável porque é universal e emerge
onde houver trabalho assalariado. Numa área se enfraquece, em outra
é reprimida, em outra ainda é desviada, mas depois renasce num
lugar antigo e vem à luz num lugar novo. […] Sendo assim, a luta
de classes não precisa de heróis, mas de massas anônimas, não
precisa de gestos individuais e desesperados, mas da longa, paciente,
inflexível tenacidade do estudo comunista, da propaganda comunista,
da organização comunista”.
A
luta de classes é ineliminável porque está ligada à natureza do
modo de produção capitalista. Também é ineliminável a aspiração
a uma sociedade superior em que as forças produtivas sejam tiradas
das exigências anacrônicas do lucro e postas a serviço de um
desenvolvimento verdadeiramente humano.
Fonte:
“Lotta Comunista”/ Intervenção Comunista
*
Colaborador/Disseminador
Comentários
Postar um comentário
Comentários