O Mestre e os Aprendizes do Terror
A malta de potenciais assassinos serve no mesmo quartel da rua Barão de Mesquita, onde operou o notório DOI-CODI do I Exército. |
Por
Luiz Claudio Cunha(*)
O
grupo de jovens corria pelas ruas do bairro carioca da Tijuca, em
marcha sincronizada, cantando: “Bate, espanca/ Quebra os ossos/
Bate até morrer”. O chefe do bando perguntava: “E a cabeça?”.
A
resposta vinha em coro: “Arranca a cabeça e joga no mar!”. O
chefe, de novo: “E quem faz isso?”. A resposta afinada não
deixava dúvidas: “É o Esquadrão Caveira!”.
A
história foi revelada, em julho, pelo colunista Ilimar Franco, de O
Globo. Não
era um bando de marginais descendo o morro. Era um animado pelotão
do I Batalhão da Polícia do Exército berrando a plenos pulmões o
ideário truculento que devem ter contraído em seu local de
trabalho.
Como
lembrou o advogado Wadih Damous, presidente da OAB do Rio de Janeiro,
a malta de potenciais assassinos serve no mesmo quartel da rua Barão
de Mesquita, 425, no Andaraí, onde operou na década de 70 o notório
DOI-CODI do I Exército, um dos maiores centros de tortura do regime
militar.
Só
a memória insana da ditadura pode explicar o treinamento idiota
aplicado aos recrutas do batalhão marcado pelo estigma da violência.
E só o paraíso da impunidade pode explicar a falta de indignação
dos comandantes que admitem e se omitem diante de uma demonstração
pública de desrespeito ao ser humano.
Nada
estranho para comandantes militares que, num documento enviado no
final de 2010 ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, reclamavam
contra a criação da Comissão Nacional da Verdade, alegando que,
afinal, “passaram-se quase 30 anos do fim do chamado governo
militar…”
Os
chefes das Forças Armadas que impuseram uma ditadura de 21 anos ao
país, fechando o Parlamento, censurando, cassando, prendendo,
torturando e matando dissidentes políticos, ainda têm dúvidas se
tudo aquilo pode ser chamado de “governo militar”.
É
por isso que garotos saudáveis da tropa ainda hoje fazem exercício
físico na rua ecoando sua explícita disposição de espancar,
quebrar os ossos, bater até morrer, arrancar a cabeça e jogar no
mar…
Em
julho do ano passado, foi revelada uma descoberta da Associação
Nacional de História (Anpuh): os alunos das escolas militares do
país continuam ensinando aos recrutas que o golpe de 1964 que
derrubou o governo constitucional de João Goulart foi “uma
revolução democrática”.
O
disparate está publicado no livro História
do Brasil: Império de República,
de Aldo Fernandes, Maurício Soares e Neide Annarumma, aplicado no 7º
ano do Ensino Fundamental das escolas militares. Um mês depois, a
Anpuh perguntou ao ministro Jobim: “Que cidadãos estão sendo
formados por uma literatura que justifica, legitima e esconde o
arbítrio, a tortura e a violência?”.
Só
no início de 2011, já no governo de Dilma Rousseff, o Comando do
Exército respondeu, dizendo que o livro “atende adequadamente às
necessidades do ensino da História”. É bom lembrar
que, 30 anos atrás, o Colégio Militar de Brasília admitiu no seu
corpo docente o coronel Wilson Machado.
Meses
antes, em abril de 1981, ele sobrevivera à bomba do frustrado
atentado ao Riocentro. O futuro educador de Brasília, então
capitão, era o terrorista de Estado que carregava a bomba que
explodiu antes da hora no seu Puma, matando na hora seu comparsa, o
sargento Guilherme Rosário.
O
capitão Machado, como o sargento, servia no DOI-CODI da rua Barão
de Mesquita.
É
o mesmo quartel da gurizada que hoje ecoa a lição do camarada
terrorista que virou professor.
Todos
eles, mestres e aprendizes, seguem intocáveis na marcha sincronizada
da impunidade.
*Luiz
Cláudio Cunha é
jornalista, autor do livro “Operação Condor:
o Sequestro dos Uruguaios” (ed.
L&PM, 2008). Colabora com o “Quem
tem medo da democracia?”, onde
mantém a coluna“De
Talho“. Quem
quiser se comunicar diretamente com o autor, pode fazê-lo através
do e-mail cunha.luizclaudio@gmail.com
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