A Nova Depressão [1] – e o apodrecimento do sistema financeiro internacional
Reproduzo artigo por A. Sérgio Barroso *
O conteúdo deste artigo é objeto de pesquisa de doutorado em. Economia Social e do Trabalho, UNICAMP/IE.
O conteúdo deste artigo é objeto de pesquisa de doutorado em. Economia Social e do Trabalho, UNICAMP/IE.
“Lamento
dizê-lo, mas apostaria que haverá depressão e que durará alguns
anos” (Eric Hobsbawm, 30/3/2009). [2]
Deplorável
e fracassado completamente, enquanto suposição teórica de que a
farra da alta finança liberalizada nos levaria a um mundo
globalizado solenemente convergente ao desenvolvimento.
Ora,
Hobsbawm nunca deixou de assinalar as profundas assimetrias de renda
e riqueza perpetradas mundo afora implacavelmente pelo tal
neoliberalismo, bem como um novo espraiamento das desigualdades
sociais e regionais, além da crescente espiral da violência nas
mais variadas formas. [3] Evidente: de imediato ele captou o desastre
vindouro, notadamente desde a falência do banco Lehman Brothers
(setembro de 2008), quando a crise financeira detonada em agosto de
2007 no crash das hipotecas subprime, nos EUA, tornou-a sistêmica
globalmente, por súbita obstrução dos canais de financiamento da
economia mundial.
Depressão
e sistema financeiro “sombra”
Nesta
matéria, de modo nenhum se pode tirar os méritos do liberal Paul
Krugman. Vinculado “desde criancinha” ao partido democrata, o
esse economista foi agraciado – parece claro – com o Nobel de
2008, de um lado, por surfar do lado de Obama nas críticas ao
tiranete Bush júnior, tanto em politica externa quanto em política
econômica; de outro, por ter se alinhado sem disfarce às politicas
keynesianas enquanto caminho de saída para a grande crise, numa
época em que todos ainda recusavam desenterrar o cadáver do
delicado lorde britânico.
Pois
bem: Krugman também foi dos primeiros a denunciar as vigarices do
“shadow banking system”, ou sistema bancário sombra. Conforme
escrevera Krugman, esse sistema – de empresas “não bancos” ou
bancos sem supervisão do banco central – se agigantou durante a
fase expansiva da economia “financeirizada”. Por exemplo – diz
ele -, os cinco grandes bancos de investimento dos EUA somavam
balanços patrimoniais da ordem de US$ 4 trilhões; enquanto os
ativos totais do sistema bancário do país em torno de US$ 10
trilhões.
Enfim,
em “A crise de 2008 e a economia da depressão” (2008), Krugman
acusa ali os “instrumentos financeiros exóticos” (derivativos,
instrumentos altamente especulativos etc.) do sistema bancário
sombra. Mas não se trataria de instituições que foram
“desregulamentadas”: na verdade – escreve -, foram responsáveis
por riscos assumidos por “instituições que, para começar, nunca
foram regulamentadas”. [4]
Havendo
concluído aquele livro com apelos do tipo: “O que deve ser feito?
(…) quase sem dúvida, recorrer aos bons estímulos fiscais, no
velho estímulo keynesiano”, Paul Krugman a caba de publicar “Um
basta à depressão econômica. Propostas para uma recuperação
plena e real da economia mundial”. [5]
Sim:
se antes em dúvida, em 2012 Krugman chega ao vaticínio de Hobsbawm,
de 2009.
“Financeirização
global”: da sombra ao apodrecimento
“(…)
parte do sistema financeiro internacional transformou-se numa fonte
inesgotável de patifarias”. (Delfim Netto, 25/7/2012). [6]
Na
verdade, desde agosto de 2007 o curso da nova depressão convive com
falências bancárias em série, casos sequenciados de corrupção
escandalosa, demissões de executivos de grandes corporações
financeiras e não financeiras sendo acusados – às vezes presos –
por roubalheira explícita e desmoralizados publicamente.
Trata-se
de um processo que alia formas da ganância capitalista nunca vistas,
de braços dados à ideologia do darwinismo social; somados à gestão
do Estado e da grande finança inteiramente a serviço do capital sem
quaisquer veleidades. Com bem sugere o economista Delfim Netto, no
artigo sugestivamente intitulado “Pessimismo”, o sistema
financeiro transfigurou-se numa fonte imparável de falcatruas. Só
que ele pensa que é uma “parte” deste sistema.
Quatro
exemplos demonstram que o ex-ministro muito provavelmente encontra-se
bem “otimista”.
1.
No caso recentíssimo do banco britânico Barclays – onde a
taxa interbancária Libor ficou no centro de um grande escândalo no
Reino Unido, após a descoberta de que foi manipulada pelo banco
entre 2005 e 2009 -, provou-se o envolvimento de operadores dos
bancos franceses Société Générale e Crédit Agricole, do alemão
Deutsche Bank e do britânico HSBC, segundo reportou o site do
“Financial Times” (18/7/2012). 2. Em 17 de Julho último,
David Bagley, diretor mundial do banco HSBC para regulamentação
pediu demissão em sessão no Senado dos EUA, convocada para ser
acusado, após investigação, de permitir operações de lavagem de
dinheiro do narcotráfico (cartéis do México), bem como de dinheiro
proveniente de financiadores de “grupos terroristas” (Arábia
Saudita). A alta direção do banco sabia de tudo. 3. O HSBC
Brasil é citado em conversas de 2006 e 2007 entre David Bagley,
chefe de regulamentação do HSBC global, e Alexander Flockhart,
então diretor-executivo para América Latina, sobre como evitar o
filtro do Ofac, a agência do governo americano para ativos
estrangeiros. 4. Segundo site da revista Carta Capital
(22/7/2012), o documento The Price of Offshore Revisited, escrito por
James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, e
encomendado pela Tax Justice Network, cruzou dados do Banco de
Compensações Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do
Banco Mundial e de governos nacionais. Resultado: os valores
depositados nas chamadas contas offshore – as autoridades
tributárias dos países não têm como cobrar impostos -, dos
super-ricos brasileiros somaram até 2010 cerca de US$ 520 bilhões
(ou mais de R$ 1 trilhão) em paraísos fiscais; ou a quarta maior
quantia do mundo depositada neste tipo de conta bancária.
A
charmosa denominação de “internacionalização dos fluxos de
capitais”, advinda com toda a força na era da “globalização
financeira” está dando nisso: apodrecimento paulatino do sistema
financeiro internacional. Há inclusive quem afirme que a
liberalização financeira global veio para isso – também.
O
que está, agora mesmo, vindo junto ao sério agravamento da crise na
zona do euro e nos EUA dos últimos dias. O que levará
inevitavelmente a uma nova onda de pessimismo e instabilidade dentro
da crise depressiva.
NOTAS
*
Centro Nacional de Estudos Sindicais e do Trabalho.
[1]
Sob o título “A Nova Depressão e o fim do mito americano”,
estamos tentando concluir ainda neste ano nossa pesquisa de
doutoramento (Economia Social).
[2]
Ver: “Além de injusto, o mercado absoluto é inviável”,
Entrevista de Hobsbawm ao jornal argentino Página 12, em:
“Globalização neoliberal: da crise financeira à grande queda”,
Barroso, A.S.R., Jornal dos Economistas, CORECON, Rio de Janeiro,
abril 2009.
[3]
Em “Democracia, terrorismo e democracia”, Companhia das Letras,
2007, Hobsbawm mantém as preocupações com o obscurantismo apontado
ainda em 1995, no “A era dos extremos”, da Companhia das Letras.
[4]
Ver: “A crise de 2008 e a economia da depressão”,
Elsevier/Campus, 2008.
[5]
De P. Krugman, Elsevier/Campus, 2012.
[6]
Ver: “Pessimismo”, Folha de S. Paulo, 25/7/2012.
Comentários
Postar um comentário
Comentários